Salvador, 17 de May de 2024
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“A relação entre mídia e etnia é poder se enxergar através do vídeo" Por Lindiwe Aguiar
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Meio Ambiente & Sustentabilidade
Qua, 04 de Março de 2009 03:16
Entrevista com a cineasta e produtora Lindiwe Aguiar sobre o Projeto Etnomídia O Projeto Etnomídia é fruto de uma parceria firmada entre o Núcleo Omi-DùDú e a SEDES (Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza). Com o intuito de fomentar discussões  sobre as relações entre a produção midiática e o processo de afirmação da identidade racial, o Etnomídia integra o Projeto Didá Alamojú "Escola da Sabedoria". Em comemoração aos 20 anos de trabalho e ações da ONG, esse curso visa capacitar jovens afro descendentes, estudantes da Rede Pública de Salvador, com idade de 16 a 24 anos, em produção de vídeo e apoderamento tecnológico. Para isso, aos alunos serão oferecidos noções de Web Designer,  técnicas de filmagem, interpretação para vídeo com base na  linguagem teatral, além de debates e seminários.

A partir da premissa de "resgate e preservação da cultura afro-brasileira", este será constituído por aulas teóricas  e práticas, sendo que ao final do Projeto, os estudantes irão exibir vídeos experimentais, jornais on line, entre outros. Para ministrar essa oficina, o Núcleo Omi-DÙDú convidou a cineasta e produtora Lindiwe Aguiar. Mulher, negra, 29 anos, trabalha nessa área desde 1993 e dirige a Ogunjá Produções. "Não é um curso que pretende apenas discutir a mídia e, acima de tudo, fazer  a mídia. Esse é o principal ponto do curso. Uma técnica ligada ao auto-conhecimento", destaca. 


Por Jaqueline Barreto

Qual é a importância para a juventude negra de um projeto como o Etnomídia?

A importância é inverter o papel. Ao invés de você ligar  a televisão e não se vê, você  além de passar a se vê, vai também poder produzir, entrar nesse campo de produção. E assim, poder nos inserir nessa comunicação que até então, vem excluindo a população negra. E, quando inclui é sempre associado à marginalidade, aos estereótipos. Vamos dar o poder de produzir.

Primeiro entender como funciona uma produção de vídeo, passando pela produção de televisão, que também é importante. Criar um núcleo de mídia onde a gente possa ter materiais próprios, com temas próprios, produzir sobre a linguagem dos alunos. Produzir muitos documentários. E, a partir daí, proporcionar uma perspectiva a esses meninos que sempre foram associados à marginalidade. Dar a eles a oportunidade de ter uma profissão. Que até então, era muito relacionada a outro público. Promover uma nova perspectiva profissional.

Não só de inclusão social, mas, acima de tudo, de intervenção social. Além de incluir socialmente, ou seja, eu posso produzir isso que a TV faz e que eu achava que não era possível, eu agora posso fazer isso do meu jeito, passar minha mensagem. Se eles mostraram o candomblé como uma religião do diabo, como algo engraçado, de um homem com charuto, agora o  candomblé vai estar  de acordo com a  nossa realidade, com o que a gente acredita. Então, é muito mais do que inserir. É principalmente, mudar o fio condutor. Mudar a linha de trabalho. É permitir uma nova visão aos nossos temas, aos nossos questionamentos, a nossa cultura. Mas agora,  falando com aqueles que fazem parte disso. Fazendo uma relação, o Filme Cidade de Deus, por exemplo,  fala sobre uma comunidade negra, mas  foi um filme que foi feito por brancos. Um filme feito sobre pobres  e que foi  produzido por milionários. Então, a idéia é que essa comunidade produza os documentários sobre sua própria realidade, porque eles são as melhores pessoas para dizerem isso. 

Como se dá essa relação entre mídia e etnia?

A partir de algumas conquistas nós conseguimos mudar um pouco. Na mídia o negro é sempre associado a alguma coisa ruim. Como disse Edson Gomes "um papel pior  ou um papel menor". Essa relação entre mídia  e etnia  é poder se enxergar através do vídeo. O padrão branco europeu vai mudar e vai passar a ser um padrão  negro afro-brasileiro. A gente vai mudar a cara do vídeo. O repórter não vai ser branco, vai ser negro, o editor não vai ser branco, vai ser negro. Essa é a relação. É uma relação direta, não tem nenhum atravessador. Eles vão falar sobre eles mesmos. E isso, representa legitimidade. Só a gente tem legitimidade para falar de nossa cultura, de nossa arte. E o mais importante do que isso é que vamos produzir  um vídeo com qualidade técnica, um vídeo com o mesmo nível da televisão. Com  respaldo técnico  para  a gente colocar na mídia. Aos poucos,  quem sabe, a gente mostra o outro lado.

Não vai vir um americano para fazer um trabalho sobre o candomblé. São os meninos que conhecem o candomblé, que  estão inseridos nessa realidade. Com certeza, vai ser um olhar diferente. Pelos simples fato de ser feito por eles. Essa é a oportunidade. Acho que não existe nada mais legítimo do que a gente poder falar sobre a gente. Por melhor intenção que outros possam ter, o fato é que a realidade, a  consciência racial e as referências culturais, nós temos desde a infância. O que nós do Etnomídia pretendemos fazer não é só criar um vídeo com o nosso olhar. A conseqüência imediata vai ser se conhecer. Aqueles meninos, por exemplo,  sabem que a avó é do candomblé, mas nunca tiveram interesse em conhecer. Eles vão ter que puxar pela memória tudo àquilo que a mídia ajudou a gente a apagar. A gente vai ter que fazer um  resgate de memória utilizando o  vídeo como instrumento. 

O Etnomídia vai ajudar no processo de mudança de mentalidade?

Principalmente na busca da nossa mentalidade. Porque a mentalidade que esses jovens estão expostos é a eurocêntrica, com líderes que fazem parte de outro grupo social. Essa é a oportunidade de a gente se conhecer. Buscar nas origens, na nossa memória de infância, na nossa família. Minha mãe que ficava apenas assistindo às novelas, agora vai passar  a dar as referências. É Ela que vai ser a entrevistada. Não vai ser a pessoa branca, o historiador que fala dos negros. Vai ser minha mãe, minha avó. Elas sabem contar nossa História. Minha avó veio na condição desumana da escravidão. Só um negro pode falar da condição desumana da escravidão, um branco nunca colocaria da mesma forma. É sentir na pele, na consciência e transformar isso na linguagem de vídeo. 
 
Vai ser uma mídia alternativa a essa hegemônica, elitista?

Eu espero que ela não seja nem alternativa um dia. Espero que seja mídia também. Uma mídia que fale de todos os povos. Cada qual com sua legitimidade. Uma mídia que fale de todos os povos sem hierarquizar. Que seja feita com o nosso olhar, eles não fazem, com o olhar deles? Nós vamos  fazer com o nosso. Se é uma mídia alternativa hoje, a gente espera que não seja mais. Até porque tecnicamente vai ser igual.

É importante, inclusive, destacar que o nosso trabalho não vai ser panfletário. Nós não vamos fazer vídeos revoltosos. A gente vai fazer comédia, como eles fazem. Não é na comédia que eles riem da gente? Não é no drama que a empregada aparece? Vamos usar vários gêneros narrativos o drama, a o documentário, a animação, a web, ou seja, os vídeos não vão ser o simples ato de revoltar. A gente pode usar uma ficção de um menino  que vende picolé e fazer uma associação a partir daí.  Vamos  dar voz a quem não tem voz.  Se eles podem fazer um super-homem voar, a gente também vai poder. Fazer um menino negro voar, pois os aparelhos vão ser  os mesmos. 

Como ocorre a inserção dos negros nessa mídia hegemônica?

Não é que não existem negros na televisão. Mas os negros são assistentes de  câmera, os cabomem , eletricistas, gerador de caracteres, eles ficam no trabalho de base. O que aparece na frente é   o jornalista branco. Mas, se esse menino negro com  consciência, entrar lá ele vai fazer imagens diferentes. Ele vai ter um olhar que não o exclui  das imagens.  Ele não vai virar a câmera com determinadas imagens que, normalmente  alguns virariam por estarem contaminados. É uma visibilidade sim, mas uma visibilidade com consciência e técnica. Não é um curso que pretende apenas discutir a mídia e, acima de tudo, fazer  a mídia. Esse é o principal ponto do curso. Uma técnica ligada ao auto-conhecimento. 

A gente pode usar o aparato midiático para fazer um processo de resgate de memória?

Ao processo de resgate. A gente não pode obrigar esses meninos a terem consciência se eles não conhecem a História. Quando a gente começa a pesquisar, começa a descobrir as coisas. Um trabalho que eu fiz com alunos negros de uma determinada Instituição, era o primeiro trabalho da turma, a gente trabalhou com recortes de revista. E a música tema era " Mundo Negro" do Ilê Ayê. Eles encontraram  no decorrer da pesquisa, Carmen Costa e tinham que saber quem foi Carmen Costa. Tinham que saber que elas se pintavam de branca para cantar. E aí no meu do caminho, eles encontraram  Milton Santos e  tinham  que descobrir que era um geógrafo. E aí eles começam  a ver que tem negros em várias áreas fazendo os mais diversos  papéis.

Aquela  imagem, aquele espelho africano que nos é imposto de negro com fome, de negro  na guerra,  ela  se inverte. Eles passam a perceber  que  tem negro jornalista, tem negro cineasta, tem negro Presidente.  Começam a entender e a aceitar o papel da gente na sociedade. E até a perceber que aqueles papéis que foram delegados a gente são ficção. Isso não é realidade.  Isso é  resultado de um processo histórico. É inevitável que isso seja discutido e percebido por eles. Seria impossível se fazer um documentário sem procurar entender um pouco da História. Porque para se fazer um documentário a gente passa por etapas , no qual a pesquisa e o conhecimento são fundamentais. É um processo que eles não vão perceber nitidamente. Mas eu tenho certeza que no decorrer do processo, luzes irão se  acender e novas referências irão aparecer.

É importante a gente não  associar o negro ao carnaval, a baiana de acarajé, a mulher de biquíni. O negro que é Timbalada vai ter que dar lugar a outros negros que existem aqui na Bahia. Realmente, vem uma Salvador diferente por aí. Não vai ser essa Salvador turística, não vai ser a que está sendo vendida para eles,  a folclórica. Vai ser uma Salvador com outras vertentes, com outros olhares e  com outros caminhos. 

Vamos mostrar  o que eles não colocam porque não têm interesse. Não é  tão lucrativo como as imagens da Cidade turística, da Cidade do carnaval. Esse estereótipo do negro maravilhoso,  da mulata sensual, a gente vai ter que derrubar isso.  A gente sabe que o negro não é apenas isso. Vamos  ver se vai aparecer com essa Salvador que dizem que é. Será que quando a gente fizer um documentário no qual a gente fale dos trabalhadores a gente  vai dizer que eles são preguiçosos? Será que esses são os baianos preguiçosos que a mídia divulga? A Salvador que a gente vai mostrar  é a mesma que existe aqui. Porém, a que fica escondida, aqui não é dita. Salvador vai ser a mesma, o olhar e o  conteúdo é que vão ser outros. 

Como você avalia o mercado de trabalho nessa área aqui em Salvador?

Vídeo se você souber fazer, você trabalha. Claro que a gente sabe como  se processa o racismo nas Instituições. Ao dominar a tecnologia, ao dominar a mídia, abrem-se novos campos. E não é só o da TV ou da produtora. Mas também a do bairro, a  de fazer um casamento da rua ou fazer um documentário da escola. É um campo muito abrangente. Com a auto-estima resgatada, com a semente do empreendedorismo plantada, esses adolescentes podem trilhar seus caminhos usando o vídeo. Como eu trilhei. Uma mulher negra, há 15 anos fazendo vídeo. Imagine o que era uma mulher negra fazendo vídeo. As pessoas olhavam para mim e se assustavam.

Até hoje muitas pessoas ficam em dúvida em relação ao meu trabalho. Eu tenho certeza que aqueles que quiserem continuar atuando na área passando por todas as dificuldades, como em todas as profissões,  vão conseguir. A tecnologia hoje é poder. A partir do momento que eles dominarem a técnica, será muito difícil que eles não consigam se inserir nesse mercado de trabalho. Ao dar oportunidade, a gente vai inserir esses meninos no mercado de trabalho. E a oportunidade significa capacitação. Eles não vão entrar no mercado de trabalho por serem negros e sim, por serem bons profissionais. E o objetivo do Etnomídia  é formar bons profissionais.

Link: www.nucleoomiduudu.org.br

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