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Análise: o novo contrato social chinês. Por Frédéric Bobin

6 - 9 minutos de leituraModo Leitura

A China acaba de passar por uma sucessão de crises sem precedente desde os
primórdios da era das reformas econômicas, iniciada há um quarto de século. No
espaço de poucos meses, ela viu a parte meridional do seu território ficar
paralisada por violentas tempestades de neve (em fevereiro), as suas áreas de
povoamento tibetanas se amotinarem (em março), e a província do Sichuan ser
devastada por um terremoto cujo balanço deverá ser de mais de 85.000 mortos.


Para uma nação cujas atenções estavam voltadas, sobretudo, para a festa olímpica
do próximo verão, o choque é rude. Não era preciso de muito mais do que isso
para ver surgirem aqui e ali diversos questionamentos – preocupados ou
deleitados – em relação à capacidade do Partido Comunista Chinês (PCC) de
administrar esses abalos. Esta série de desastres não iria provocar rupturas que
apresentariam riscos, no médio prazo, de minar o regime chinês? Neste caso, os
observadores voltam a falar, por exemplo, da catástrofe de Chernobyl (1986) e do
seu impacto mortal sobre o sistema soviético.

Existe um ponto fraco
inerente a um grande número de análises sobre a China: elas continuam recorrendo
até hoje ao arsenal de ferramentas conceituais que se aplicavam ao contexto da
era da antiga União Soviética. O postulado desta grade de leitura é o seguinte:
a existência do PCC à frente da China constitui uma anomalia à qual a História
não tardará a pôr fim de uma maneira ou de outra. O regime vai acabar
desmoronando. Até lá, basta permanecer à espreita do choque que desfechará a
estocada fatal. Uma vez que a insurreição democrática da Primavera de Pequim, em
1989, fracassou – sendo esmagada em meio a um banho de sangue -, o movimento de
protesto social de todos aqueles que foram "esquecidos" pelo crescimento e dele
não puderam usufruir deverá tomar o seu lugar. Além disso – por que não? – uma
série de desastres naturais, revelando a incúria do poder, poderia coagular as
contradições do sistema e acelerar o advento da queda final.

Toda vez que uma crise desta natureza ocorre na China, estes
pressupostos passam a irrigar infalivelmente as análises. Vale acrescentar que
todos aqueles que prevêem esta queda final estão amparados em circunstâncias
atenuantes: os próprios dirigentes chineses vivem dominados por esta ansiedade
de perderem o "mandato do céu" e de serem varridos por uma revolta popular, da
mesma forma que os ciclos dinásticos que vêm imprimindo seu ritmo na história
chinesa há mais de dois mil anos. Contudo, há um aspecto que os anunciadores da
queda final não estão enxergando. Acontece que o reflexo de sobrevivência do
regime conduz este último a adquirir características inéditas na história dos PC
mundiais. Não é mais possível, atualmente, descrever a hierarquia dos dirigentes
chineses como sendo uma gerontocracia arcaica, obsoleta, doutrinária,
fossilizada em dogmas de uma outra era.

Enquanto ele continuou sendo um
partido único autoritário, esmagando sem piedade os seus opositores, o PCC foi
se transformando num aparelho de grande capacidade de reação, pronto para
promover ajustes internos, e até mesmo para a autocrítica, prospectando
incansavelmente, no exterior, modelos de eficiência, sem nenhum tabu. Foi esta
maleabilidade que lhe permitiu encaminhar a China sobre os trilhos do
liberalismo econômico, enriquecendo globalmente o país. E consolidando
paralelamente o seu embasamento político.

É possível – é necessário! –
denunciar as violações dos direitos humanos na China, e ao mesmo tempo
permanecer lúcido em relação a esta realidade da nova equação política chinesa:
o PCC foi capaz de restaurar a sua legitimidade aos olhos de uma parte da
população. Se ele não tivesse procedido desta forma, ele já teria desmoronado. A
sua espantosa longevidade, considerando-se o ciclo ideológico do século 20,
encontra apenas parcialmente a sua explicação na sua natureza repressiva. Ele a
deve também à sua capacidade de celebrar um novo "contrato social" com a
população. Este contrato se baseia em dois pilares principais.

Em primeiro lugar, a eficiência econômica, que conduziu o PCC a contar
com o respaldo das camadas sociais emergentes urbanas, conectadas com a
globalização. O regime nunca se cansou de vangloriar e agradar esses novos
grupos que, embora permaneçam proibidos de praticarem todo ativismo político,
vão se desenvolvendo e prosperando dentro de uma esfera privada cada vez mais
autônoma.

O "escândalo das escolas"
Quanto às camadas que
permaneceram menosprezadas ou que foram vítimas da reforma econômica,
constituídas por um pequeno povo brutalizado pela cupidez que predomina em
aparelhos locais tão tirânicos quanto corruptos, elas podem até mesmo se
revoltar, motivadas por uma causa pontual, mas seria apressado demais
atribuir-lhes intenções revolucionárias. O seu combate tem como alvo o poder
local, e não o poder central, cuja arbitragem tem sido solicitada de maneira
constante.

A relação não é binária, mas sim triangular, uma vez que o
regime de Pequim tornou-se exímio na arte de sancionar seus pequenos chefes de
modo a apaziguar as cóleras do povo. Ao que tudo indica, esta tendência poderá
ser verificada mais uma vez quando o "escândalo das escolas" do Sichuan, cuja
incapacidade de resistirem aos abalos do terremoto revela a gravidade da
corrupção local, deverá ganhar em intensidade no decorrer das próximas
semanas.

O segundo pilar deste novo "contrato social" que contribuiu para
firmar a autoridade do PCC é o patriotismo. Ou o nacionalismo, como preferirem.
Nos dias que se seguiram ao trauma de Tiananmen (1989), que havia cavado uma
fossa abissal separando o poder da sociedade, o partido reabilitou
deliberadamente as temáticas nacionais, exaltando a grandeza da China eterna, e
valendo-se ao mesmo tempo das obsessões decorrentes da paranóia do complô
ocidental. O cálculo consistiu em elaborar uma ideologia de substituição ao
marxismo periclitante e a estimular sentimentos capazes de se contraporem ao
"perigo" democrático. Não há como deixar de constatar que a operação foi
bem-sucedida, muito além de todas as esperanças. A população chinesa, e,
sobretudo, a sua elite econômica e intelectual, mostra-se reconhecida para com o
PCC, por este ter apadrinhado um expansão econômica que voltou a instalar a
China no mapa do mundo. Quando eles voltam a examinar, em retrospecto, uma
História recente que revelou ser das mais calamitosas, um grande número de
chineses não esconde o seu "orgulho" com o caminho que foi percorrido. O "amor
pela China", que a juventude chinesa, daqui para frente, passou a professar,
constitui um grito do coração que teria sido impensável durante os anos 1980,
quando os estudantes se mostravam antes aflitos diante do arcaísmo do seu país.

O PCC sai fortalecido por estes novos desdobramentos que dão forma à
nossa época. Enquanto a crise tibetana fez com que ele caísse do cavalo no
contexto diplomático internacional, ela exerceu um efeito contrário no cenário
interno: a opinião chinesa han, para a qual o fato de o teto do mundo pertencer
à China não pode ser objeto de discussão alguma, optou antes por se mobilizar no
sentido de prestigiar o poder central, mostrando-se solidária diante das
críticas do Ocidente. Após ter se mostrado agressivamente ufanista no caso do
Tibete, este mesmo "amor pela China" acaba de adquirir uma característica mais
pacífica e positiva nos dias que se seguiram ao terremoto no Sichuan, tomando a
forma de um excepcional movimento de solidariedade no âmbito da
população.

Chegou a hora da celebração da "China unida". É difícil
imaginar como tais desdobramentos poderiam fragilizar o PCC. Obviamente, o
desafio, para ele, será de se mostrar à altura deste novo civismo que deverá
tender a se mostrar mais e mais exigente. Contudo, o poder central está lidando
com forças sociais que de maneira alguma estariam dispostas a jogar fora o bebê
junto com a água do banho, ou seja, a se livrarem do PCC, correndo o risco de
rescindir o "contrato social" do qual ele é o portador. Ao menos por enquanto,
em todo caso.

Tradução: Jean-Yves de Neufville
Publicado originalmente pelo Le
Monde

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