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Fechem as bases militares dos EUA na Ásia. Por Jeffrey Sachs

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

Artigo publicado originalmente no Brasil 247 e no Other News

A melhor estratégia para as superpotências é ficar fora do território uma da outra.

O presidente Donald Trump está reclamando novamente em alto e bom som que as bases militares dos EUA na Ásia são muito caras para os Estados Unidos bancarem. Como parte da nova rodada de negociações tarifárias com Japão e Coreia do Sul, Trump está exigindo que esses países paguem pela presença das tropas estadunidenses. Eis aqui uma ideia muito melhor: fechar as bases e trazer os soldados de volta para casa.

Trump insinua que os EUA prestam um grande serviço ao Japão e à Coreia do Sul ao estacionar 50 mil soldados no Japão e quase 30 mil na Coreia. No entanto, esses países não precisam dos EUA para se defender. Eles são ricos e certamente podem garantir as suas próprias defesas. Muito mais importante: a diplomacia pode assegurar a paz no nordeste asiático de forma muito mais eficaz e muito menos dispendiosa do que com tropas estadunidenses.

Os EUA agem como se o Japão precisasse ser defendido da China. Vamos analisar. Nos últimos mil anos, período em que a China foi a potência dominante na região (exceto nos últimos 150 anos), quantas vezes a China tentou invadir o Japão? Se você respondeu “zero”, acertou. A China não tentou invadir o Japão em ocasião nenhuma.

Alguém poderia questionar: e as duas tentativas em 1274 e 1281, cerca de 750 anos atrás? É verdade que, quando os mongóis governaram temporariamente a China entre 1271 e 1368, eles enviaram duas frotas expedicionárias para invadir o Japão, e ambas foram derrotadas por uma combinação de tufões (conhecidos no folclore japonês como “ventos Kamikaze”) e pelas defesas costeiras japonesas.

O Japão, por outro lado, fez várias tentativas de atacar ou conquistar a China. Em 1592, o arrogante e imprevisível líder militar Toyotomi Hideyoshi lançou uma invasão da Coreia com o objetivo de dominar a China Ming. Ele não foi muito longe, morrendo em 1598 sem sequer ter subjugado a Coreia. Em 1894-95, o Japão invadiu e derrotou a China na Guerra Sino-Japonesa, anexando Taiwan como colônia. Em 1931, o Japão invadiu o nordeste da China (Manchúria) e criou o estado fantoche de Manchukuo. Em 1937, o Japão invadiu a China, iniciando a Segunda Guerra Mundial no Pacífico.

Ninguém acredita que o Japão vá invadir a China hoje, e não há qualquer razão ou precedente histórico para pensar que a China vá invadir o Japão. O Japão não precisa de bases militares dos EUA para se proteger da China.

O mesmo vale para a relação entre China e Coreia. Nos últimos mil anos, a China jamais invadiu a Coreia, exceto em uma ocasião: quando os EUA ameaçaram a China. A China entrou na guerra em 1950 ao lado da Coreia do Norte para combater as tropas estadunidenses que avançavam em direção à sua fronteira. Na época, o general Douglas MacArthur imprudentemente sugeriu atacar a China com bombas atômicas. MacArthur também propôs apoiar as forças nacionalistas chinesas, então baseadas em Taiwan, para invadir o continente. Felizmente, o presidente Harry Truman rejeitou essas ideias.

A Coreia do Sul precisa, sim, de dissuasão contra a Coreia do Norte, mas isso seria alcançado de forma muito mais eficaz e crível por meio de um sistema de segurança regional que incluísse China, Japão, Rússia e as duas Coreias, em vez da presença dos EUA — que, repetidamente, alimentou o arsenal nuclear e o fortalecimento militar da Coreia do Norte, em vez de contê-los.

Na verdade, as bases militares dos EUA no Leste Asiático existem para projeção de poder estadunidense, não para defender Japão ou Coreia. Isso é mais um motivo para serem removidas. Embora os EUA afirmem que as suas bases na região são defensivas, a China e a Coreia do Norte as veem — com razão — como uma ameaça direta, pois criam a possibilidade de um ataque fulminante e reduzem perigosamente o tempo de resposta a provocações ou mal-entendidos. A Rússia se opôs veementemente à expansão da Otan na Ucrânia pelos mesmos motivos justificáveis. A Otan frequentemente participou de operações de mudança de regime apoiadas pelos EUA e posicionou mísseis perigosamente perto da Rússia. Como temia Moscou, a aliança agora participa ativamente da guerra na Ucrânia, fornecendo armas, estratégia, inteligência e até programação de ataques a alvos no interior da Rússia.

Vale notar que Trump está obcecado com duas pequenas instalações portuárias no Panamá, de propriedade de uma empresa de Hong Kong, alegando que a China ameaça a segurança dos EUA (!), e quer que elas sejam vendidas a um comprador estadunidense. Enquanto isso, os EUA cercam a China não com dois portos insignificantes, mas com grandes bases militares no Japão, Coreia do Sul, Guam, Filipinas e no Oceano Índico, próximas às rotas marítimas chinesas.

A melhor estratégia para as superpotências é respeitar os territórios alheios. China e Rússia não deveriam abrir bases militares no Hemisfério Ocidental, para dizer o mínimo. A última vez que isso foi tentado — quando a União Soviética posicionou mísseis nucleares em Cuba em 1962 — o mundo quase acabou em uma catástrofe nuclear. (Veja o livro notável de Martin Sherwin, Gambling with Armageddon, para detalhes chocantes sobre como estivemos à beira do apocalipse). Nem a China nem a Rússia mostram a menor intenção de fazer isso hoje, apesar das provocações de ter bases estadunidenses em suas fronteiras.

Trump busca maneiras de economizar — uma excelente ideia, considerando que o orçamento federal dos EUA tem um déficit de US$ 2 trilhões por ano (mais de 6% do PIB). Fechar as bases militares no exterior seria um ótimo começo.

No início de seu segundo mandato, Trump até parecia inclinado a isso, mas os republicanos no Congresso pressionam por mais gastos militares. Com cerca de 750 bases americanas espalhadas por 80 países, já passou da hora de fechá-las, economizar e retomar a diplomacia. Fazer países anfitriões pagarem por algo que não os beneficia — nem aos EUA — é um desperdício de tempo, recursos e capital político para ambos os lados.

Os EUA deveriam fechar um acordo básico com China, Rússia e outras potências: “Mantenham as suas bases militares longe do nosso quintal, e faremos o mesmo.” A reciprocidade entre as grandes potências economizaria trilhões em gastos militares na próxima década e, mais importante, afastaria o Relógio do Juízo Final dos atuais 89 segundos para o apocalipse nuclear.

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor

Jeffrey Sachs

Professor da Columbia University (NYC) e Diretor do Centro para o Desenvolvimento Sustentável e Presidente da Rede de Soluções Sustentáveis da ONU. Ele tem sido um conselheiro de três Secretários-Gerais da ONU e atualmente serve como Defensor da iniciativa para Metas de Desenvolvimento Sustentável sob o Secretário-Geral da ONU, António Guterres.

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