A cultura rave tem sempre vinte anos por Odile de Plas
A história da música pop
não tem apenas um, mas três "Summers of Love", os "verões do
amor" sinônimos de revolução cultural e musical.
O de 1967 foi, com certeza, o primeiro, que
desencadeou a onda hippie com seu slogan "Paz e Amor". Mas também os
de 1988 e 1989, menos conhecidos do grande público, porque ficaram
circunscritos à Inglaterra. Sua importância, todavia, pode ser medida ainda
hoje.
Foram os verões da geração eletrônica, os atos fundadores da cultura rave que
se estendeu por toda a Europa durante os anos 90.
Isso tudo já faz vinte anos, e o festival Astropolis em sua 14ª edição, (13 a
17 de agosto), em Brest (Finisterra), convidou alguns DJs históricos, como
Daniel Bell e Derrick May, um dos três "inventores" da música techno
em Detroit (Michigan).
O organizador da Astropolis, Mathieu Guerre-Berthelot não viveu o "verão
do amor" de 1988, e por uma só razão: "o ‘Summer of Love’
francês foi, na verdade, o Inverno do Amor 92", brinca. "A imprensa
de rock francesa falava sobre essa tendência estranha que sacudia a cultura pop
britânica", ele se lembra. "Nós víamos isso com um certo desprezo,
para nós era uma coisa de clubes noturnos. Mas quando fomos à grande rave
Transmusicales em Rennes, em 1992, entendemos finalmente do que se tratava, foi
um verdadeiro choque cultural. Todo mundo sorria, dançava, isso nos tirou dos
ambientes sinistros dos shows de rock dos anos 80."
Uma
revelação idêntica à que tiveram os clubbers ingleses, no verão de
1988 nas discotecas de Londres, quando os DJs (Danny Rampling ou Paul
Okenfoald) que haviam acabado de voltar de Ibiza, nas Ilhas Baleares, reuniram
os modernos em torno de uma música desconhecida. Uma mistura alegre e hipnótica
de disco, mas sobretudo do techno vindo de Detroit e da house music de Chicago
(Illinois).
De Ibiza, os DJs também trouxeram uma droga que se dizia inofensiva: o MDMA ou
ectasy. Uma molécula que provoca a empatia pelo próximo, dá um sentimento de
estar em simbiose com a música e com o ambiente. "Um laxante ideal para os
ingleses travados", segundo Simon Reynolds, autor da obra de referência
sobre essa época, "Energy Flash, a Journey Through Rave Music and Dance
Culture".
Participando de uma revolução
Em poucos meses, o rumor das noites loucas de Londres se espalhou e provocou o
verão seguinte, em 1989, uma bacanal para a juventude como o país nunca havia
visto em muitos anos. Bastava um comércio ou uma clareira. Algumas grávidas,
DJs, milhares de iniciados que se aglomeravam, guiados pela troca de mensagens
em suas secretárias eletrônicas, e estava formada a rave. "To rave",
em inglês, significa delirar. Ele convém à atmosfera dessas festas selvagens
onde se dança até o dia seguinte, em comunhão com a música e com todos os
desconhecidos, transformados em melhores amigos. É possível ver coisas
inimagináveis, como um fã do time de futebol londrino Chelsea abraçar um
torcedor incondicional do rival Arsenal. Engarrafamentos monstruosos bloqueando
a M25, na periferia de Londres, todos os fins de semana. A multidão é reunida
pelo segredo e pelo sentimento exaltante de participar de uma revolução musical
e festiva tão importante quanto o nascimento do rock nos anos 50 ou do rap na
aurora dos anos 80.
Por causa de sua ausência de discurso, de reivindicações políticas ou sociais,
o movimento rave enfrentou críticas no começo. Os DJs americanos,
principalmente os de Detroit, não gostavam da idéia de ver sua música,
cerebral, futurista e sobretudo intimamente ligada à história de sua cidade,
reduzida à um suporte festivo. Em Nova York e Chicago, o espírito disco e
house, nascido na comunidade gay, se adequava melhor.
As raves se politizaram de fato depois de sua proibição pelo governo Thatcher
na Grã-Bretanha, em 1992. Na França, isso aconteceu com a circular Pasqua de
1995, intitulada "raves, fenômenos de alto risco".
Toda vez, as conseqüências eram as mesmas: interdição ou grandes dificuldades
para organizar festas "legais", radicalização de uma parte do
movimento dentro do movimento dos "travellers" e das "free
parties" (Teknival na França) que reuniram até 40 mil pessoas na França no
começo dos anos 2000.
Apesar de os dez anos do "Summer of love" eletrônico terem gerado uma
literatura importante na Grã-Bretanha, seus vinte anos são surpreendentemente
pouco celebrados fora da imprensa especializada.
Será um sinal de um certo desafeto pelos músicos eletrônicos? "Ao
contrário", acredita Mathieu Guerre-Berthelot, "acho que só
comemoramos de verdade aquilo que desapareceu completamente. A cultura rave e
eletrônica está bastante viva hoje. Basta observar a moda da Tektonik nas
escolas ou a corrente nu-rave entre os jovens roqueiros ingleses. Uma nova
geração tomou a vez."
Quanto às interdições que golpearam a música eletrônica, elas acabaram caindo.
"A única coisa que as autoridades ainda não conseguem entender",
constata Mathieu Guerre-Berthelot, "é por que fazemos questão de terminar
às sete horas da manhã e não às três, como os festivais de rock. Mas aqui, não
viemos somente para ver um simples show, nós vivemos uma experiência global. E
o nascer do sol faz parte."
Tradução: Eloise De Vylder