Extermínios no Brasil profundo precisam ganhar visibilidade e gerar reações. Por Nabil Bonduki
Na madrugada de 12 de março, dois dias antes de Marielle Franco ser alvejada, Paulo Sergio Nascimento, diretor da Cainquiama (Associação dos Caboclos, Indígenas e Quilombolas da Amazônia) levou quatro tiros quando se dirigia para o banheiro, na área externa de sua casa, em Barcarena (PA).
Nascimento era um dos mais atuantes líderes da denúncia que a comunidade vem fazendo contra os crimes ambientais promovidos pela mineradora norueguesa Hydro Alunorte. Em fevereiro de 2017, uma das bacias de rejeitos da empresa transbordou, afetando o meio ambiente, a saúde e as atividades econômicas das comunidades rurais de Barcarena.
Análises dos metais feitas pelo Instituto Evandro Chagas comprovaram a contaminação das águas de igarapés e rios junto a 24 comunidades rurais do município. Já foram encontrados três canais clandestinos que conduzem rejeitos aos cursos d’água.
A Cainquiama busca embargar as atividades não licenciadas da mineradora, movimento apoiado pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública do estado. Mas os defensores do meio ambiente de Barcarena sofrem ameaças desde 2014. Nascimento foi o segundo a ser executado em três meses. Em dezembro de 2017, foi a vez de Fernando Pereira.
“É como se nós fôssemos a caça e eles, os caçadores”, alerta Bosco Oliveira, diretor da Cainquiama que, assim como a sua presidente, Maria do Socorro, teve que deixar a comunidade após um ataque de policiais à sede da associação.
Em janeiro, a Promotoria do Pará, por meio do promotor Armando Brasil Teixeira, solicitou à Secretaria de Segurança “garantia de vida aos representantes da associação, considerando os fatos envolvendo suposta prática de crimes militares por policiais”. A solicitação foi rejeitada…
Pará, Rondônia e Maranhão concentram 90% dos assassinatos de ativistas de direitos humanos no Brasil, segundo o dossiê lançado em junho de 2017 pelo Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras dos Direitos Humanos.
Em 2016, foram registrados 66 assassinatos de ativistas; apenas no primeiro semestre de 2017, foram 42. Muitos outros podem, ainda, estar ocultos. Entre os executados estão prefeitos, vereadores, ativistas de grupos LGBT, líderes de assentamentos rurais, ambientalistas e missionários.
A comoção nacional e internacional que gerou a execução de Marielle, na vitrine do país, que é o Rio de Janeiro, é uma oportunidade para dar visibilidade ao genocídio que ocorre no Brasil profundo, sob o olhar cego das autoridades, da opinião pública e da Justiça.
A indignação que vem tomando as ruas pode dar lugar a um movimento contra esses esquadrões de extermínio que se espalham pelo país. Essa é a maior homenagem que podemos prestar a Marielle.
Artigo publicado originalmente na Folha de São Paulo.