Já nos faz bem se for apenas uma bela foto. Por Moisés Mendes
As esquerdas, tão destreinadas da ação política efetiva de juntar e agregar, podem se dedicar ao exercício da montagem de cenários, depois do encontro de Lula e Fernando Henrique Cardoso.
Temos mais do que uma foto ou uma miragem do encontro entre os dois, o que temos é a velha e boa política presencial.
Ambos estavam com máscara para a foto. É um recado interessante: nós dois temos mais receio do coronavírus do que dos contágios de outros bichos que nos cercam.
Lula e FH decidiram desafiar a bicharada ao centro, à direita e à esquerda. O primeiro cenário imaginável, o orientado pela boa política e mesmo pelo que nos resta de ilusões tão maltratadas, nos diz que pode estar aí a reconstrução da centro-esquerda brasileira.
Algo para muito além da urgência de acabar com Bolsonaro. Esse é o cenário exagerado, que fala alto, com cores fortes.
Já o cenário simplificador, dos depressivos e ressentidos, é o que remexe no histórico das condutas tucanas que levaram ao golpe contra Dilma e à prisão de Lula.
Essa paisagem da esquerda sempre outonal indica que novas e desprezíveis ações tucanas podem acontecer.
O certo é que há muito tempo militantes, políticos, cientistas e pensadores diversos, dedicados apenas à contemplação, lidam com a ideia de que Lula e Fernando Henrique poderiam um dia caminhar juntos na construção do que finalmente seria a social-democracia brasileira.
Renato Janine Ribeiro é um dos que mais insistem em sonhar esse sonho. Mas a política e seus grupos articulados e desarticulados em demandas quase sempre imediatas e urgentes, e não só as eleitorais, não lidam bem com grandes
sonhos que mexam em engrenagens.
Estamos agora, com a foto do encontro de FH e Lula, diante de um fato novo. Há um estranhamento natural. Com Bolsonaro como pesadelo que não acaba, esquecemos até que anunciaram por muito tempo que PT e PSDB seriam para sempre nossos democratas e republicanos.
Andaríamos sempre entre o centro e os lados bem próximos, um pouco à direita e um pouco à esquerda. De 2003 a 2016, andamos sempre perto da esquerda.
O golpe e Bolsonaro destruíram o equilíbrio ao centro e empurraram os brasileiros para experimentações de extrema direita. Temos um sujeito no poder comandando um genocídio.
E agora, o que acontecerá depois dessa foto que empurra Ciro Gomes ainda mais para a direita, passa uma rasteira em João Doria e potencializa as loucuras de Bolsonaro?
Onde esconder Aécio quando Dilma chegar? É inevitável pensar nos desdobramentos de uma aproximação real, com uma frente que vença a eleição e que, o que é mais complicado, seja capaz de compartilhar o poder com gente que será olhada sempre com desconfiança.
É bom começar a pensar em cenários ideais, que possam, entre outras coisas, reduzir o protagonismo das forças da direita prestativa que sustentaram (e depois traíram) Lula e Dilma e que sustentam (e também irão trair) Bolsonaro.
É possível, com a construção de uma nova estrutura de poder, a partir dos entendimentos entre PT e PSDB, eleger Lula e também um Congresso que tenha não só menos picaretas, mas menos delinquentes?
A foto de FH com a Lula nos conduz a muitas tentativas de futuro, a delírios e a algumas utopias e ilusões, porque também é assim que se sobrevive.
Mas talvez seja apenas uma foto, o que já nos faz bem, porque pode nos levar a outras belas fotos daqui a pouco. Mesmo com a falta de treino, sonhar ainda é preciso.
Artigo publicado em https://www.brasil247.com/blog/ja-nos-faz-bem-se-for-apenas-uma-bela-foto