Aldeia Nagô
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Arrastão eleitoral por Paulo Fábio

4 - 5 minutos de leituraModo Leitura

Sucessivos resultados de pesquisas de intenção de voto para
presidente sugerem que está em curso um arrastão eleitoral.


O projeto de
poder encarnado, no momento, pela candidata Dilma Rousseff ultrapassou a
barreira da lógica plebiscitária e alcança a da pura e simples
aclamação. Não estará delirando quem concluir que, a esta altura, diante
dos números antecipados, a eleição é um ritual aritmeticamente
supérfluo, embora conserve sua importância para legitimar a estratégia
aclamativa dos vencedores e para sinalizar que algo dissonante ainda se
ouve sob o domínio dessa acachapante harmonia.

Como reconhecer no País que vota hoje tão harmoniosamente aquele País
que ao superar a ditadura tornou-se palco de conflitos políticos e
sociais capazes de fazer de eleições momentos de real escolha política?
Uniformizaram-se os interesses e cessaram suas contradições?
Sintonizaram-se os valores, a ponto de o espaço da divergência ser agora
apenas um beco estreito onde moram elites saudosistas e bichos
resmungões? Esta é a aparência, mas olhando com calma veremos que os
interesses, valores e elites permanecem distintos e em vigor.

Apenas arquivaram, por ora, a política como meio de solução das
disputas que continuam a travar todo dia ao pé do trono, digo, da
cadeira presidencial. A eleição é só um intervalo do qual tratam de se
livrar com objetividade.

Exemplo cabal de recusa da política pela oposição é o fato de a
campanha do principal adversário da candidata da situação ter almejado,
de modo inverossímil, para não dizer patético, vendê-lo como homem que
também "veio de baixo". Serrada ao meio, a antes consistente identidade
política do candidato tucano tornou-se vulnerável.

E o espetáculo dos adesismos Brasil afora, Bahia incluída? Não se
ouvem, sem muita dificuldade, vozes oposicionistas que critiquem com
clareza aquilo que lhes incomoda.

Atacam a elite do PT, a imposição da sua candidata, mas o fiador de ambas segue intocável.

Em eleições estaduais, governadores petistas recebem críticas
provincianas à sua performance, mas não à sua política. Esta é blindada
ao dizer -se, também provincianamente, igual à de Lula. Há exceções, em
candidatos de pequenos partidos, mas não na oposição que se supunha
eleitoralmente competitiva. Vindas de fundamentalistas doutrinários, ou
de franco atiradores, críticas isoladas, mesmo quando sinceras, carecem,
não só de espaço, mas também de fundamento político prático e senso de
proporção. E o contraditório não chega, de fato, ao eleitor.

O comportamento dos que recebem as adesões não é menos corrosivo do
ambiente político. Se a oposição foge da política, o governismo a
deprecia. Ao se verem cercados de neo-aliados, governos e lideranças
petistas jamais se declaram fartos. Pelas regras do pragmatismo fast
food que adotaram, critérios e coerência são crimes de lesa-aliança.

Comtudo isso, não admira que o eleitorado tenda à unanimidade.
Pode-se achar que busco explicações complicadas para o fato simples,
irrefutável chamado vontade do povo.

Mas é dever dos que estudam o mundo da política levar ao público uma
visão diferente da que lhe é servida, em doses publicitárias, pelos que
estão, literalmente, com a mão na massa. Afinal, o eleitor não vota
conforme um desejo autárquico, soberano e, sim, conforme um cardápio que
elites e partidos lhe fornecem.

Para quem busca em argumentos políticos um critério para definir seu
voto, o momento é ingrato. E pode-se prever que será mais ainda quando
se fechar a cortina do espetáculo eleitoral. Será um período difícil,
com frustrações, incompreensões e riscos no caminho de quem valoriza a
alteridade democrática, a ética pública no trato de questões públicas e a
opinião como o motor mais potente da vida política. A opinião já é hoje
evento raro, vista em geral como incômoda e irrealista, nesta
democracia sem república, terreno onde opiniões majoritárias vestem o
manto imperial de verdades irrefutáveis. Não é à toa que em programas
eleitorais de rádio e TV números ocupam cada vez mais o espaço da
palavra.

Candidatos perderam o hábito do argumento. Presos a "fatos",
consumam-se como factoides e como tal são, de fato, consumidos (sem
aspas).

Artigo publicado no jornal A Tarde, 13/09/10, p.2

Paulo Fábio é cientista político e professor da UFBa.

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