A política do bem e do mal por Mirmila Musse
Os partidos não simbolizam mais a vida política. Joga sozinho aquele que é escolhido pelo partido para representá-lo. Aceitando a missão, tem um caminho árduo a trilhar. Se eleito, terá de lutar para, ao mesmo tempo, colocar seu partido para governar e tornar-se um personagem da política, sob o risco de cair no ostracismo. As pessoas, em geral, votam no palhaço, no marido da Carla Bruni etc., e não no PR ou no UMP.
Isso tende a se generalizar. Nesta semana, muitos disseram que não votam no Maluf, nem no Lula. Mas o candidato a prefeito não é o Fernando Haddad?! Na foto, amplamente divulgada em todas as mídias, quem estava entre Lula e Maluf, mas quase passou despercebido?
Essa questão talvez ajude a entender a atitude da ex-prefeita Luiza Erundina. Explicando sua renúncia à candidatura à vice-prefeita de São Paulo, ela alegou ter ficado chocada com a coligação entre o PT e o PP. Perdão, eu me enganei. Não foi nesses termos que ela explicou sua renúncia. Em entrevista ao telejornal Record News, ela disse: “O que aconteceu mesmo foi o fato de que a aliança não é com o PP, lamentavelmente foi com Maluf”. Os jornalistas tampouco se lembraram de lhe perguntar por que o partido no qual ela está filiada, o PSB, está coligado em vários estados do Brasil ora com o PSDB, ora com o DEM e até mesmo com o PP, o partido do Maluf.
No episódio, parece que Erundina não agiu seguindo uma lógica partidária ou um cálculo político, mas antes uma motivação pessoal. Ao dizer, por exemplo, que “Lula teria passado dos limites”, ela reforça a cultura de que a escolha eleitoral deve continuar assentada em lideranças individuais idolatradas, em celebridades, não em partidos.
O PP está coligado com o PT desde o primeiro mandato de Lula na presidência. Mas isso não parece importante. Para Erundina, não se trata de uma reedição na cidade de São Paulo de uma aliança já consolidada em âmbito nacional, mas sim de uma composição entre Lula e Maluf.
A presença do PP no governo federal afetou pouco ou quase nada o desempenho do PT na presidência. Esse dado sequer é considerado na avaliação do governo pela população.
Embora se saiba que não é Maluf quem irá governar caso o PT ganhe a eleição na cidade de São Paulo, o modo como a política tende a ser simbolizada e visualizada torna a coligação contraproducente. Nem por isso a escolha da camarada Erundina, abdicando da oportunidade de interferir ativamente na campanha e na futura gestão municipal, deixa de ser “infeliz”.
Nessa mesma entrevista à Record News, ela cometeu um ato falho significativo. Depois de seis minutos, Erundina disse: “[soube] que iria começar uma tentativa de acordo com o PP para apoiar o Haddad. E aí eu perguntei ao vice, ao candidato, aliás, ao candidato a prefeito, Fernando Haddad”.
Ela gostaria de ser a candidata, a escolhida de Lula? Imagina que Maluf teria mais voz que a vice-prefeita? Não cabe aqui tratar dos desejos atuais de Luiza Erundina. Mas cabe a ela se perguntar de qual Outro busca reconhecimento? De Lula, da população, de sua base política, da mídia?
Qualquer que seja a sua motivação, reforça-se a tese de que os políticos agem cada vez mais considerando como determinantes não os partidos, mas a ação individual. Nesse contexto, sequer soa paradoxal que a militante pela democratização dos meios de comunicação tenha escolhido o jornal O Globo e a revista Veja para anunciar seu desconforto e sua renúncia.
Nesse episódio, o maniqueísmo do bem e mal se conjuga ao culto da personalidade na política. Há, de um lado, um dos principais apoiadores civis da ditadura militar, o homem que está na lista de procurados da Interpol, o político do “rouba mais faz”, o autor de frases célebres como “estupra… mas não mata”, ou simplesmente o Darth Vader, como é designado em várias páginas do facebook.
De outro, encontra-se Luiza Erundina, a senhora de setenta e sete anos que abriu mão da perspectiva de voltar a exercer o poder na cidade de São Paulo supostamente em nome de sua coerência, de seus valores e princípios. Além desses dois, há ainda aquele que se elegeu presidente, apesar de ser caluniado como semianalfabeto, alcoólatra, desprovido de experiência e capacidade para governar e que depois de oito anos consagrou-se como o presidente avaliado positivamente por mais de 80% da população. Muitos o denominam o Pai do país e de uma Mãe para o Brasil, a sucessora que ele ajudou a eleger.
A política, no entanto, é feita também de coligações, escolhas e de partidos. Foi no bojo de uma aliança ampla que o governo Lula tornou-se uma referência, admirado e evocado no mundo inteiro. Lula e o PT julgaram oportuno aliar-se ao PP e conquistar mais 90 segundos para apresentar seu candidato. Em 90 segundos dá pra contar uma vida. A vida de um professor universitário, que deu aulas de ciência política, foi trabalhar na Prefeitura com Marta Suplicy, tornou-se assessor de Guido Mantega e depois Ministro. Depois da etapa das alianças e coligações, resta-lhe a tarefa de representar mais que seu partido. Terá que escolher seu personagem, vestir alguma máscara e fazer o “semblante”. Se a política hoje precisa de personagens e de um Pai para atrair eleitores, cabe a Fernando Haddad usar seus 8 minutos de TV para mostrar por que foi o escolhido pelo Pai-drinho Lula.
Mirmila Musse é psicóloga, mestre em psicanálise pela Universidade Paris-VIII.
Artigo publicado originalmente no http://www.viomundo.com.br