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Fiat lux, iudex Fux, fiat lux, por Mauro Santayana

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Mauro-Santayana

Destinado a ocupar a Presidência do Tribunal Superior Eleitoral de fevereiro a agosto do ano que vem, o Ministro Luiz Fux, do STF, se indagou, a respeito da eventual candidatura de Lula, em recente entrevista à jornalista Monica Bergamo:

“Pode um candidato denunciado concorrer, ser eleito, à luz dos valores republicanos, do princípio da moralidade das eleições, previstos na Constituição? Eu não estou concluindo. Mas são perguntas que vão se colocar”…

A resposta seria sim, claro que pode, como já ocorreu com centenas de candidatos no passado.

Caso contrário, a justiça estaria admitindo que bastaria que uma mera denúncia – eventualmente anônima – de um desafeto, viesse a ser acatada,  para que se interrompesse, se inviabilizasse, em pleno pleito, ou antes dele, a carreira política de qualquer pessoa.

Mesmo se provocadas pela pergunta, as divagações do Ministro Fux parecem sinalizar que a Justiça brasileira, ou ao menos parte dela, está disposta a correr o risco de atravessar um perigoso, temerário, Rubicão, e interferir não apenas no processo político mas no próprio rumo da História, mesmo que venha, com isso, a entregar o país ao fascismo nas eleições de 2018.

Se condenar Lula em segunda instância, por um crime que não cometeu – e, no limite do entendimento surreal do Juiz Sérgio Moro e do Ministério Público da Operação Lava Jato, ao menos não chegou a concluir – seguindo o mesmo raciocínio frouxo e esdrúxulo – que será visto aos olhos do mundo como um golpe branco, tão injusto e absurdo como o que derrubou Dilma em 2016 – a Justiça teria de, no mínimo, investigar e eventualmente condenar e igualmente impedir a candidatura do pré-candidato que se encontra em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, por ter recebido e depois estornado às contas bancárias do partido, substituindo-o por recursos do fundo partidário, dinheiro da JBS.

Mas não parece ser esse o caminho que está disposta a percorrer, por estas plagas, a velha dama da espada e da balança.

Para não deixar dúvidas sobre que ovelha estava tosquiando, na mesma entrevista, depois de afirmar que o STF não deve fazer pesquisa de opinião pública para tomar suas decisões e que ele mesmo não pode julgar uma pessoa apenas ouvindo a sociedade, contraditoriamente o Ministro Luiz Fux fez questão de frisar – quem avisa amigo é – que o descrédito no Judiciário, derivado de uma eventual mudança de posição da Suprema Corte neste momento, a respeito da possibilidade de prisão a partir de condenação em segunda instância – tema também diretamente ligado ao futuro do próprio Lula – poderia levar o “povo” a “fazer justiça pelas próprias mãos”.

Pegando o fio da meada, ou melhor, da bola que o Ministro Fux inocentemente colocou em campo, como se não quisesse antecipar, embora já antecipando, o resultado da jogada, não seria o caso de se lembrar outras perguntas, começando pela mais óbvia, sobre o que ele tem a dizer sobre a diferença entre denunciados e condenados com trânsito em julgado?

Ou de perguntar a que “povo” Sua Excelência se referiu na entrevista?

Afinal, não se pode confundir os ataques obscenos de grupelhos inspirados por um senso aparentemente comum e distorcido, que nada tem a ver com o bom senso, com a opinião dominante em nosso país.

Até porque 70 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à internet, e a maioria dos cidadãos não dispõe de tempo para ficar destilando ódio na “rede”. Há quem precise levantar-se cedo e trabalhar para cuidar dos filhos e pagar tributos, sim, no mínimo os que estão embutidos na eletricidade, na água, no arroz, no feijão e na farinha do pão que ganha com o suor do rosto.

Como qualquer  energúmeno que se assume de  certa “classe média” conservadora, entreguista,  viralatista, gosta de propalar, em maiúsculas, nas seções de comentários da internet, afirmando que só eles pagam impostos e obedecem à legislação, se auto-intitulando, enquanto isso, ainda por cima, cinicamente, “homens de bem”.

Ou será que o Ministro Fux estaria se referindo ao “povo” – de seletiva indignação – que o ódio a determinado partido político levou às ruas, vestido de verde e amarelo, com patos de borracha e babás de uniforme,  para derrubar Dilma, e que, apesar da sucessão de escândalos que se seguiram, nunca mais voltou?

Por outro lado, também se poderia perguntar a Sua Excelência se ele já percebeu que, no Brasil, de juristas à população de baixa renda, passando por empresários, policiais, procuradores, nem todo mundo apóia ou professa o rasteiro punitivismo savanarolista lavajatiano e o denuncismo deletério e destrutivo que se impôs e transformou em regra no país, em detrimento do Estado de Direito, da engenharia, da economia, dos empregos, da estratégia de longo prazo e dos perenes interesses nacionais, ou ao menos um terço da população não estaria disposta, segundo a maioria das pesquisas de opinião, a  expressar o seu inconformismo com o que está ocorrendo votando em Lula, apesar do permanente e implacável  massacre movido contra o ex-presidente nos tribunais, na mídia e  nas redes sociais.

Não se trata, aqui, caro Ministro, de atacar ou defender o PT.

Mas de evitar, pelo bem desta maltratada República que aniversaria hoje, que a justiça, caso impeça a  candidatura Lula por um crime difuso, inconcluso, condicional e polêmico, venha a interferir no processo político e eleitoral brasileiro e a apunhalar a Democracia, mudando, na caneta,  o rumo da história, entregando o país ao fascismo no final do ano que vem.

Até porque caso desistir da compra de um apartamento fosse crime, devolver dinheiro de doação de campanha oriundo de empresa investigada pela justiça, como já dissemos, depois que ele já estava na conta, também o seria.

Afinal, o que cabe, o que vem ao caso, segundo a absurda e consagrada jurisprudência da República de Curitiba, não é a prova, o cometimento, o crime, mas a suposta – na mente de quem  acusa – intenção do investigado.

É claro que, rezam antigas máximas latinas, ne procedat iudex ex officio; nemo debet – mesmo que indiretamente – esse iudex in própria causa.

Tendo, segundo ele mesmo, praticamente implorado apoio ao ex-ministro José Dirceu, ao deputado petista Cândido Vacarezza, e até, por carta, ao Presidente do MST, João Pedro Stédile – entre outros luminares da legenda – para ser indicado para o cargo que ocupa, ninguém esperava que o Ministro Luiz Fux fosse pagar ao PT pelo favor recebido.

Mas que ao menos se declarasse impedido, moralmente e por uma questão de princípios, de julgar – e evitasse, por pudor, opinar, ainda mais antecipadamente, a respeito de – processos que envolvessem tal partido e seu principal líder.

Ao menos pela razão de que a necessidade de provar o tempo todo que não está beneficiando seus benfeitores – tendo quase sempre obrigatoriamente que puni-los – poderia eventualmente afetar-lhe a isenção ou embotar-lhe o julgamento.

A justiça brasileira, com o STF à frente, precisa afastar-se da ambigüidade, das meias verdades, das meias palavras e das pressões circunstanciais, apesar das chantagens, parar de decidir  “contra legem” e voltar a adotar a luz da Constituição e a percorrer os estreitos, e muitas vezes penosos, caminhos da Lei, usando-a como bússola e farol para guiá-la na noite tenebrosa de uma nação enlouquecida, nos últimos quatro anos, pela hipocrisia, a ignorância, o preconceito e s ira, sob pena de abrir para o país, Senhor Ministro,  os portais do caos, da violência, do obscurantismo, do autoritarismo.

Fiat Lux na justiça brasileira e que Deus ilumine também a mente e o espírito de Vossa Excelência e de seus pares, porque o país está mergulhado em trevas e anseia por  um mínimo de decência, de responsabilidade, de equilíbrio e de razão.

Fiat lux, Iudex Fux, Fiat lux.


Artigo publicado originalmente em http://www.maurosantayana.com/

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