Lançar Haddad foi um xeque dado pelo Grão-Mestre Lula. Por Luís Costa Pinto
Celebrar as vitórias dos aliados Arhur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (DEM-MG) na disputa pelas presidências da Câmara dos Deputados e Senado Federal, respectivamente, foi o derradeiro compromisso do qual Jair Bolsonaro pôde regozijar-se até o fim de seu período na Presidência da República.
Ainda não é certo se tal fim ocorrerá em 31 de dezembro de 2022 ou se será antecipado por um evento fortuito de alto impacto democrático: impeachment? Renúncia? Mas, em 1º de fevereiro, a rampa do Palácio do Planalto moveu-se em declive para ele.
Na terça-feira 9 de fevereiro a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal deve julgar válidas para fins de pedido de reparação e reforma de sentença as trocas de mensagens entre o ex-juiz Sérgio Moro e procuradores da extinta “força-tarefa” da Lava-jato em Curitiba. Aceitas as provas, abrem-se as portas e as janelas do STF para a decretação da suspeição de Moro em todos os julgamentos nos quais pronunciou seu juízo sempre contrário ao ex-presidente Lula – e também naqueles em que foi protagonista mesmo sem ter emitido o veredito final, como é o caso das colaborações mantidas com a juíza Gabriela Hardt.
No dia 5 de fevereiro Luiz Inácio Lula da Silva, enxadrista ad hoc do tabuleiro político, deu publicidade à recomendação feita ao ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad: mandou que ele se preparasse para cruzar o País como pré-candidato do PT a presidente. Não foi um lance do campo da política. A jogada tem de ser compreendida como um aceno aos juízes que julgarão Sérgio Moro. Num recado eloquente às onze togas do Supremo, o ex-presidente avisou que a reparação de sua honra, a aniquilação moral do ex-juiz e a revisão de sentenças prolatadas no ambiente de justiçamento figadal do lava-jatismo situam-se num patamar superior ao da disputa por um terceiro mandato presidencial.
Se a História reservou capítulos alentados e auspiciosos para a biografia de Lula, a desmoralização de Moro e dos vergonhosos procuradores de Curitiba é apenas o epílogo dessa temporada no seriado dramático de sua vida. Por que Lula desceria ao patamar de Bolsonaro numa disputa entre Leão e o rato na savana brasiliense?
Ao indicar Haddad como o nome do PT, Luiz Inácio avisou que cada batalha deve ser disputada a seu tempo e à sua hora na guerra pela restauração do Estado brasileiro. Com o patrimônio dos 47 milhões de votos obtidos no 2º Turno de 2018 e inegável conhecimento dos problemas nacionais, o advogado, economista e filósofo Fernando Haddad está chancelado como voz petista na costura de uma ampla aliança contra Bolsonaro e o bolsonarismo em 2022. O limite dessa aliança poderá ser, até, a entrega da cabeça de chapa para um nome egresso de outra legenda. Flávio Dino? Por que não? Ciro Gomes? Dificilmente, mas aceitemos colocá-lo como figurante nesta lista. Surgirão alternativas. Guilherme Boulos, do PSol, certamente é uma delas.
Com Moro mergulhado na lama fabricada pelos rejeitos produzidos pelo lava-jatismo curitibano, Lula estará à vontade para encarnar O Pacificador e ressurgir no xadrez político como um Grão-Mestre que, num momento de humildade, saiu jogando com as pedras brancas e ainda assim surpreendeu o adversário.
Triturar Bolsonaro e criminalizar o bolsonarismo, porém, é missão coletiva para todos os democratas e não apenas o PT está em movimento. O presidente tenta reaver o controle da legenda pela qual se elegeu, o PSL. Esse é seu “plano A” no processo de refiliação a uma sigla. Os estrategistas palacianos – todos com um pé ou as quatro patas na caserna – convenceram-no a lutar pelo patrimônio que o número 17 agrega para ele. Evitar o reencontro do demônio com a antiga casa é urgente. Vem daí a importância crucial para outro movimento que o ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, tenta liderar: fundir as siglas Cidadania, Rede e PSL, e até possivelmente o Solidariedade, numa Federação Partidária, ou mesmo em nova legenda do espectro político. Maia que fabricar uma âncora com verniz liberal-democrático. A empreitada é central nos tabuleiros que visam a 2022. A partir dela, o apresentador e empresário Luciano Huck ganharia estrutura para a disputa. Bolsonaro, por sua vez, passaria a ter novo adversário em cena.
Enxadristas só se enfrentam em duplas. Logo, o presidente que está a ser mastigado pelo Centrão de Arthur Lira e sua horda de usufrutuários das benesses do Poder e das burras públicas terá de brigar de peito aberto para expelir alguém dessa trinca. Em paralelo, vigiar a retaguarda para não ser ele mesmo expelido. Uma federação partidária que contenha Huck como projeto e Maia na proa pode se aliar, por exemplo, a um pedaço egresso da esquerda – uma chapa Huck-Dino; ou Ciro-Maia. Por que não?
O pano de fundo de todas essas articulações já postas é a tragédia humanitária que aflige o Norte do Brasil, a devastação sanitária decorrente da incúria administrativa do Governo Federal e o desmonte da rede de proteção social em razão da crise de governança de um governo inepto, inculto e dirigido por uma criatura ignorante como Jair Bolsonaro. Discutir 2022 agora não é debater o sexo dos anjos ou antecipar uma guerra estéril pelo poder – é, sim, estratégia de sobrevivência de toda uma Nação. Com Haddad em cena e solto para construir alianças, Lula deu um xeque no adversário comum dele, da esquerda, do centro liberal-democrático e do Poder Judiciário.