A classe média retornou. Por Zuggi Almeida
O telefone toca e uma mulher atende: – Alô ! Bom dia. Quem fala ?
– Mirtes? Aqui é a Estela, sua amiga aqui do conjunto habitacional. Vi ontem à tarde você passando pelo estacionamento carregando alguns sacos de compras. Tudo bem com você ?
Mirtes:Tudo bem ou melhor, mais ou menos.
Estela: Você veio visitar o seu filho Ricardinho ?
Mirtes: Não. O Ricardinho não mora mais aqui. Nós voltamos a ocupar o apartamento. Ele está morando com os pais da namorada, no Barbalho.
Estela: Mas, menina o que houve ? E aquele apartamento de três quartos, no prédio com porteiro, piscina, cozinha gourmet e academia do Itaigara ?
Mirtes: Tivemos que devolver para o banco porque foi financiado e atrasamos o pagamento. Você sabe que o meu marido Valdemar é corretor de imóveis. Imagine você que desde que houve esse rebuliço no governo, ele não conseguiu vender um quarto e sala siquer.
Estela: Pois é, minha filha.As coisas ficaram de cabeça pra baixo. Lembra da Júlia, filha de Zoraide da academia. Ela estava fazendo uma pós-graduação no Canada com apoio do governo. O projeto foi cancelado minha querida. A menina voltou deprimida e nem sai mais de casa.
Mirtes: Está uma loucura. O carro de Valdemar foi tomado pela financeira no estacionamento do shopping. Valdemar teve uma crise hipertensiva e foi parar numa UPA.
Estela: E você, hein Mirtes? Saiu daqui do bairro dizendo que nunca mais botaria os pés por essas bandas. Lembro do dia que você doou sua geladeira, o fogão e os armários de cozinha pra sua empregada. Alegava que aqueles móveis não mereciam entrar no seu apartamento novo.
Mirtes: Eu até tentei conter o ímpeto de Valdemar de querer ir pro Itaigara. Mas, naquele momento estava dando tudo certo. Quando cheguei lá pra morar fiquei tímida no começo, mas depois descobri que a maioria dos vizinhos tinham as mesmas origens que as nossas. Ainda lembro as reuniões pra assistir os jogos da Copa. Tudo era festa.Participamos de quase todas as manifestações contra o governo ,no Farol da Barra. Todos os carros do nosso prédio tinham os adesivos ‘Fora Dilma’.
Estela: Mirtes, agora que vocês ficaram sem carro, não querem alugar a sua vaga da garagem pro meu filho Fred?
Mirtes: Ainda não sei. Vou conversar com Valdemar. Ele anda prestes a explodir. Ontem, minha filha Rosângela avisou que está vindo ocupar o outro quarto com o marido e o bebê.
Estela: Mirtes, querida vou desligar o telefone. Um beijo. Domingo nos encontramos na missa do padre Valter.
Mirtes; Um momento Estela. Será que aquela costureira que faz umas coisas com preço em conta ainda está na loja ao lado do armarinho?
Estela: Sim.
Mirtes: Obrigado. Tchau!