Aldeia Nagô
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Conversa com Antonio Candido. Por Dante Lucchesi

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Dante_Lucchesi

Não me lembro o ano, mas, eu ainda era um jovem professor da UFBA, em início de carreira. Após uma conferência do Florestan Fernandes, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, um dos colegas que estava na organização do evento me convidou para ir

almoçar com os convidados, com a missão de dar atenção ao Antonio Candido (que também participava do evento), já que a maioria das pessoas ali eram da área de História e Ciências Sociais e ficariam em torno do Florestan. Recebi “a missão” como um bilhete premiado.

 

De fato, no almoço todos cercaram o Florestan, e eu tive a oportunidade única de almoçar praticamente sozinho com o grande Antonio Candido. A conversa fluiu com naturalidade, enquanto ele, com inteligência, vivacidade e elegância, ele discorria por vários temas e relatava episódios de sua trajetória, não deixando, por exemplo, de comentar o descaminho daquele que fora um jovem e brilhante sociólogo. E ele ouvia também –  com sincero interesse, quando, estimulado com que ouvia, eu também falava, desperdiçando o tempo que poderia aproveitar melhor simplesmente ouvindo. Mas, uma boa conversa se faz a dois, e eu não podei deixar de fazer a minha parte, da melhor forma possível, para ser digno daquele encontro.

Posso dizer, com franqueza, que foi um dos momentos mais ricos da minha trajetória de vida. Mais do que sua inteligência e elegância, o que mais me impressionou foi sua humildade e generosidade, que ele exercia com tanta espontaneidade, que se percebia logo que, antes de serem deliberadas ou afetadas, eram da sua própria essência, por mais que nos surpreendessem, como veria a acontecer logo depois.

Na manhã seguinte, entrava no Instituto de Letras, onde Antonio Candido faria uma palestra, e o vi conversando com uma colega que me chamou, e, antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ela virou-se para ele e disse: “Professor Antonio Candido, este é o…”. Ao que ele interrompeu dizendo: “O Professor Lucchesi. Conheço demais!” Enquanto ela ficava sem entender bem o que estava acontecendo, eu me ria por dentro.

Nunca mais nos encontramos, e hoje acabo de receber a notícia de que a longa e muito rica trajetória de vida de Antonio Candido chegou ao fim. A tristeza com o fim é superada com a paz que a plenitude de sua existência enseja. E fico reconfortado com o nome que dei ao meu filho, uma cada vez mais justa homenagem a esses grandes Antonios, que espero guiem sua existência, como, além do Candido, o Gramsci e o Houaiss. Todos grandes intelectuais de esquerda.

Absolutamente admirável em Antonio Candido foi a sua coerência, mantendo-se sempre fiel aos ideais mais elevados do pensamento de esquerda e cultivando, em cada oportunidade, uma crítica elegante e perspicaz às mazelas, injustiças e deformações que o sistema capitalista não cessa de produzir. E essa postura ainda é mais digna, em tempos tão sombrios e adversos, de hegemonia da ideologia neoliberal, quando tantos se deixam levar por qualquer canto de sereia, como o fim da história, a superação de Marx e a economia de mercado como única opção para promover o progresso da humanidade.

Porém, do alto de sua estatura intelectual e humana, Antonio Candido continuará nos animando a pensar que um outro mundo é possível – um mundo fundado na justiça, na tolerância e na solidariedade; não este, forjado na mais selvagem competição individual.

P.S.: Receberei as críticas, tão em voga ultimamente, de que me aproveito da morte para fazer política, com a satisfação de quem tem a convicção de que o homenageado gostaria que assim o fosse.

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