Artesexo. Por Mercelo Veras
Uma das mais fantásticas exposições que já vi foi a exposição do Marquês de Sade no Grand Palais, em 2014. Devo dizer que visitei a exposição com minha filha, sem nenhuma preocupação com o fato de que a profusão de
pénis e vaginas, cenas eróticas a 2, a 3 ou a 20, fossem deturpar seu profundo sentimento ético, uma das qualidade que mais admiro nela. Da blasfêmia à pornografia o que está em jogo? Embora elementos da pornografia estejam presentes na cultura desde seus primórdios, é possível localizar no Renascimento as bases das questões que norteiam o estudo da pornografia atual. Sade teve bons precursores.
Para a maioria dos estudiosos da pornografia, esta é indissociável da tensão provocada entre o realismo do coito e a moral civilizada. Tomemos uma definição universitária clássica da pornografia: expressões escritas ou visuais que apresentam, sob a forma realista, o comportamento genital ou sexual com a intenção deliberada de violar tabus morais e sociais . Eis o problema para os psicanalistas. Como falar de realismo sexual se a relação sexual não existe?
Paula Findlem , historiadora de Stanford, afirma que a pornografia dentro do contexto ocidental tem suas bases no comércio surgido a partir das novas técnicas de impressão de histórias e desenhos obscenos. Com o renascimento, a escrita deixa de ser um privilégio dos ricos. Mais atrativo do que a Bíblia de Gutemberg, os contos e poesias obscenos passam a ser consumidos em escala cada vez maior pelas populações das novas cidades renascentistas. Dentre tantos textos, os Sonetos Luxuriosos de Pietro Aretino se destacam como os mais representativos de sua época. Aretino pode ser considerado o primeiro pornógrafo moderno. Contudo, se pornografia e comércio caminharam lado a lado – obviamente uma questão de oferta e procura – a internet com seu império das imagens, introduziu uma verdadeira revolução do conceito. Passamos da pornografia como tecnologia a serviço da fantasia para uma tecnologia do gozo masturbatório, sem outro.
Agora, um movimento conservador conseguiu impedir que uma exposição interessantíssima sobre o universo Queer (pude ver o catálogo) pudesse ser vista pelos que se interessam. Percebam que esses conservadores bloquearam meu acesso sem me consultar. Naturalmente, podemos por a culpa na empresa que sucumbiu às exigências desse grupo. Mas, hello?! Alguém realmente acha que a exposição foi proposta por essa empresa pela admiração ao Universo Queer?
Tenho uma teoria e, até agora, com quase quatro décadas de clínica, ainda não consegui remover. Para mim, a obstinação em bloquear meu acesso à essa exposição só pode ter sido o sucesso de pessoas com grandes – e graves – problemas sexuais. Meu conselho aos que tiveram tanta vontade de bloquear essa exposição é simples: muito cuidado, é possível que boa parte da libido que vocês reprimem em seus próprios filhos os transformem em pequenos monstros intolerantes. Até aí tudo bem. E quando eles perceberem que o Queer está do outro lado do espelho?
Marcelo Veras é Psicanalista