Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

Lampião retornou esta semana à cidade de Queimadas!. Por Marconi De Souza Reis

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura
Marconi_de_Souza2

George Marconi, 23 anos, meu segundo filho, desembarcou terça-feira na capital paulista para expor sua primeira invenção num importante evento de engenharia mecânica. Dois dias depois, minha esposa e meu filho caçula Pedro Marconi foram curtir o Rio, e ainda não retornaram da cidade maravilhosa.

Nesse contexto, eu iria publicar hoje um texto sobre o trabalho e a diversão, o movimento e o repouso, a dinâmica e a estática, para tentar demonstrar que o planeta só se sustenta através da plena harmonia entre nós bichos, ventos, oceanos, mares, rios (os móveis) e as árvores e rochas (imóveis).

Acontece que nesta semana ocorreu algo muito grave em Queimadas – a cidade onde morei entre 1964 e 1979 –, o que me levou a abandonar o texto familiar/planetário, cheirando a jasmim, para elaborar essa prosa com morrinha de camucim. Não sei se fiz a melhor escolha, mas, enfim, siga-me nessas linhas sujas:

Lampião, acompanhado de diversos cangaceiros, entrou de supetão na cidade de Queimadas no dia 22 de dezembro de 1929, e matou sete soldados em plena luz do dia, além de saquear os moradores mais abastados do local. Esse fato está em diversos livros, inclusive na História da Bahia (ver também Wikipédia).

Oleone Coelho Fontes, grande historiador baiano, disse-me que o cangaceiro matava os soldados também porque eles fediam demais, versão esta que me foi confirmada por Nouza Moura, outro pesquisador do cangaço. E faz sentido essa versão sobre o “ódio olor” do cangaceiro.

Afinal, Lampião adorava saquear perfumes nos assaltos – ele e o bando viviam perfumados –, enquanto os soldados das volantes, sempre vestidos com aquelas fardas pesadas, suadas e, quiçá, imundas, deveriam exalar um mau cheiro insuportável, aumentando o ódio insano no imortal cangaceiro.

Nesse contexto, diz a lenda que lá em Queimadas, à noite, no bar do pai de Vadinho Santana, centro da cidade, Lampião protagonizou um baile, no qual obrigou as moças e rapazes a dançarem nus. E o que é pior: todos tinham que dançar com os respectivos dedos médios na boca e no cu. A cada trinta segundos, Lampião gritava:

– Troquem os dedos!

Então as moças e rapazes eram obrigados a botar o dedo imundo na boca e o outro limpo no cu, sucessivamente, a cada trinta segundos. A cena da troca de dedos se repetiu por um bom tempo e só parou quando Lampião começou a sentir o mau cheiro da sua brincadeira. Diz a lenda que, com o odor, ele bateu em retirada do baile.

Verdade ou não, quem nos contava isso com maestria nos anos 70 era Antonio Rosa, o maior violeiro e contador de causos da cidade. Ele teria sido, inclusive, o cantor naquele inesquecível baile protagonizado por Lampião. Um dos filhos de Antonio Rosa, conhecido como Pipio, é até hoje o melhor violonista de Queimadas.

Pois bem: passados quase 90 anos do fatídico dia, eis que nesta semana o cangaceiro retornou à cidade. Ou melhor, o prefeito local, acompanhado de seus secretários, assombraram os cidadãos de Queimadas – eles deceparam 12 árvores da praça mais antiga da cidade, em plena luz do dia (ver álbum de fotos abaixo).

Como era de se esperar, a repercussão foi enorme nas redes sociais, com grande reprovação, inclusive do professor Juliano Nascimento, um rapaz que escreve muito bem. As alegações das pessoas que defenderam as 12 mortes são as de que as árvores (algarobas) atraiam muitos pardais, pichilingas, além de serem “feias”.

Eu me manifestei com apenas dois parágrafos – nos textos de Juliano Nascimento e de Marcelo Ilustrator –, e que os reproduzo aqui:

• Qual foi o motivo para o corte? Suponho que a Secretaria do Meio Ambiente de Queimadas deva ter feito um estudo técnico/científico para adotar essa medida, afinal, o corte de árvores é autorizado, em regra, quando detectados problemas fitossanitários, interferência em edificações já existentes e perigo à população. Questões de ordem estética, por exemplo, não autorizam os cortes.

• Pelos posts que vi sobre o assunto, a infração que vislumbro já configurada é o fato de o prefeito agir sem informação prévia à população. Ao não informar o motivo do corte, causando perplexidade na população, o chefe do Executivo infringiu o princípio da publicidade, que é um dos cinco princípios basilares da Constituição Federal.

De fato, se o estudo científico apontou a necessidade da utilização da serra elétrica em 12 árvores da praça centenária – com laudo pericial nesse sentido –, era obrigação do prefeito dar-lhe publicidade no Diário Oficial e, logo em seguida, divulgar amplamente na imprensa local, para não estarrecer a população.

Eu não seria leviano em afirmar, a uma distância de 300 quilômetros daquela praça, que não houve um estudo científico sério para decretar a morte das 12 árvores. Se não há um parecer com respaldo científico, o prefeito responderá a uma ação popular na Justiça ou a um inquérito do Ministério Público. Simples assim…

Para Marcelo Ilustrator e amigos seus que se manifestaram na rede social, a proliferação dos pardais e, consequentemente, das pichilingas, pode ser facilmente controlada. Podar as 12 algarobas e, entre elas, plantar ipês, por exemplo, seria uma solução bacana. Agora, cortar as árvores sob a alegação de que são “feias” é nazismo.

Bem, eu não li nenhuma explicação oficial sobre a questão, mas anteontem recebi um “print” de uma moradora da cidade, com a explicação do prefeito André Luiz Andrade na rede social, num post de Neyde Lantyer. André alega a mesma questão sobre pardais e pichilingas, e diz que as árvores têm pouca firmeza no solo (ver a explicação no álbum de fotos abaixo).

Ocorre que o prefeito afirmou também, numa frase sem nexo, de que havia “quantidade enorme de fezes que provocava um mau cheiro terrível”. Caramba. Eu respirei fundo, até porque fiquei sem entender se as bostas eram provenientes dos passarinhos, das pichilingas ou de cidadãos mal-educados, afinal, árvores não cagam…

Bem, foi exatamente ao ler esse trecho da explicação do prefeito que eu decidi abandonar o meu texto familiar/planetário, cheirando a jasmim, para escrever essa prosa com morrinha de camucim…

A verdade é que, além de trágico, o caso é também cômico. Essa história já entrou para as lendas da cidade, trouxe-me o cangaço de volta, afinal, no próximo século os jovens queimadenses sentarão nos bancos da tal praça e, na maior gozação, vão realizar enquetes entre eles para escolher uma das alternativas abaixo:

O que fedia mais?

A – Os sete soldados abatidos por Lampião

B – As fezes das 12 árvores decepadas por André

C – Os dedos dos dançarinos naquele bendito baile.

Não sei qual alternativa os jovens do futuro vão escolher, mas aqui fica a lição de que todo político ao assumir um cargo torna-se empregado do povo, deve-lhe satisfação o tempo inteiro, até porque recebe salário e outras benesses dos cofres públicos. Se não age assim, acaba por fazer merda, cujo odor o próprio político herda.

A imagem pode conter: árvore, atividades ao ar livre e natureza

Marconi De Souza Reis, baiano é advogado e por muitos anos exerceu com brilhantismo o Jornalismo.

Compartilhar:

Mais lidas