Ignorância basta. Por Suzana Herculano-Houzel |
Tecnologia & Inovação | |||
Ter, 07 de Junho de 2016 05:27 | |||
Meu colega Stuart Firestein, neurocientista da Universidade Columbia, em Nova York, escreveu um livrinho delicioso chamado "Ignorance", no qual argumenta que a ciência não é movida a conhecimento, e sim a ignorância. Concordo plenamente. Stuart nos lembra que o renascimento começou justamente quando o homem aceitou que os dogmas religiosos não explicavam tudo, reconheceu sua ignorância sobre como as coisas funcionavam - e resolveu investigar. É a investigação movida pelo reconhecimento da ignorância que leva ao descobrimento. Quando a investigação é feita de maneira sistemática, documentada, levantando e testando explicações alternativas até que reste apenas uma que resista ao escrutínio, os resultados são os fatos que constroem o conhecimento científico. O único pré-requisito para o descobrimento é a curiosidade que se segue às duas palavras mais importantes que um cientista pode dizer: "Não sei". Como é movida a ignorância, a ciência não tem como prever seus caminhos. É possível ter uma área de concentração, claro: estudar como o cérebro funciona ou deixa de funcionar, por exemplo. Mas as verdadeiras aplicações da ciência surgem quando fatos desencavados graças à ignorância de um cientista alimentam novas investigações que atendem à ignorância de outros. Há quem diga que a ciência básica é inútil, como parte do Congresso norte-americano que publica o infame "Wastebook" (o "livro do lixo"), um rol de despesas do governo que eles consideram "desperdício de impostos". O senador Jeff Flake, por exemplo, debochava da pesquisa de Sheila Patek, bióloga da Universidade Duke, sobre um tipo de crustáceo que rompe a casca rígida de moluscos com socos minúsculos. Até que Sheila foi convidada a apresentar seu trabalho no Congresso, e pôde conversar pessoalmente com o senador - que ficou fascinado. Com a bióloga, o senador descobriu como ciência e tecnologia andam de mãos dadas. Não teríamos radares se não fosse a pesquisa aparentemente inútil sobre como morcegos caçam no escuro. Não teríamos superadesivos se cientistas não tivessem passado anos observando lagartixas O senador, quem diria, agiu como um cientista: reconheceu sua ignorância sobre a pesquisa básica - e mudou de ideia Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo
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