Há 50 anos a direita tentar impor uma reforma política retrógrada. Por Haroldo Lima
O Relatório da Comissão Especial sobre Reforma Política da Câmara dos Deputados trouxe de volta ideias de décadas atrás, como a “cláusula de barreira”, a “proibição de coligações proporcionais” e o “voto distrital misto”.
Introduziu o casuísmo do “distritão”, para tentar salvar nas próximas eleições os parlamentares marcados pelo povo por suas posições atrasadas, golpistas e pelo envolvimento com a corrupção.
A “direita” age assim. Quando pode, apanha nos porões da história as bandeiras mais esfarrapadas e bolorentas, apresenta-as como coisas novas e amarra tudo num casuísmo desavergonhado.
Logo que terminou o regime militar, o povo começou a protestar contra a sobrevivência do “entulho autoritário” da ditadura. O Congresso, sensível na época a anseios democráticos, identificou esse “entulho”, no qual três pontos se destacavam: “a cláusula de barreira de 5%”, a “proibição de coligações proporcionais” e o “voto distrital misto”. Cada um tem sua história.
A “cláusula de barreira de 5%” é originária da legislação alemã. Ingressou na vida política brasileira como a “cláusula de barreira de 10%”, da Constituição de 1967, outorgada pela ditadura; evoluiu para a “cláusula de barreira de 5%”, da Constituição de 1969, da Junta Militar; e foi confirmada, anos depois, pelo Pacote de Abril de 1977, do general Geisel, o mesmo pacote que fechou o Congresso e criou os senadores biônicos. Portanto, neste ano de 2017, a cláusula de barreira completa 50 anos que foi introduzida no Brasil, em texto constitucional. A resistência democrática sempre impediu que ela fosse aplicada nos termos previstos.
A “proibição de coligações proporcionais” também vem da época da ditadura. Na Constituição imposta pelos militares em 1967, oito “princípios” regulamentavam o “Funcionamento dos Partidos”. A “proibição de coligações proporcionais” era o oitavo. Assim, a ditadura ajudou a criar, até com apoio de setores de “esquerda”, essa mentalidade tacanha de combate ao instituto da coligação, que não obriga nenhum partido a se coligar com ninguém e não proíbe nenhum partido de se coligar com outro se ambos estiverem de acordo. Portanto, a “proibição de coligações proporcionais” perambula nos textos legais retrógrados brasileiros há cinquenta anos.
O “voto distrital misto”, da mesma forma, foi introduzido no Brasil na época da ditadura, pelo general Figueiredo, que fez aprovar no Congresso a Emenda Constitucional número 22, de junho de 1982, estabelecendo que “os deputados federais e estaduais serão eleitos pelo sistema distrital misto, majoritário e proporcional”. Por causa de sua origem, esse sistema é chamado de distrital misto alemão e tenta-se emplaca-lo no Brasil, como “distrital misto”, há 35 anos.
Contudo, seu ancestral brasileiro é bem mais antigo, é o “distrital” puro, que vigorou desde o Império até o fim da República Velha, durante 77 anos, servindo com a maior eficiência às oligarquias do país. A Revolução de Trinta o extinguiu e trouxe para o sistema político brasileiro coisas novas e progressistas, como: a Justiça Eleitoral, o voto secreto, o voto feminino, sim, pois as mulheres não podiam votar, e o sistema proporcional de votos para as Casas Legislativas. Como vimos, a ditadura militar quis acabar com o voto proporcional, mas não conseguiu, e hoje ele é alvo preferido da “direita” mais retrógrada da Câmara dos Deputados.
Quando o Congresso Nacional identificou como “entulho autoritário” os três pontos acima referidos, junto com outros, tomou providências e lançou-os no porão da história, em maio de 1985. E é de lá que agora o Relatório da Comissão sobre Reforma Política da Câmara dos Deputados foi apanhá-los.
Por isso, é inteiramente correto dizer que o núcleo do Relatório da Comissão sobre Reforma Política em debate na Câmara agora, em 2017, é o mesmo núcleo do “entulho autoritário” revogado em 1985, há trinta e dois anos!
Mas, convenhamos, não é a primeira vez que a “direita” do Congresso tenta resgatar o “entulho autoritário” da ditadura. Uma Comissão Especial para a Reforma Política, criada no Senado em 1988, também foi remexer no “entulho” e de lá retirou esses mesmos três pontos aqui apontados e os condensou no Relatório Sérgio Machado, de 1988, sim, o Sérgio da “delação” recente.
A recorrente tentativa da “direita” nacional de salvar esses três pontos do “entulho” da ditadura e o empenho da “esquerda’ em sepultá-los mostra a disputa contínua na história do Brasil entre uma corrente autoritária, retrógrada, e outra, democrática, progressista. Disputa que ainda não está resolvida.
Além dos três pontos referidos, o referido Relatório sobre Reforma Política acrescenta um outro, o “distritão”, esse, ao que consta, da lavra do ex-deputado e atual presidiário Eduardo Cunha.
Esse “distritão” é um ardil pelo qual parlamentares, com grandes dificuldades para se reelegerem, pretendem reduzir drasticamente o número de concorrentes nas próximas eleições e, como já são deputados conhecidos do eleitorado, tem suas chances de reeleição artificialmente aumentadas.
É sabido que a atual composição do Congresso é das mais atrasadas e das mais envolvidas com a corrupção. Pela artimanha do “distritão”, facilita-se a continuidade desse contingente politicamente retrógrado, ao tempo em que se dificulta enormemente a renovação de mandatos.
A batalha está em curso, mas, derrotar o “distritão” no plenário da Câmara dos Deputados, talvez seja dos objetivos mais importantes que as forças democráticas teriam que cumprir.
*Haroldo Lima é membro da Comissão Política do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil e ex- deputado federal pelo PCdoB/BA.