A capacidade investigativa global dos EUA, por Bruno Rocha
Desde o início da Operação Lava Jato viemos destacando a necessidade de interpretação da Cooperação Judicial do Brasil com os Estados Unidos dentro da grande estratégia de projeção de poder da Superpotência.
Através do Departamento de Justiça (DoJ, equivalente ao Ministério da Justiça, MJ nacional) e em estreita coordenação com os departamentos de Estado e Defesa, além de integração interagências, o ainda país mais rico do mundo exerce sua influência jurídico-criminal de forma seletiva e discricionária em escala planetária.?
Tomando por base a descrição de funcionamento de seus organismos especializados e de fonte direta (DoJ e FBI), neste texto podemos observar um demonstrativo de duas medidas punitivas permanentes: corrupção empresarial e desvios de verbas oficiais. No caso, são dois alvos, um ex-governante da Nigéria e uma empresa transnacional francesa, possível concorrente e rival das TNCs com base nos Estados Unidos.
Trata-se de um exemplo de atuação dos EUA, tomando por princípio que qualquer uso de empresas ou instalações bancárias com pessoa jurídica em sua jurisdição territorial ou a esta subordinada no estrangeiro, pode ser alvo de operações legais da Superpotência. Com a capacidade inequívoca de quebra de sinais e vigilância na movimentação financeira, o Departamento de Justiça opera com capacidades extraterritoriais. Vejamos o caso do ex-ministro das Minas e da Geologia da República da Guiné, Mahmoud Thiam condenado a sete anos de prisão dentro dos EUA por supostamente haver recebido propina e ganhos advindos de corrupção na assinatura de contratos com empresas chinesas, China Sonangol International Ltd. (China Sonangol) and China International Fund, SA (CIF). Thiam foi acusado de haver recebido U$d 8,5 milhões entre ganhos ilegais e operações de lavagem de dinheiro (ver: https://goo.gl/VAP5TR)
As operações de investigação foram levadas a cabo pelos escritórios do FBI em Nova York e Los Angeles, através da unidade de Esquadrões de Corrupção Internacional e em coordenação com a promotoria especializada na Seção de Fraudes, dentro da hierarquia direta do Departamento de Justiça. Esta Seção é responsável por investigar e processar atos abarcados pela Unidade de Foreign Corrupt Practices Act (“FCPA”). O FCPA foi estabelecido em 1977 e tinha como alvo permanente pessoas físicas e jurídicas atuando em solo dos EUA e alguns enquadramentos do mercado de ações internacionais. A mudança de escopo se deu em 1998, quando os alvos potenciais se tornam quaisquer empresas ou pessoas físicas que utilizem em algum momento de um ato ilícito, alguma dependência física ou estrutura corporativa dentro da jurisdição soberana dos EUA. Quaisquer empresas ou conglomerados transnacionais que tenham ações negociadas na Bolsa de Valores de NYC, ou tenham acordos de auditoria e aval contábil de empresas estadunidenses pode vir a ser foco de investigação federal (ver: https://goo.gl/hU3tmn).
Como braço operacional do FCPA, o governo Obama criou em 2015 os Esquadrões Internacionais Anti-corrupção do FBI. São três esquadrões baseados respectivamente nos escritórios de Los Angeles, NYC e Washington D.C. (na sede do Bureau) tendo como alvos permanentes “corrupção internacional ou no estrangeiro” e crimes de tipo “cleptocráticos”, semelhantes aos de colarinho branco, mas executados pelos super-ricos, a elite de altos executivos globalizados ou, especificamente, o alvo prioritário: operadores políticos corruptos de países subdesenvolvidos ou da Semiperiferia. Não por acaso, a operação tomada como base para o estabelecimento da Unidade dentro do FBI foram as investigações que levaram à admissão de culpa por parte da Alstom. A transnacional francesa dos setores de energia e transportes foi acusada de operar um esquema mundial de corrupção e favorecimentos, sendo condenada e feito acordo com a Justiça Federal dos EUA na ordem de U$d 772 milhões de dólares. Os exemplos tomados como evidências de “cleptocracia” são os desvios e condenação do ex-ditador da Nigéria Sani Abacha e o ex-presidente e golpista da Coreia do Sul, Chun Doo Hwan. A base legal – da lei soberana dos EUA – para operar é o Kleptocracy Asset Recovery Initiative do Departamento de Justiça. Para abrir qualquer investigação, basta a suspeita de utilização de redes bancárias com jurisdições nos EUA ou em territórios associados ou empresas conexas na transferência destes ativos. (ver: https://goo.gl/QYSvwv).
Dentro da estrutura direta do Departamento de Justiça, não conformando uma agência independente, está o Money Laundering and Asset Recovery Section (MLARS). A Seção de Lavagem de Dinheiro e Recuperação de Ativos conta com sete unidades integradas: Bank Integrity Unit (fiscalização dos sistemas bancários); International Unit (atividades externas); Money Laundering and Forfeiture Unit (lavagem de dinheiro e confisco); Policy Unit (de políticas integradas); Program Management and Training Unit (de gerência de pessoal e treinamento); Program Operations Unit (de logística de operações) e Special Financial Investigations Unit (aqui seriam os alvos destacados em escala mundo). O MLARS é o braço operacional do DoJ para recuperação de ativos e articulação interagências. (ver: https://goo.gl/xSiwn2)
Apontando linhas conclusivas
Os Estados Unidos dedica uma burocracia de carreira no Departamento de Justiça para atuar em investigações de caráter internacional, em uma evidente demonstração de força e prepotência. O momento do capitalismo é de acumulação selvagem, onde a valorização de capital – o aumento da liquidez, o aumento da renda líquida através dos investimentos em capital fictício – superam, e muito, tanto o crescimento econômico como a ainda mais distante distribuição de renda. Dentro deste modelo de criar valor – mediante contratos e depósitos – sem estar vinculado ao trabalho vivo, a circulação de ativos é peça-chave, e nesta circulação, a lavagem de divisas com origens duvidosas. Logo, quase toda relação entre oligopólios estrangeiros e o enriquecimento de elites dirigentes torna-se alvo em potencial. Assim, o Império prepotente, presidido por um presidente que como empresário não passa de picareta midiático com seis falências fraudulentas no currículo, subordina todos os países da Semiperiferia e até mesmo rivais do “ocidente”. A capacidade de investigação discricionária e seletiva, partindo tanto do enlace com elementos-chave dos aparelhos Judiciários de países conveniados – especificamente da magistratura e dos ministério público – como na quebra de sinais – incluindo a captura de dados do Sistema Swift de transferências interbancárias – é uma realidade, vantagem estratégica e forma de projeção de poder em escala mundo.
Bruno Lima Rocha é professor de relações internacionais e de ciência política
(www.estrategiaeanalise.com.br para textos e colunas de áudio / www.estrategiaeanaliseblog.compara vídeos, participação na TV e longas entrevistas radiofônicas / blimarocha@gmail.com para E-mail e Facebook)
Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/blog/bruno-lima-rocha/a-capacidade-investigativa-global-dos-eua-por-bruno-rocha