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A mídia é macho, Lula, Por Marilene Felinto

3 - 5 minutos de leituraModo Leitura
Marilene_Felinto

Sinceramente, Lula, quem vai entrar para a história é você (e em lugar privilegiado nesta infame história brasileira). Está na cara que é você. Não é nenhum jornalista. Então, esqueça os jornalistas (na figura daquele que disse que só entrevistaria você com polígrafo ao lado —um escárnio!). Nem cito nomes. Não vale a pena.

Esqueça essa imprensa que se autoprotege, que se autopremia, que é de um corporativismo, de um monopolismo constrangedor e comprometedor. Irresponsável, é indulgente consigo mesma, não reconhece os erros que comete.

Você viu só? Era jornalista entrevistando jornalista, polemista de extrema direita entrevistando o tipo jornalista pavão midiota, animador de auditórios imbecilizados. Jornalista metido a todo-poderoso é o que não falta, metido a senhor do espetáculo, metido a celebridade.

Veja bem: quem ganharia, de fato, com uma entrevista sua? O jornalista e a Globo, que você mesmo já não precisa disso.

Por mais injustiçado que você tenha sido, essa mídia vai sempre te perseguir, mas é claro que você sabe disso. E me desculpe se chamo você de você… Mas é com todo respeito à figura pública, ao político, ao ser humano que você é etc.

Desde que encontrei com você na fazenda do Raduan Nassar, há alguns anos, passei a te tratar nesse tom de intimidade… Conversamos ali, sentados à mesa do almoço… Contei a você um pouco da minha história na imprensa… Talvez você nem tenha registrado isso… Muita gente querendo falar com você etc.

Mas isso pouco importa. E nem me afeta, na verdade. Aqui neste texto, este desabafo é resultado da minha indignação com essa hipocrisia jornalística.

Veja você: outro dia, uma colunista chamou o governo Dilma de “corrosivo”. Nunca leio colunistas, mas por acaso bati o olho no texto da mulher, e dei de cara com essa palavra. Corrosivo? Ora, corrosiva é ela, a jornalista, uma, aliás, das que encabeçavam gargalhando a trama jurídico-midiática que foi dar no golpe de 2016.

Como disse Luis Nassif, com precisão, no recente artigo “Globo: os aprendizes de feiticeiro que colocaram o monstro nas ruas”: “Colunistas que ajudaram a espalhar o ódio se tornaram mensageiros da paz” hoje. Cínicos. Basta lembrar daqueles  comentadores de política dos telejornais da GloboNews. Todos eles rapineiros que se deliciavam em expor tua carcaça e a de Dilma Rousseff ao sol. Abutres.

Veja você, hoje eles têm o governo que merecem: de um lunático genocida que ignora a imprensa, que persegue jornalista, que atua contra a tal “liberdade de imprensa”, que ameaça todo dia dar um golpe na já “fraturada democracia”, como diz Nassif. Têm o governo que merecem.

Agora é tua hora de gargalhar, com toda a razão. Veja: o Brasil caiu recentemente para a zona vermelha do ranking de liberdade de imprensa junto com Bulgária, Indonésia, Benin, Zâmbia etc. Veja você.

Justo você que tratou com toda a democracia e toda a decência possível esta coisa que ainda chamam de “grande imprensa” ou “imprensa oficial”. Ora. Não fosse pelo esforço da chamada “imprensa alternativa”, não teria havido Vaza Jato nem tua absolvição.

Não fosse pelo esforço sobre-humano do site The Intercept, não haveria o desmascaramento do golpe civil jurídico-midiático e da sacanagem que fizeram com você.
Aliás, foi nos governos de vocês, do PT, que se decidiu apoiar pela primeira vez, concretamente, os veículos da mídia não majoritária, não corporativa.

Ação importantíssima, política pública com foco na democratização do acesso à informação, no direito universal que o cidadão tem de ser informado e não manipulado.

Política pública que considerou as peculiaridades dos diversos segmentos da mídia país afora, imprensa do interior, imprensa popular, rádios e televisões locais, internet etc.
E isso aqui não é “lulopetismo” não —termo péssimo, aliás, surgido do sociologuês perverso, embotado, trapaceiro, que mais difama do que explica. Criado para se promover a tuas custas.

Isso aqui é indignação. Imprensa para mim é imagem e semelhança do macho, Lula, no pior sentido desse termo, como sinônimo de covardia, do macho que se esconde por trás do grupelho que o interroga, e que se coça grosseiramente em público, para demonstrar virilidade.

Um dos erros dos governos de vocês? Não terem avançado para uma regulamentação da mídia, por mínima que fosse, para o marco regulatório das comunicações.

Resta agora assistir à hipocrisia da besta que gerou Bolsonaro, como disse Nassif: “A besta gerou Bolsonaro, que assumiu o controle da besta através de algoritmos nas redes sociais”. Jornalista entrevistando jornalista: quem precisa desse espetáculo grotesco? Jornalista entrevistando jornalista é a cabal “falência da informação”, como também disse Nassif.

Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo

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