Cultura no País como assunto de Estado é recente por Diego Damasceno
Somente a partir da gestão de Gilberto Gil o tema veio para o centro do
debate e a diversidade passou a ser prioridade.
No terreno
instável da política brasileira, o Ministério da Cultura demorou a se firmar.
Desde 1953, a pasta fazia parte do MEC, o Ministério da Educação e Cultura.
Cinco anos depois de sua criação sob o governo Sarney, tornou-se secretaria, em
1990, ato do governo Collor.
A vinculação direta à Presidência da
República não durou muito, porém: com o impeachment do presidente, a cultura
voltou a ter ministério próprio, e nos anos seguintes não mais foi ameaçada de
perder independência de Estado.
"É uma tradição Ocidental que a Cultura
estivesse sempre ligada à Educação", afirma Lia Calabre, coordenadora de
pesquisa em políticas culturais da Casa Rui Barbosa e autora de Políticas
culturais no Brasil: dos anos 1930 ao século XXI. "No Brasil, esse
fortalecimento da Cultura como campo da gestão pública vai amadurecendo ao longo
dos anos 1960 e 1970.
Por isso a criação de um ministério nos anos
1980".
Se ainda hoje setores interessados da sociedade são flagrados
pensando mais em verbas a receber do que cobrando diretrizes, o problema não é
novo.
"[O secretário de Cultura do governo Figueiredo] Aloísio Magalhães
temia por um ministério fraco. Naquele momento, fortalecia-se o Iphan, era o
auge da Funarte, havia um projeto de sistema de bibliotecas.
Mas ele
temia pela fragilidade da área, principalmente pela falta de recursos",
afirma.
"E foi exatamente o quadro que se se constituiu em 1985. O MinC
foi criado, mas sem estudo e preocupação com relação ao investimento na
área".
O fechamento da Embrafilme e de órgãos ligados ao ministério com
Collor parecem ter sido mais do que um presságio, uma maldição. Mesmo com verbas
disponíveis e intelectuais no poder, a Cultura como assunto de Estado só
apareceu na gestão do cantor Gilberto Gil.
"Ela veio para o centro do
debate", afirma Eduardo Saron, superintendente de atividades culturais do Itaú
Cultural. "Procurouse compreender o mundo da cultura não só no campo simbólico,
e isso, de saída, é o grande avanço", observa.
Saron não vê fundamento
nas acusações de dirigismo cultural, frequentemente encaminhadas ao ministério
por artistas e produtores culturais. "Houve um diálogo com os vários
Brasis".
Para Lia Calabre, permanece o desafio de tratar da representação
dessa diversidade nos meios de comunicação de massa.
"O grande desafio é
pensar projetos e politicas que façam com que essa diversidade flua por esses
meios. Dar efetividade a esta diversidade neste que é o grande canal de
circulação de conteúdo e de consumo".
Desafios O ano eleitoral em curso e
a possibilidade de mudança efetiva no comando do País jogam as atenções para o
futuro da Cultura. Tramita no Congresso uma proposta de emenda constitucional
que pretende elevar o orçamento da pasta para 2% do orçamento da União, 1,5% dos
Estados e 1% dos municípios.
Outro ponto a ser observado é a reforma da
Lei Rouanet, anunciada desde 2003 pelo ex-ministro Gilberto Gil e ainda não
concretizada.
Mudança na Lei Rouanet é um desafio para a
pasta:
Em dezembro de 2009, o Ministério da Cultura anunciou que a
proposta de reformulação da Lei Rouanet, missão assumida por Gilberto Gil ainda
em 2003, foi protocolada no Congresso.
Em janeiro deste ano, porém, o
jornal Folha de S. Paulo publicou matéria expondo uma contradição interna no
governo.
De um lado, o MinC afirmava que o projeto fora entregue,
protocolado e que deveria ser votado até fevereiro. De outro, a informação da
Casa Civil, de que o projeto ainda estava sob análise e que não havia data para
envio aos Congresso.
Ruídos na comunicação à parte, o conteúdo do
documento entregue pelo ministro Juca Ferreira ao presidente da Câmara, Michel
Temer, é conhecido.
A ideia por trás da Rouanet era criar uma cultura de
mecenato no País. Empresas e pessoas físicas investiriam em cultura o dinheiro
que seria pago ao Imposto de Renda. Os anos evidenciaram fissuras da
lei.
Empresas passaram a patrocinar projetos cujo retorno midiático era
dado como cetro.
Projetos de visibilidade incontestável, como
apresentações do Cirque de Soleil e de Maria Bethânia, se beneficiaram da lei.
Até Gil, ao sair do ministério, usou a lei para shows.
Como resultado,
apenas 20% dos projetos aprovados pelo Minc para captação conseguiam de fato
acontecer. Outra distorção foi a concentração: em 2009, 79% dos investimentos
ficaram na região Sudeste. O Nordeste teve 7%.
O novo texto pretende
acabar com a via-crucis da busca por patrocínio. O dinheiro sairá agora do Fundo
Nacional de Cultura, dividido em oito setores e que este ano terá R$ 800
mil.
Estão previstas novas faixas de patrocínio, de 40%, 60% e 80%.
Grandes empresas terão que investir no mínimo 20% com recursos
próprios.
O projeto cria também o Vale Cultura, benefício de R$ 50 para
trabalhadores para ser usado na aquisição e acesso a produtos culturais.