Aldeia Nagô
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A Crise faz bem ao Planeta por Ignacy Sachs

6 - 8 minutos de leituraModo Leitura

Com uma visão
positiva do impacto da atual crise econômica global no desenvolvimento
sustentável do planeta, o “ecossocioeconomista” e conselheiro das
Nações Unidas, Ignacy Sachs, que ajudou a cunhar o conceito de
desenvolvimento sustentável no mundo, defende uma mudança radical no
estilo de vida do mundo no século 21.

Para ele, é preciso reduzir o
perfil do consumo de energia, aumentar a eficiência energética e
substituir as energias fósseis pelas renováveis. Sachs acredita que a
crise iniciada nos Estados Unidos, que acabou por jogar na recessão as
economias mais maduras do mundo, marca o fim do mito neoliberal de que
os mercados são capazes de se auto-regulamentar.

[Estado de Minas] Como a crise financeira global influencia o processo de sustentabilidade do planeta?

[Ignacy Sachs] A crise tem
aspecto altamente positivo. Ela marca o fim do mito neoliberal de que
os mercados são capazes de se auto-regular. Portanto, remete mais uma
vez a uma questão fundamental: qual Estado, para qual desenvolvimento,
que papel e que funções tem esse Estado dentro de uma economia mista
onde o mercado tem papel importante, mas deve ser regulado? O segundo
aspecto é que a ênfase excessiva dada à globalização vai sofrer um
retrocesso.

[EM] O senhor afirma que o mundo está em transição. Em que consiste isso?

[IS] Se você pegar a
longa história da co-evolução da espécie humana com a biosfera, vai ver
que até hoje houve duas grandes transições. A primeira, que começou há
12 mil anos, foi a domesticação de plantas e animais que levou à
urbanização e a uma série de avanços na civilização. A segunda, no fim
do século 17, começou com a utilização de energias fósseis como o
carvão e, no século 19, com o petróleo e o gás. Tudo indica que estamos
no início de uma terceira grande transição, que é a saída da era do
petróleo. É urgente que reduzamos as emissões dos gases que provocam o
aquecimento global. Além disso, de acordo com o que dizem a maioria dos
geólogos, estamos próximos do pico do petróleo, do momento em que a
produção estará no seu máximo. As novas descobertas são inferiores ao
consumo da humanidade.

[EM] Em quanto tempo isso vai acontecer?

[IS] A tendência
geral não vai contra a tese de que estamos próximos do pico do
petróleo. De qualquer maneira, isso não acontecerá da noite para o dia.
O processo vai levar décadas e poderá se prorrogar até o próximo
século. Mas se nos voltamos à longa perspectiva da co-evolução da
espécie humana com a biosfera, vamos verificar que o período de uso
intensivo das energias fósseis vai parecer breve interlúdio de 4
séculos.

[EM] Como fica a descoberta das reservas do pré-sal no Brasil nesse contexto?

[IS] O pré-sal é um
grande bilhete que o Brasil ganhou na loteria. Mais dia, menos dia,
esses recursos terão de ser aproveitados. Mas mesmo o pré-sal é um
recurso que vai se esgotar. Essa grande descoberta não deve nos
distrair da construção de uma civilização duradoura, baseada no uso
múltiplo da biomassa. A questão é até onde podemos caminhar na direção
que apontei. E isso depende da nossa capacidade e de pesquisa. Se os
biocombustíveis levam ao latifúndio e à monocultura, eles não vão
resolver o desafio. O importante não é dizer que se pode produzir mais
biocombustível, mas mostrar que não há contradição entre segurança
alimentar e energia. É preciso mostrar como será a solução e também os
impactos sociais das soluções que serão apontadas. Existem margens de
liberdade para a maneira de organizar a produção. Esse é o verdadeiro
desafio para a política brasileira da próxima década.

[EM] Quais as saídas para a situação atual?

[IS] A primeira e a
mais importante é a redução do perfil da demanda pela energia. Por
causa da energia barata, desenvolvemos um estilo de vida extremamente
dilapidador dessa energia. Temos de repensar os nossos estilos de vida
e de consumo. Depois, há um enorme espaço para aumentar a eficiência e
tirar mais proveito da energia consumida. Em terceiro lugar, aparece a
substituição das energias fósseis pelo conjunto da energias renováveis:
éolica, solar e biocombustíveis, com o etanol como aditivo e substituto
da gasolina e o biodiesel como aditivo e substituto do diesel, além da
produção de energia elétrica a partir da  biomassa.
Também podemos incluir o carvão vegetal verde, produzido a partir de
resíduos vegetais e de árvores plantadas. Temos, portanto, enorme
elenco das substituições diretas das energias fósseis pelas renováveis.

[EM] Quando esse processo será concluído?

[IS] São processos
que nunca acabam. É extremamente importante introduzir um elemento a
mais no debate: a substituição indireta das energias fósseis, por meio
de um uso maior de produtos derivados da biomassa. Na realidade,
biomassa é alimento, é ração animal, é adubo verde, é bioenergia,
fibra, plástico e material de construção. Há um leque cada vez maior de
produtos derivados da biomassa. As usinas de plástico verde são apenas
o começo de toda uma gama de possibilidades. Temos ainda os fármacos e
os cosméticos. É possível imaginar uma civilização moderna baseada no
uso múltiplo da biomassa explorando o trinômio
biodiversidade-biomassa-bioteconologia aplicado nas duas pontas do
processo. Essa é uma possibilidade particularmente interessante para
países tropicais, onde o Sol é e será nosso. O Brasil é um sério
candidato a liderar esse processo de construção das biocivilizações
modernas do futuro. É importante nos darmos conta do fato de que no
século 21 enfrentaremos dois desafios: as mudanças climáticas e um
déficit crônico e sério de oportunidades de trabalho. Portanto, nossa
ambição deveria enfrentar esses dois desafios simultaneamente. Isso nos
leva a enfatizar o potencial da biocivilização, condicionando seu
desenvolvimento a estratégias que privilegiem o agricultor familiar
para gerar o maior número de oportunidades decentes possível.

[EM] Seria uma volta ao campo, depois da industrialização?

[IS] Essa volta é
muito difícil. A Organização das Nações Unidas publicou um relatório
que diz que metade da humanidade vive nas cidades. Isso significa que a
outra metade vive no campo. Não estou pregando a saída massiva de
pessoas das cidades para o campo, mas uma política que permita que um
número maior de pessoas encontre condições de vida dignas e amenas fora
dos grandes centros. A visão de que a urbanização é sinônimo de
progresso tem de ser revista seriamente. Refugiados do campo, apinhados
em favelas, não constituem a solução dos problemas do desenvolvimento.

Esta entrevista foi concedida por Ignacy Sachs à jornalista Zulmira Furbino (Jornal Estado de Minas) no evento preparatório para o "Diálogos da Terra"
Em 02.04.2009
http://www.gestaosocial.org.br


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