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Destruição do Estado nacional, fascismo e africanização-balcanização do Brasil, por Ceci Juruá

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Ceci_Jurua

O titulo deste artigo-resenha decorre de percepções  relativas às ideologias em curso no Brasil pós-Constituição de 1988 e ao desmonte final do Estado brasileiro que se processa hoje, em ambiente de perplexidade social.

Um desmonte que parece resultar de planejamento de médio prazo, quase perfeito.

Interpretando a crise atual,  expressivo número de cientistas sociais defende o ponto-de-vista que ela decorre da luta de classes com raízes em nossa própria História. Luta (e ódio) de ricos contra pobres, de brancos contra negros, de descendentes da Casa Grande (os senhores de escravos) contra a Senzala (locus de moradia dos escravos até 1888).

Parece fora de dúvida que esta análise é simplista e provinciana, tornada majoritária graças à forte campanha publicitária desenvolvida na mídia comercial. Ligar a luta de classes no Brasil às origens étnicas e sociais do povo e ao sistema escravista do qual decorreriam desigualdades de renda e de ascensão sócio-cultural, significa desconhecer origem e destino do excedente econômico aqui produzido durante séculos.  Nega-se, assim, um principal produto do colonialismo e do imperialismo sobre as nações periféricas. Trata-se de tese anti-histórica.

Além da pilhagem efetuada, a partir de 1990, sobre  ativos estatais e sobre bens  patrimoniais dos brasileiros,  já se vislumbram, hoje, tentativas de fragmentar o território nacional. Para 7 de outubro, por exemplo, está anunciada consulta pública sobre a aceitação de eventual referendo pró-independência dos três estados do sul do Brasil. Iniciativas como esta podem multiplicar-se e promover o desmembramento das regiões Norte e Nordeste do Brasil.  Balcanização?

Discordamos, com vigor, dessas teses e análises. Inaptas, incorretas, em desacordo com nossa História e com nossa formação social. Mas as razões para tal discórdia não farão parte deste texto, ficando para outra oportunidade.

Resumindo, diríamos que é impossível entender e explicar o Estado brasileiro a partir tão somente de nossa  formação social, presente ou pretérita. Como se o Estado e a nação brasileira pudessem ter construção e dinâmica próprias, desvinculadas das práticas de dominação dos países imperiais/imperialistas que aportaram por aqui na virada dos séculos XV-XVI na condição de conquistadores !

A obra de Badiou oferece instrumentos analíticos e material histórico para a construção de outra narrativa sobre o golpe de 2016 e sobre a crise atual do Estado brasileiro.

Das teses defendidas pelo eminente professor e filósofo, em Nosso Mal vem de longe, três merecem ênfase particular:

“Há novas práticas imperiais em curso. Elas consistem na destruição do Estado, em substituição aos clássicos golpes de Estado e corrupção.

A destruição dos Estados nacionais provoca efeitos perversos em matéria de desigualdades sócio-culturais e de renda, no bojo de um processo mundial que denominamos desenvolvimento desigual.

Graças a esta conjuntura construíram-se subjetividades reativas. Isto é:

…formas psíquicas, formas de convicção e de afeto, que eu considero induzidas ou produzidas pela estrutura do mundo contemporâneo.

Penso que há três categorias de subjetividade reativa:  a modalidade ocidental, a que exprime um desejo de Ocidente, e uma terceira categoria que pode ser denominada de niilismo. “

As convicções de Badiou foram construídas a partir da observação de eventos ocorridos em países africanos, como Mali, República Centroafricana e Líbia. E Iraque! Países que foram invadidos por norteamericanos,  por franceses, e  aliados, para fins de  destruição do Estado e criação de regiões anárquicas, observa Badiou.  Para ele, a Iugoslávia já havia sinalizado o que poderia ocorrer, pois a dezena de países que sucedeu ao  esquartejamento do Estado iugoslavo eram, na maior parte, locais  não-saudáveis e altamente corrompidos.

Igualmente singular na obra de Badiou é o conceito de subjetividades reativas e sua diversidade.  Na modalidade “ocidental” ele enquadra os 10% que tem 50% ou mais da riqueza do planeta, a oligarquia que assalta a tudo e a todos em busca do governo ou Poder Mundial.  Em seguida vem a “classe média”, principal suporte das oligarquias, uma categoria de pessoas abertas ao racismo, à xenofobria e ao desprezo por pobres e miseráveis.  Na Europa sobretudo, esta classe média teme perder seu lugar na sociedade, identificando-se com o ideal “civilizatório” do Ocidente.

Por fim os niilistas.  São aproximadamente dois bilhões de pessoas sem acesso a emprego/trabalho e sem acesso ao mercado.  A ralé mundial ! Sem valor algum perante o capital, cujo único objetivo é a maximização da mais-valia dos trabalhadores e sua transformação em poder de Estado. A ralé mundial é niilista, sabe que sua vida não tem valor na sociedade atual e cultiva desejo de revanche e de vingança. Com razão, dizem alguns.  No interior de cada um, o sujeito niilista pode até cultivar o desejo do Ocidente, um desejo destinado à frustração.

Importa, para Badiou, a consideração que os dois polos – a subjetividade dita ocidental e/ou desejo do Ocidente e os niilistas “formam um par que gravita, versão positiva e versão negativa, em torno da fascinação exercida pela dominação ocidental.” E é este quadro, este antagonismo dialético, que nos permite entender o fascismo, subjetividade reativa instalada no mercado mundial e por ele alimentada!

RJ, outubro de 2017.

Artigo publicado originalmente em

http://jornalggn.com.br/noticia/destruicao-do-estado-nacional-fascismo-e-africanizacao-balcanizacao-do-brasil-por-ceci-jurua

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