Aldeia Nagô
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Começou Mal… Conferência de abertura do ciclo “Fronteiras do Pensamento” Por Fernando Conceição

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura

Vendida, literalmente, como o grande passo rumo à
redenção baiana ao que há de mais importante no pensamento intelectual
contemporâneo, a série de conferências denominada "Fronteiras do Pensamento"
começou mal na noite de terça-feira, 18 de março, em Salvador.


Bernard-Henry Lévy (BHL), em duas horas de fala no
Teatro Castro Alves, pregou como um pastor em púlpito de igreja, embora ele seja
judeu. Ele queria convencer a platéia de que o iluminismo francês e a democracia
burguesa daí advinda são a pérola da coroa para se pensar o mundo, mesmo nos
dias de hoje.

Há uma piada em círculos intelectuais
estadunidenses segundo a qual o único intelectual francês que leva a sério um
intelectual francês é o próprio. Lévy, que se afirma francês embora tenha
nascido na Argélia – e é importantíssimo destacar isso -, aos 59 anos exprime
uma fé inabalável à importância da produção intelectual francesa nos destinos da
humanidade. O povo argelino, que teve de pegar em armas contra a França numa das
mais sangrentas páginas da história anti-colonial africana, que o diga. Em
nenhum instante BHL menciona tais fatos, como se nunca tivesse ouvido falar de
Frantz Fanon ou Albert Camus.

No evento no TCA patrocinado pelo grupo
petroquímico Braskem, BHL se propôs a falar sobre "o papel dos intelectuais" nos
dias correntes, a partir de sua visão de mundo. Esta é nada isenta e contém um
ranço de uma pretensa superioridade qualitativa. Parte do pressuposto de que a
França, ainda hoje, seria o celeiro das luzes – o que, na verdade, os fatos
históricos desmentem. Desde pelo menos os anos 1970 a França perdeu o bonde da
história, com o seu reacionarismo anti-americano e anti-inglês que a fez um dos
últimos países modernos a aderir, por exemplo, à Internet, somente o fazendo
depois de 2002 (sic!).

Para ele nenhum intelectual seria realmente sério
se em seu trabalho não considerar "4 eventos" que BHL considera fundantes.
Passou então a numerá-los, um a um, sem qualquer objetividade – como recomenda o
palavrório do intelectual francês. O maior desses eventos seria, coitados de
nós, o nazismo. Lévy quer nos asseverar que não seria possível pensar
intelectualmente sem entender o genocídio judeu como pilar central no
entendimento da humanidade ontem, hoje e sempre.

O segundo, aquilo que genericamente denominou
"Maio de 68". A partir das manifestações de rua de sua Paris, o filósofo francês
tentou nos ensinar que teria nascido "um anti-totalitarismo radical e de
esquerda" que influenciou o mundo moderno. A "revolução cambojana" – pasmem! –
foi enumerada por ele como o terceiro maior evento para se pensar
intelectualmente. Nessa fase de sua conferência, então, fez digressões
absolutamente absurdas sobre um suposto homem novo cambojano que, evidentemente
estudando Lacan e Freud em Paris, embebido pela "lingüística estrutural",
retorna ao miserável Camboja para empreender aquilo que BHL denominou "a
primeira revolução realmente séria não da Ásia, mas de toda a humanidade". É
mole, santa?!

Já no anti-clímax de sua pregação, o filósofo
disse acreditar que o quarto evento a ser considerado é a tendência
contemporânea, segundo ele, de se estabelecer na atualidade uma visão clínica
para os problemas sociais. Estaria então instalada a ditadura "da cura". Na qual
a política seria substituída por proposições medicinais ou
religiosas.

Ele, revelando uma tendência à quadratura,
ressaltou ainda mais "4 eventos menores" que influenciariam a atividade
intelectual – ao menos a dele: a guerra da Bósnia, as "guerras esquecidas" em
andamento na África ou na Ásia, o confronto com o que ele chamou de "mau Islã",
e a batalha em defesa da universalidade da democracia a partir dos seus
fundamentos eurocêntricos.

Tudo isso foi dito sem que o sujeito manifestasse
qualquer incerteza, qualquer dúvida, como se o trabalho intelectual se afirmasse
por dogmas. Os organizadores do ciclo de conferências, cujas edições anteriores
estiveram restritas a Porto Alegre (RS), estão diante de um problema – mesmo que
suspeitem do provincianismo baiano. Criaram uma expectativa sobre o evento que
uma análise mais acurada sobre o papel de cada um dos palestrantes vindos ou a
vir se incumbe de destruir. A lista inclui Wim Wenders, David Byrne, Christo e
Jeanne-Claude, Philip Glass, Charles Melman e Luc Ferry – todos lídimos
representantes da lógica de raciocínio do hemisfério norte.

Ah, sim, minto: incluíram também Ayaan Hirsi Ali,
da Somália. Ela tem cidadania holandesa, onde atua no parlamento, mas atualmente
está em asilo político numa universidade dos Estados Unidos, depois de ameaçada
por um fanático que assassinou em Amsterdã o cineasta Van Gogh, que baseou um
seu documentário nas história de Ali. Ela renega o islamismo – embora a base do
discurso que a transformou em vítima dos mulás contenha uma série de mentiras e
fantasias, como já revelado no início de 2007 pela revista "The
Economist".

Enfim, como já escreveu o poeta Geraldo Maia,
visões colonialistas, travestidas de uma retórica academicista, já não
convencerão os que pagam para ouvir idéias. Na estréia do "Fronteiras do
Pensamento", o público fartou-se apenas de jargões antigos sobre uma
questionável razão universal do mundo que adviria dos Champs-Élysées.

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