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A denúncia contra Lula: filma eu, manifestação partidária ou simples irresponsabilidade? Por Percival Maricato

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O país está passando por maus momentos e o que se espera é que certas instituições, Procuradoria, Judiciário, Forças Armadas, Diplomacia, Banco Central, Polícia Federal, fiquem totalmente isentas de conflitos partidários e só ajam dentro de suas atribuições constitucionais.

São instituições que tem bem definido seus papeis, suas leis e regulamentos. A isenção é fundamental para a estabilidade democrática, essa maravilha que permite atravessar momentos como o atual com quase tudo funcionando.

Assiste-se de vez em quando um ou outro escorregão nesses órgãos. No entanto, um procurador do Distrito Federal extrapolou, atropelou as mais comezinhas normas e limites de sua função ao propor abertura de um procedimento investigatório contra o ex presidente Lula. A acusação é que ele teria feito lobby para empresa brasileiras no exterior, prática de todos os presidentes, de todos os países e ainda no cargo. É o que se pode constatar recentemente na visita do presidente francês ao Brasil, tentando fazer com que comprássemos seus aviões de caça e não os da Suécia. A Suécia mandou gente da realeza, como os mesmos fins. Nos EUA isso é considerado até obrigação e quando presidentes não são suficientes, enviam os marines, bem mais convincentes, para preservar mercados para seus produtos (e/ou garantir  fontes de matéria prima, como no caso recente do Iraque).

No entanto, o conteúdo dessas informações ainda podem ter versões contraditórias. Não porém, os vícios evidentes do processamento, as transgressões às normas internas que deveriam ser obedecidas. Para começar, órgãos do judiciário, procuradorias, delegacias tem o DISTRIBUIDOR, ou seja, todo procedimento entra para um departamento onde ele é distribuído de forma impessoal, obedecendo regras, indo para a autoridade que está na fila para recebê-lo. É a forma de garantir que o procedimento não seja dirigido para os amigos, forma de evitar perseguição, corrupção etc. Uma vez distribuído, nenhuma outra autoridade de mesmo nível pode interferir. Mesmo o superior só pode fazer algo no processo obedecendo normas rigorosas que justifiquem seu ato, inclusive transparência, publicidade, explicações a conselhos. Tudo isso foi atropelado no caso.

O procedimento para apurar o fato, uma acusação de prática de ato ilícito contra Lula, foi distribuído como investigação preliminar para uma procuradora, que deveria levá-lo até termo final e relatório, quando decidiria se deveria ou não ser transformado em outro de maior gravidade formal. È assim que a procuradoria funciona, há décadas os procuradores se respeitam e respeitam a lei. Alegando que sua colega estava em férias e que a qualquer momento um procedimento preliminar poderia ser transformado em um inquérito, um seu colega assim fez, e antes mesmo de receber informações sobre o fato pedidas por sua colega. E se esta pediu, é por que julgou necessário para a tomada da decisão. Mesmo que assim não fosse, faz parte do direito constitucional, cláusula pétrea, de defesa de um cidadão, é obrigação da autoridade no mínimo que se conduza com todo cuidado, reunindo todas as informações disponíveis, dando ciência ao réu, permitindo que se manifeste, antes de submetê-lo à gravidade e humilhação de ter que responder a procedimento de tanta carga acusatória.

É como um inquérito na polícia, procedimento preliminar, que já exige indícios de materialidade e autoria de crime. Mesmo assim, o delegado encarregado, que houve as partes, o advogado do acusado, testemunhas, pede informações e só então faz um relatório com conclusões, e então o indicia ou não. Depois remete aos autos ao Promotor, que só então, se julgar haver elementos suficientes, denuncia o acusado. No caso de Brasília, o procurador pulou quase todas essas fases e  denunciou o ex presidente. Pode ser por simples irresponsabilidade, para chamar a atenção da mídia em um momento onde isso entrou na moda ou manifestação partidária. Tudo indica que o procurador quis dar sua contribuição a desconstrução da imagem política do ex presidente. A utilidade da denúncia logo serviria para nova onde publicitária. A Revista Veja, que como sempre toma conhecimento destes fatos antes de que sejam divulgados aos mortais e até a autoridades a que se destina, aproveitou para fazer capa com o ex presidente: a vez dele, com foto devidamente escurecida e trabalhada, o fazer política em vez de dar a notícia, mas é mídia e não instituição. O fato é que as motivações do procurador  tem que ser apuradas.

As explicações dadas por ele para o açodamento são  ridículas: a- a denúncia poderia ser feita sem esperar informações, b- o procedimento preliminar poderia se tornar definitivo a qualquer hora, c- sua colega estava de férias. Se as informações não tinham chegado, se ainda havia prazo para as investigações preliminares, se nesse prazo a colega chegaria de férias e teria direito e condições de decidir, se pelas décadas anteriores o fato de um procurador estar de férias não fazia com que outro interferisse em seus processos, mesmo quando o prazo estava para se esgotar, se o atraso não anulava o processo?então por que a precipitação? Foi evidente uso partidário da Instituição Procuradoria a República, fato odioso, perigoso, irresponsável. Esperemos que mereça a justa resposta da cúpula do órgão, que abriu processo administrativo contra o procurador, ou seja, dará a este o direito de defesa, de justificar seu ato, tudo que ele não deu ao ex presidente. O órgão precisa recuperar sua credibilidade, não pode ser usado para manifestar preferências partidárias.

Devem ter muito cuidado os membros de um partido ou ideologia que ficam satisfeitos por desejarem o mesmo fim que moveu o procurador, que se beneficiarem de arbítrio em determinado momento; devem lembrar que no  momento seguinte poderão estar entre os perseguidos. Uma lição que serve também para parlamentares de partidos no poder: se hoje se aprova a reeleição para favorecer um  correligionário, deve ser lembrado que a inovação poderá servir contra ele no ano seguinte. No caso da procuradoria, com muito mais razão. Imaginemos o que será de nós se cada procurador tiver o poder de denunciar qualquer cidadão, sem normas, sem fases ordenadas no processo, sem direito de defesa etc? Não é apenas a reputação e direitos de um cidadão que está em risco. O prejuízo acaba suportado por toda a sociedade, quando não há instituições isentas. Há risco para toda a economia, insegurança jurídica, riscos políticos que afugentam capitais e trazem intranquilidade permanente, risco imenso para o próprio ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.

Artigo publicado originalmente em http://jornalggn.com.br/noticia/a-denuncia-contra-lula-filma-eu-manifestacao-partidaria-ou-simples-irresponsabilidade

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