Dois caminhos, duas estratégias por José Dirceu
Estamos passando por mudanças profundas ou será que apenas
estamos vivendo uma conjuntura crítica, marcada pela alta dos preços dos
alimentos, matérias-primas e petróleo, inflação em curva ascendente pressionada
também pelo crescimento de nossa economia? É evidente que estamos vivendo e
presenciando grandes transformações no mundo, a começar pela redução relativa do
peso dos Estados Unidos e da Europa na economia mundial e pelo fantástico
crescimento da China e da Índia, fazendo com que, para além da hegemonia militar
e política, os Estados Unidos deixem de ser a locomotiva do crescimento
mundial.
Qual preço do
petróleo e o surgimento dos biocombustíveis, além da disparada dos preços dos
alimentos, também mudarão as economias. Não dá para projetar o futuro, dentro de
duas décadas, sem uma nova fonte de energia e um redesenho da produção de
alimentos no mundo, que terá também a difícil tarefa de deter o aquecimento
global. Aliás, seus efeitos já estão presentes nos problemas que se enfrenta
hoje, como a elevação dos preços dos alimentos, fruto da mudança no clima em
diferentes países que afetou muito as safras nos últimos dois anos. A recente
crise das hipotecas nos Estados Unidos e seus efeitos na Europa, que apenas
começaram, também farão o mundo repensar a regulação e o controle sobre os
capitais e o sistema bancário e financeiro mundial, como começa a
ocorrer.
As grandes nações, como o Brasil, estão crescendo,
apoiadas em políticas públicas e no Estado, e não só no mercado, como pregava o
receituário liberal, apesar da importância dos investimentos privados nos
programas de desenvolvimento. Nesse cenário, temos uma posição privilegiada. Um
país industrializado, com uma das mais modernas agriculturas do mundo, recursos
naturais abundantes. E que conta com um vigoroso mercado interno, empresas do
porte da Petrobras e da VALE, e um sistema de financiamento público bem
estruturado. Temos acima de tudo nosso povo: somos uma civilização nos Trópicos.
Assim, temos capacidade para crescer apoiados na poupança nacional e no mercado
interno, que ganhou força com a estabilidade econômica, o crescimento do emprego
e as políticas sociais de distribuição de renda. Nossa economia exportadora de
alimentos, matérias-primas e manufaturados vai aos poucos se transformando em
exportadora de capitais, serviços e tecnologia.
O papel e a liderança do Brasil já são reconhecidos no
mundo. Não podemos perder essa oportunidade histórica. Temos que fazer frente
aos nossos desafios, começando pela educação, onde o governo já vem
desenvolvendo um programa importante de qualificação e modernização, e pelo
desenvolvimento tecnológico. Temos que consolidar os investimentos na
infra-estrutura, cumprir o cronograma do PAC e garantir o financiamento ao
desenvolvimento industrial. Para crescer nas próximas décadas, acabar com a
miséria e ocupar seu lugar no mundo, o Brasil não pode ficar a mercê de
políticas fiscais e monetárias suicidas que só beneficiam o capital financeiro e
que nos levarão a uma crise nas contas externas, mais cedo ou mais tarde. Isso,
sem falar que significam um freio no crescimento econômico e na expansão do
emprego.
Temos que nos preparar para uma possível retração da
economia mundial e a possibilidade de uma deflação nos preços das commodities
que exportamos. E não podemos mais conviver com o real valorizado e os juros
altos internos, que nos colocam a mercê dos riscos de um déficit externo ou de
um ataque à nossa moeda.
São dois caminhos e duas estratégias. Uma para manter o
status quo, outra para romper com a hegemonia do capital financeiro, nascer o
país produtivo, consolidar uma aliança política entre as classes populares e as
classes médias produtivas para alavancar um projeto nacional de desenvolvimento,
com base nas riquezas do país e na herança bendita que recebemos do
desenvolvimentismo e do nacionalismo.
Não nos enganemos. Manter a atual política fiscal e
monetária é ir na contramão da história e trair os mais puros anseios de nosso
povo por um futuro melhor.