Aldeia Nagô
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As ramificações paralelas e a crise de segurança no Rio, por Janio de Freitas

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O combate ao crime organizado no Rio de Janeiro dificilmente será vencido pelo poder público se apenas for reduzido a intervenção com uso do Exército comandando as polícias do Estado, isso porque o fenômeno da criminalidade é generalizado atingindo setores da sociedade aparentemente acima de qualquer suspeita. A avaliação do colunista da Folha de S.Paulo, Janio de Freitas.

Ao ponderar sobre a profundidade do problema, o articulista chama os assaltos que atingem diretamente as camadas populares, como roubos de celulares, relógios e bolsas, de “crimes de varejo”, lançando olhar para um movimento bem mais amplo da criminalidade como narcotráfico e roubos de cargas que, nos Estados de São Paulo e Rio, ultrapassam dez mil casos por ano.
Boa parte desses crimes estão interligados e, até mesmo, tornaram-se vitais para sustentar lojas do comércio regular incluindo venda de remédios verdadeiros e falsos e eletrônicos.
“O novo mundo da criminalidade está além da imaginação. Todo ele incluindo mortes, domínio de territórios e dominação de populações. Quando as organizações iniciais tiveram dinheiro para a compra de contrabando, a entrada fácil de armas de guerra, modernas, mudou o grau da ação delinquente”, prossegue Janio de Freitas.
Um ponto que marca a história do avanço do crime e seu domínio no ritmo de vida das cidades foram os ataques do PCC de 2006, em São Paulo, que obrigou o governo de Alckmin a fazer um acordo não oficial para conter o enfrentamento.
“Só acordo faria o PCC, com domínio da situação, adotar repentina parada da ação, e logo ver seus chefes, sendo já presidiários, poupados de qualquer represália governamental ou judicial”.
O jornalista aponta também o papel da crise, especialmente a falta de oportunidade de trabalho, como um componente a mais a engrossar os números da criminalidade, lançando mão de um trecho do artigo da economista Laura Carvalho, publicado também na Folha de S.Paulo, no dia 1º de Fevereiro:
“O número de desocupados cresceu de 6,7 milhões de pessoas entre o fim de 2014 e o fim de 2017 [ano integral de Michel Temer], o que representa um crescimento acumulado de 96,2%”, assim, completa Janio:
“Por certo não há uma só causa para a criminalidade, ou para seu aumento. Mas se pretende vencê-la quando não há sequer a compreensão dos fatores que produzem criminosos em massa”, perfazendo a crítica contra a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro e concluindo que o país está longe de desorganizar outro braço de crime no país: aquele que comemora “a queda da inflação e a alta da Bolsa, que são as metas estabelecidas para o seu país”

Leia o artigo na íntegra

A delinquência que faz o pânico e o clamor da população não é a mesma vista como “o problema da criminalidade” pelas áreas específicas dos governos, entre os militares e no alto Judiciário. Tantas vezes fatais, o assalto aos celulares, relógios, bolsas e joias; o ataque armado para tomar o carro ou a moto, os arrastões, os roubos a lojas e seus clientes, tudo em números alarmantes, criam o medo de sair à rua e a insegurança em casa.

Esses crimes de varejo, que não têm lugar nem hora para acometer, hoje são um sistema próprio. Como um costume, tamanha é sua difusão. Não se confundem com o narcotráfico das concepções oficiais

O novo mundo da criminalidade está além da imaginação. Todo ele incluindo mortes, domínio de territórios e dominação de populações. Quando as organizações iniciais tiveram dinheiro para a compra de contrabando, a entrada fácil de armas de guerra, modernas, mudou o grau da ação delinquente.

O sinal claro da mudança foi dado em São Paulo, com a capital lançada na instabilidade pânica pelo então desconhecido PCC. Sobre o episódio, o pré-candidato a presidente Ciro Gomes disse, no recente fórum da Folha, tudo indicar um “acordo [do PCC] com autoridades locais há mais de uma década”. Comentário que o governador Alckmin acusou de “descabido”.

Não foi, não. Só acordo faria o PCC, com domínio da situação, adotar repentina parada da ação, e logo ver seus chefes, sendo já presidiários, poupados de qualquer represália governamental ou judicial. Para as várias organizações hoje existentes, e não só para os precursores Comando Vermelho e PCC, desde então as penitenciárias são postos de comando. Facilitados por corrupção e por ameaça a guardas e suas famílias. Método que substituirá um carcereiro ameaçado, como quer a intervenção no Rio, por outro ameaçado.

Foram sobretudo as ramificações paralelas ao tráfico, porém, que elevaram tanto a insegurança da população nos últimos anos. A propósito, uma frase de artigo da economista Laura Carvalho (Folha, 1º.fev.):

“O número de desocupados cresceu de 6,7 milhões de pessoas entre o fim de 2014 e o fim de 2017 [ano integral de Michel Temer], o que representa um crescimento acumulado de 96,2%.”

Só acaso no agravamento simultâneo do desemprego e da criminalidade urbana? Por certo não há uma só causa para a criminalidade, ou para seu aumento. Mas se pretende vencê-la quando não há sequer a compreensão dos fatores que produzem criminosos em massa.

De um fator, no entanto, não se precisa duvidar: parte dos delinquentes tem na delinquência o único meio de se dar subsistência. Comprar comida, para essa coisa tão simples: comer. Esses, expulsos das favelas e das ruas, vão fazer o mesmo em outro lugar, pelo mesmo motivo. Podem também comemorar a queda da inflação e a alta da Bolsa, que são as metas estabelecidas para o seu país.

Janio de Freitas é Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, é um dos mais importantes jornalistas brasileiros. Analisa as questões políticas e econômicas

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