Aldeia Nagô
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Histórias que nosso cinema não contava, por Diogo Berni

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura
Diogo_Berni
Histórias Que Nosso Cinema (Não) Contava, de Fernanda Pessoa, SP, 2017.
O filme tem o êxito em fazer um apanhado político-cultural do Brasil na época da ditadura militar.  No documentário da Fernanda, somos convidados a rever as pornochanchadas, obras populares devido a censura da ditadura no período militar.

O documentário é agradável porque a montagem foi muito bem feita.
O Luiz Cruz montou o filme por temas, e talvez por isso o filme torna-se tão atual. Sendo mais específico, os temas foram divididos por sub-temas, tais como: Tortura, patrulha, o uso do corpo feminino para chamar empresários gringos; e exatamente queria chegar neste ponto, onde se via malas de dinheiro para comprar os corpos sarados destas brasileiras esbeltas, e tal cena se aproxima, bastante até, das cenas dos coronéis nordestinos ou do Cunha recebendo propina na prisão, que vemos todos os dias nos telejornais.
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Vazante, de Daniela Thomas, SP, 2017. Estamos em 1821 num Brasil ainda colônia, mesmo que apenas por um ano, todavia cheira-se já um querer de independência, esta conquistada em 1822, e redirecionada ou patenteada ao sentimento de libertação dos negros escravos. Filmado em preto e branco a fotografia do longa, nas belas Minas Gerais, é assertiva na escolha de não filmar a cores.
Além disso temos um grau de pertencimento da obra quando assistimos em P&B, pois enxergamos mais ainda o século dezoito, nela. Entretanto o filme não é somente isso. Um fato curioso e enriquecedor da obra é esta não ter a necessidade de protagonista; temos um núcleo de escravos, outro de senhores “cavadores” de ouro e diamante, e por fim tínhamos o ciclo daqueles personagens que iam e voltavam no enredo, mais especificamente: um negro brasileiro, bem interpretado por Fabrízio Boliveira, o Jeremias, que tinha a função de vigiar, e também castigar negros oriundos da África.
É nítido que existiu um denso material de pesquisa daquele tempo do Ouro no Brasil, e na sua decaída, onde o filme mergulha-se. Temos uma historieta que conta a nossa miscigenação e o perigo dela, ainda hoje, por incrível que pareça. A atuação da atriz Luana Navas é fenomenal; guardem o nome dessa garota; o filme esteve em festivais como o de Berlim neste ano, mas não por isso devemos assisti-lo. Temos de conferir para saber um pouco mais de Brasil.
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Nada, de Gabriel Martins, MG, 2017.
Eis uma situação que a maioria, ou grande parte dos adolescentes, passam quando terminam o terceiro colegial, e têm que decidir-se qual curso fazer e consequentemente, e isso em tese, escolher o quer fazer profissionalmente pelo resto dos seus dias. Esse é o pano de fundo para a nova obra fílmica da renomada produtora mineira: Filmes de Plástico.
Mas vamos conhecer Bia: uma jovem negra que acaba de completar a maioridade e vê-se pressionada, tanto pelo colégio como pelos pais a escolher um curso “pra mó” de prestar no Enem. De cara já, nos primeiros minutos do filme, quando Bia é indagada por uma pseudo diretora moderna de sua escola particular, a que curso prestar, Bia responde de uma forma tão natural , que naquele instante temos certeza que ela dera a resposta certa aquela diretora rabugenta e cheio de egos: “ Não que fazer nada”. A diretora, bem interpretada já pela calejada atriz Karine Teles, replica: “ Como assim nada , Bia, você tá de brincadeira?”, “Tô não, quero fazer nada não, uai” responde monosílabicamente  Bia, interpretada pela atriz de primeira viagem, porém já com um talento visível: Clara Lima.
A protagonista curtia Rap e sua mãe encorajava a filha a prestar no Enem um curso de artes, mas Bia, relutante, continua a frisar seu desejo: não fazer nada. O significado de não fazer nada não necessariamente condiz com que a palavra remete, pois do nada, ou principalmente do nada é que não damos espaço a alienação, e esta de todas as partes sempre nos limitando a tudo, inclusive a pensar. Então quando a Bia diz que não quer fazer nada, na verdade ela quer fazer tudo, ou ao menos bem mais do que aqueles que vão prestar o Enem. Bia quer pensar por conta própria, e essa decisão somente os corajosos loucos têm aos dezoito anos de idade ou em qualquer idade. Um filme que tem uma pegada sociológica forte, e que peita de frente os valores que seguimos, assim como ovelhas ao pastor, ou seja, totalmente às cegas.
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Guarnieri, dirigido e corroteirizado por Francisco Guarnieri, SP, 2017. Teatro e cinema se misturam no documentário do neto do protagonista. Em síntese, tem-se uma análise antropofágica da carreira de um dos maiores, senão o maior, ator e dramaturgo que do Brasil. O enxuto documentário, com pouco mais de uma hora, foca na obra prima do Guarnieri: Eles Não Usam Black Tie; peça que depois foi adaptada à televisão e cinema, onde mostra o Brasil, em especial o ABC paulista, na luta contra a ditadura e por direitos básicos de trabalhadores metalúrgicos: uma obra-prima brasileira.
Em debate após a sessão o diretor , assim como inúmeros outros documentaristas, reclama o estado de abandono que está à cinemateca brasileira, e por isso tanto difícil foi achar documentos, fotos, vídeos e cartas, para a feitura do filme no seu processo de pesquisa, fase esta para qualquer documentário que se preze, a mais importante de todas, pois ali se faz o filme, e o que acontece após é a montagem do que fora conseguido achar, e por isso é o processo mais demorado de qualquer documentário, que se preze, mais uma vez. Ademais ao protagonista, o diretor, cuidadosamente e também, logicamente, tem um lado emocional envolvido na pesquisa da relação do Guarnieri avô com o seu pai e tio. Ótimo documento de um grande artista.

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Música Para Quando As Luzes Se Apagam, de Ismael Caneppele, com Júlia Lemmertz, RS, 2017. Nunca se teve tão em voga a temática dos gêneros no Brasil. Até a rede Globo apoiou a causa em sua revista eletrônica, aos domingos à noite. O longa gaúcho tem o mesmo tema central. Ou seja: um homem que nasce em um corpo feminino, mas poderia ser vice-versa. Todavia no filme, temos uma menina vendo que não aquilo que parecia ser em sua puberdade.
A mãe, em ótima atuação da global Júlia Lemmertz, vê a transformação da filha para filho; e para não ter nenhum contratempo, elas isolam-se numa ilha para que, essa transformação aconteça sem traumas de terceiros preconceituosos. A luz do filme é sensível, assim como o tema, e a menina, por sua vez, não apresenta nenhuma sensibilidade aflorada, pelo contrário, existem nela os hormônios masculinos e femininos digladiando-se em um jogo de bola e gandula.
E a bola, ou melhor, os hormônios masculinos detonam os femininos.  A mudança é vista pela mãe, que também é autora, e usa aquele momento para alguma inspiração, além de ajudar a filha. O que vemos é uma junção entre mãe e filha, sendo que as duas parecem serem um só corpo em determinada cena, onde as duas , nuas, caminham perante alguma resposta sobre o estranho inevitável: a transformação do “eu- feminino” ao “eu- masculino”. Não existe culpa, apenas indagações do que fariam a partir da transformação da puberdade da Emilyn: a filha. Um filme honesto, e de uma sensibilidade ímpar, em relação a temática dos gêneros , afinal no mundo de hoje, definitivamente, não existe mais espaço para o machismo: isso é coisa do século passado.
* O jornalista não pagou os ingressos dos filmes à convite da XIII edição do Panorama Internacional Coisa de Cinema, ocorrido entre 08 à 15 de novembro, em Salvador e Cachoeira.

Momentos da época da ditadura militar
Artigo publicado originalmente em http://bahiaja.com.br/cultura/noticia/2017/11/18/historias-que-nosso-cinema-nao-contava-por-diogo-berni,105514,0.html
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