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Haddad: autocrítica partidária, imagem e futuro político. Por Paula Miraglia e Marina Menezes

20 - 28 minutos de leituraModo Leitura
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De saída do comando de São Paulo, prefeito aponta erros de seu partido, tenta reforçar uma imagem que contrasta com a de Dilma Rousseff e afirma que sucessor tucano não tem planos estruturais para a cidade

O petista Fernando Haddad deixa o comando da Prefeitura de São Paulo no dia 31 de dezembro de 2016, após ser derrotado dois meses antes, ainda no primeiro turno, pelo tucano João Doria Jr. Apesar do insucesso na sua tentativa de ficar mais quatro anos no cargo, é pouco provável, porém, que essa seja sua última disputa eleitoral.

 

O professor universitário de 53 anos repete constantemente que não “vive da política”, diz que não faz planos para se candidatar de novo, mas deixa sempre uma porta aberta. “A história vai dizer”, afirma. “Vou ver o que vai acontecer com o Brasil, com a esquerda, a centro-esquerda, depende…”

Quando o petista fala de suas realizações no comando da maior cidade do país, deixa claro como quer ser visto: como alguém que reestruturou as finanças municipais, combateu o desvio de dinheiro público e instituiu um modelo moderno de urbanismo, que dialoga com os valores de novas gerações.

São três características que contrastam com a imagem construída pela ex-presidente Dilma Rousseff, do mesmo partido de Haddad. Ela sofreu um impeachment acusada de maquiar as contas públicas, em meio a uma grave crise de corrupção e criticada por defender um modelo de desenvolvimento pouco sustentável.

Haddad, inclusive, elenca  suas críticas aos governos Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010) e Dilma (2011-2016). “Não basta distribuir renda e melhorar as oportunidades econômicas. Você tem que ter um compromisso com a República. E a republicanização do Estado era uma tarefa à qual nós demos não nenhuma, mas pouca atenção.”

Nesta entrevista ao Nexo, o petista comenta ainda as chances de Lula voltar à Presidência – “se deixarem, não só vai ser candidato como vai ganhar” – e faz projeções sobre a gestão de seu sucessor. Para Haddad, Doria não tem “propostas estruturais para a cidade”. Leia abaixo a íntegra da conversa realizada no gabinete da prefeitura, em sua penúltima semana à frente de São Paulo.

Qual o legado que o sr. deixa para São Paulo?

Fernando Haddad No momento que o Brasil está vivendo não há como deixar de salientar alguns aspectos importantes. O primeiro é a reestruturação das finanças da cidade. Quando eu assumi, a cidade estava muito mal do ponto de vista financeiro, quase em uma condição de insolvência, uma dívida monumental, dificuldade em pagar precatórios, uma série de problemas estruturais.

‘Hoje São Paulo está em seu melhor momento, pelo menos desde o Plano Real’

Não eram nem conjunturais – os pagamentos estavam sendo feitos – mas estruturais. E nós conseguimos aprovar duas propostas no Congresso Nacional. Uma Lei Complementar que permitiu a reestruturação da dívida da cidade, que caiu 65% depois da aprovação da lei. A nossa dívida terminaria o ano de 2016 em R$ 81 bilhões e ela não vai chegar a R$ 30 [bilhões]. E a segunda, a regularidade do pagamento dos precatórios, também era uma coisa que estava completamente desorganizada.

Hoje São Paulo está em seu melhor momento, pelo menos desde o Plano Real. Em mais de 20 anos nós não tínhamos uma condição financeira como a que temos. E isso dialoga com o cenário nacional porque Estados e municípios e a própria União estão em uma situação de penúria financeira. E São Paulo se destaca nesse particular.

A outra questão é o combate à corrupção, a gente tá vendo aí todos os escândalos, operações e contratos sendo questionados e São Paulo, pela criação da sua Controladoria Geral – com altíssimo grau de autonomia e profissionalização dos agentes envolvidos no combate à corrupção – não só conseguiu inibir a prática, como recuperou mais de R$ 300 milhões em dinheiro e bloqueou mais de R$ 300 milhões em bens de servidores corruptos e já demitidos, a bem do serviço público. Então isso é um segundo elemento importante.

O terceiro é a mudança de paradigma na construção da cidade. Tanto do ponto de vista dos investimentos privados, agora regidos pelo Plano Diretor, Lei de Zoneamento, Legislação Urbanística Complementar, quanto pelos investimentos públicos, os entregues e os que estão em processo.

Então você tem um conjunto de obras de drenagem, mobilidade, saúde, educação, habitação na esfera pública, já organizados até 2030. E os investimentos privados com novo marco regulatório, que vai permitir um equilíbrio maior no funcionamento da cidade. Eu diria que esses três pontos resumem aquilo pelo que eu espero ser lembrado no futuro.

Diante de tudo isso, por que o sr. acha que não se reelegeu?

Fernando Haddad Olha, um contexto político muito difícil. Sobretudo para o PT. Não posso deixar de sublinhar que houve, da parte dos meios de comunicação, sobretudo de alguns veículos de radiodifusão, desde o meu primeiro dia, uma oposição sistemática e desconstrutiva de tudo que era feito.

‘Da nossa parte deve ter havido falha de comunicação, falha de organização’

Então não se podia mexer em nada. A faixa de ônibus era criticada, ciclovia era criticada, redução de velocidade era criticada, enfim. Vivemos aqui um momento de muita dificuldade de comunicação porque havia por parte dos meios de comunicação uma espécie de ordem unida contra qualquer iniciativa modernizadora. Sobretudo pelos programas populares. Record, Bandeirantes, Jovem Pan, uma ação sistemática. A crise do PT, também uma dificuldade muito grande.

E eu acho também que da nossa parte deve ter havido falha de comunicação, falha de organização. Quer dizer, também devemos ter a nossa cota de responsabilidade.

O sr. não recebeu uma votação expressiva nas periferias da cidade, onde o PT é tradicionalmente bem votado. Há uma mudança no perfil e nos anseios dos eleitores?

Fernando Haddad Olha, se bateu muito na tecla de que não se investia na periferia. E é muito difícil você lutar contra um mantra que se estabeleceu e que efetivamente chegou até a periferia dessa maneira. Mas eu me pergunto: onde estão sendo construídos os hospitais? Os CEUs? Onde foram entregues as creches? A quem as faixas de ônibus beneficiou? A quem o passe livre de estudante beneficiou? A quem o bilhete único mensal beneficiou?

‘Nós estávamos em quatro disputando o voto da periferia. Marta, Erundina, eu e o Russomano’

Eu não consigo compreender a crítica, mas se você perguntar em Parelheiros, onde está sendo feito o maior investimento na área da saúde, que é um hospital de R$ 200 milhões, o morador de Parelheiros vai te dizer que a gestão Haddad não fez nada por ele. Então tem um problema aí de encaixe mesmo, de discurso. E isso vale para outros bairros da cidade, a Brasilândia tá inteira iluminada em LED. Foi feito um dos principais corredores de ônibus, que é o corredor Inajar, que traz o morador da Brasilândia em questão de minutos para o centro de São Paulo. E, não obstante isso, não é reconhecido. É de se estudar o caso. Por que que houve esse bloqueio?

Agora tem um elemento que também precisa ser considerado. Nós estávamos em quatro disputando o voto da periferia. Marta, Erundina, eu e o Russomano. Tentando definir quem iria com o Doria para o segundo turno. E acabou não tendo segundo turno. Então isso acabou prejudicando muito o debate na cidade. Acho que a falta de segundo turno prejudicou demais o que poderia vir a ser uma apropriação maior por parte da periferia do que efetivamente ela conquistou.

O tema dos interesses públicos versus interesses privados se manifesta com frequência no debate sobre a cidade: isso aconteceu, por exemplo, em relação às ciclovias, em relação à lei de zoneamento, em relação ao uso dos espaços públicos, ou às marginais.  São Paulo é uma cidade acostumada com o privilégio?

Fernando Haddad Olha, São Paulo é uma cidade onde atuam forças muito conservadoras. Ela própria não é conservadora, nenhuma cidade é em si conservadora. Sobretudo uma metrópole. Ela, por definição, tá imersa na pluralidade e diversidade de opiniões, mas atuam aqui forças muito conservadoras. E aquilo que seria aceito naturalmente por uma questão de bom senso, sofre resistência em função da atuação dessas forças que defendem aquilo que parecem privilégios, mas na verdade são irracionalidades.

‘O que existe é a compreensão do cidadão de Paris, Nova York, Chicago, de que é preciso fortalecer aquilo que é comum, aquilo que é de uso comum’

Quando você não defende o “commons”, o público, você tá conduzindo a cidade para uma má organização. Não é verdade que a cidade é melhor quando você defende o que você chamou de privilégios. Quando você defende o transporte público você melhora pra todo mundo. Não melhora só pra quem usa o transporte público.

Então é uma falsa questão que vai ser resolvida no curso dos acontecimentos. Senão, nós teríamos que supor que cidades do núcleo duro do capitalismo são socialistas e na verdade não é isso que acontece. O que existe é a compreensão do cidadão de Paris, Nova York, Chicago, de que é preciso fortalecer aquilo que é comum, aquilo que é de uso comum. Porque assim a cidade tem uma funcionalidade muito maior.

As manifestações populares gradualmente ganharam força e acabaram se convertendo num catalisador de transformações políticas relevantes. Na sua avaliação, o PT – seja na sua gestão, seja no nível federal – soube escutar e dialogar com as ruas?

Fernando Haddad Olha, existe um romantismo em relação às ruas, como se as ruas… “As ruas” é um espaço de disputa. Não é um ser que tem pensamento próprio. Depende de quem tá na rua. A juventude “hitlerista” foi pra rua. Então a gente tem que pesar isso um pouco pra entender os fenômenos.

‘A esquerda se habituou a pensar a rua como se fosse um colega de trabalho’

O que aconteceu no Brasil, que era muito comum na América Latina e no Brasil, até pela liderança do Lula e pelo sucesso dele, acabou sendo adiado… É que a direita também foi pra rua. E isso aconteceu na Argentina, na Venezuela, no Chile e não aconteceu no Brasil até 2013. Chegou um momento que a direita foi pra rua, e aí virou um campo de disputa, como é em qualquer lugar do mundo. E nós estávamos habituados a pensar a rua de maneira romantizada.

A rua é um espaço onde se disputa, democraticamente ou não, pontos de vista, visões de mundo, concepções de cidade, concepções de país. Então a esquerda se habituou a pensar a rua como se fosse um colega de trabalho. Não é isso. Rua é rua. É o espaço público onde as pessoas se expressam e se expressam a partir da sua visão. Da sua visão de futuro, da sua visão de mundo.

O que São Paulo deve esperar da gestão João Doria? Que tipo de oposição o PT fará?

Fernando Haddad Olha, na verdade não foi apresentado para a cidade um projeto alternativo. Se você for pensar o que foi proposto: aumentar a velocidade da marginal, fazer um mutirão na saúde de exames em 90 dias… tenho dificuldade até de lembrar… Propostas estruturais para a cidade? Não foi feita nenhuma.

‘O aumento da velocidade das marginais… vai morrer muito mais gente? Talvez não morra. Mas é um gesto simbólico que dialoga com uma visão de cidade’

Hoje nós temos um Plano Diretor aprovado até 2030, um conjunto de obras licitadas, licenciadas, conveniadas com a União no âmbito do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Agora tem alguns ajustes que vão ser feitos, então duas vias vão passar a ter outra velocidade… É importante duas vias? Não seria do ponto de vista quantitativo. Talvez o número de pessoas que vão morrer a mais não seja um número significativo. Talvez nem aumente. Mas do ponto de vista simbólico tem um preço. São Paulo vai ser a primeira cidade do mundo a reverter uma tendência mundial.

Então eu acredito muito mais em questões simbólicas do que propriamente em questões estruturais. Eu não acredito em nenhuma mudança estrutural até porque nenhuma foi proposta. Vai deixar de fiscalizar o trânsito? Outra coisa, a indústria da multa, a arrecadação do ano que vem vai ser menor do que a desse ano? A arrecadação de multas? Vamos verificar se vai… Eu não acredito que vá. Bom, só essa velocidade que vai ser alterada?

Então eu acho que a gente está falando, com o perdão da palavra, não quero nem ofender, mas assim… A gente tava discutindo perfumaria. Então, eu acho que vai ser muito mais simbólico levar a Virada Cultural para Interlagos. Qual o impacto disso sobre a cidade? É simbólico. Não vai mudar toda a política cultura por causa disso. Mas simbolicamente é um gesto que por trás do qual tem uma visão de cidade.

O aumento da velocidade das marginais… vai morrer muito mais gente? Talvez não morra. Mas é um gesto simbólico que dialoga com uma visão de cidade. Então eu acredito muito mais em questões pontuais, simbólicas, do que propriamente mudanças estruturais. Não vi nenhuma reforma estrutural ser proposta.

A campanha bateu muito na tecla da privatização de determinados equipamentos públicos. Privatizar o Pacaembu, o Ibirapuera… Essa é uma temática que aparecia com constância…

Fernando Haddad Mas também, tirando a venda do Anhembi, de Interlagos… No caso de Interlagos, acho que é um crime ambiental e urbanístico. Você não vende um milhão de metros quadrados na área de mananciais. Isso é um contrassenso, você pode conceder, fazer parcerias com a iniciativa privada… Isso tudo é bastante razoável, inclusive porque o Anhembi e o Pacaembu, o processo de concessão já tá em curso. Não é que… tá em curso. Está no Condephaat o projeto para conceder o Pacaembu.

‘Você não tá vendendo o Ibirapuera. Cê tá repensando a governança, não vejo tabu nisso’

Agora a venda de Interlagos aí sim, de novo, é simbólico. Um milhão de metros quadrados é 40 vezes o tamanho do Parque Augusta, em área de manancial. Cê vai vender? Mas de novo, são aspectos simbólicos… Quando se fala em privatizar o Ibirapuera não é verdade. O que está se pensando é uma governança de mais longo prazo. Em que um parceiro privado pudesse explorar algumas possibilidades. Difícil de fazer bem feito, inclusive. Mas pode ser que saia o modelo…

No Ibirapuera você tem o Manequinho Lopes, você tem o Pavilhão, você tem o Museu, você tem a Oca, você tem o Auditório, você tem os ambulantes cooperativados. Como você vai colocar tudo isso em um caderno de encargos para conceder? Não é uma tarefa simples, mas pode ser que se encontre ali uma quadratura do círculo e dê certo. Mas não é venda. Você não tá vendendo o Ibirapuera. Cê tá repensando a governança, não vejo tabu nisso. Agora, eu acho que, do ponto de vista simbólico, algumas coisas são mais importantes e deveriam ensejar uma atenção maior dos cidadãos mobilizados.

Diante da atual crise política, o “não-político” emerge como algo positivo. O sr. se considera um político?

Fernando Haddad Políticos todos nós somos. Até os que se abstêm tão tomando uma atitude. Essa é uma falsa questão. O problema é você fazer da política o teu meio de vida. Porque na tradição weberiana existe essa distinção. Quando você faz da política do teu meio de vida você é um político no sentido vulgar do termo. Nesse sentido, eu não sou.

Eu nunca fiz da política o meu meio de vida, agora eu sou um ser político porque eu vivo na cidade, vivo no país, intervenho com as minhas opiniões, com as minhas ações, como ministro, como prefeito, como cidadão, como professor, vou sempre intervir na política. Mas não faço da política o meu meio de vida.

O sr. tem planos de se candidatar novamente?

Fernando Haddad Quando você faz da política o teu meio de vida a resposta é sempre positiva, porque você vive disso. Você vive de eleição. Ganhando ou não você vive de eleição. Não é o meu caso. Pra mim qualquer candidatura tem que ser fruto de um desejo que não seja meu. De um desejo que seja… de um projeto que eu possa vir a representar, percebe?

Então, esse tipo de pergunta feita a uma pessoa que não vive da política não faz muito sentido. Porque não sou eu que devo tomar essa decisão, do meu ponto de vista, mas o campo a que eu pertenço. E isso, a história vai dizer. Então não está em meus planos me candidatar. Vou ver o que vai acontecer com o Brasil, com a esquerda, a centro-esquerda, depende. É um ato de paixão pra mim, não é um ato burocrático.

O sr. está terminando o mandato sem construir hospitais que prometeu, sem construir as creches com dinheiro do governo federal e o projeto do Arco do Futuro, uma grande bandeira do início da sua gestão, foi abandonado. Isso compromete futuras promessas suas como político?

Fernando Haddad O pressuposto acho que tá errado. Eu prometi três hospitais, entreguei o Vila Santa Catarina, o Parelheiros vai ser entregue o ano que vem e o Brasilândia tá em obras. Não é fácil. Eu não conheço nenhum prefeito que começou e entregou um hospital na sua gestão. Não conheço nenhum. Hospital é coisa grande, é coisa de R$ 200 milhões.

‘O que as pessoas imaginavam? O Arco do Futuro são essas obras e a organização ao longo da orla, das margens dos dois principais rios’

Eu, na maior crise econômica vivida pelo país, eu fui a pessoa que mais abriu vaga de educação infantil. Eu tô terminando meu mandato com 106 mil vagas de educação infantil. Aí você vai dizer: a tua meta era 150 [mil]. Bom, era 150, mas eu entreguei 70% da meta porque eu enfrentei uma recessão de 8% nos últimos dois anos. Se não tivesse tido recessão teria feito mais de 150 mil. Agora quem fez 106 mil? Quem fez mais antes de mim fez 62 mil. Então eu fiz uma vez e meia mais do que quem tinha feito mais antes de mim, na maior recessão da história contemporânea. Não me vejo nem um pouco inibido de defender a minha gestão.

E o Arco do Futuro ele é uma realidade. Ele tá previsto no Plano Diretor, nós aprovamos a Operação Urbana Água Branca, mandamos o Arco Tamanduateí, tá na Câmara e poderia ter sido aprovado. Se eu tivesse sido eleito, tava aprovado. O Arco Tietê tá na Câmara, de acordo com o cronograma do Plano Diretor e você pode anotar: o Arco do Futuro é uma realidade… e o Ceagesp que todo mundo dizia que era impossível, nós estruturamos do ponto de vista econômico financeiro o projeto para a mudança do Ceagesp que é condição sem a qual o Arco do Futuro não vai acontecer.

O que é o Arco do Futuro? São os piscinões da Cupecê, são as pontes Laguna e Itapaiúna, é a Chucri Zaidan, é a duplicação da Belmira Marin, da Estrada do Alvarenga, é a Ponte Baixa com a Avenida Luiz Gushiken, as obras de drenagem da Sumaré e Água Preta que tão prontas. O Arco do Futuro não é uma… O que as pessoas imaginavam? O Arco do Futuro são essas obras e a organização ao longo da orla, das margens dos dois principais rios… isso tá feito, não tem volta.

Qual foi o papel da ex-presidente Dilma no desempenho da sua gestão?

Fernando Haddad Olha, não teria renegociado a dívida sem o apoio da Dilma, mas obviamente que no que diz respeito à liberação de recursos do PAC e do Minha Casa Minha Vida, o governo federal deixou a desejar mesmo no mandato da Dilma. Sobretudo depois da reeleição, quando a crise se instalou. A crise instalada, tudo ficou muito difícil.

Então efetivamente no que diz respeito ao PAC e ao Minha Casa Minha Vida, os dois últimos anos foram muito precários, muito difíceis. Com tudo isso, nós conseguimos viabilizar 35 mil unidades habitacionais em dois anos só. Porque faz dois anos que tá suspenso o programa. Então se tivéssemos mais dois anos poderíamos ter chegado a 60, 65 mil, porque temos o terreno e temos os projetos licenciados. Só não temos o contrato com a Caixa Econômica Federal. Então esses últimos dois anos complicaram bem a vida do PAC e do Minha Casa Minha Vida.

Na última eleição, o PT teve o pior desempenho eleitoral desde 2000, perdendo um número expressivo de prefeituras, inclusive em redutos tradicionais. Ao mesmo tempo, o Lula cresceu nas pesquisas de intenções de voto para a eleição presidencial de 2018. Como o sr. interpreta essa conjuntura aparentemente contraditória?

Fernando Haddad Bom, você vê que no mês da eleição nós tivemos o impeachment da Dilma definitivo, tivemos a prisão de dois ministros e tivemos a recepção da denúncia contra o presidente Lula. Tudo isso entre final de agosto e setembro, não tem como não afetar o resultado eleitoral, sabe. Não existe hipótese, as pessoas… Não tem como.

Agora, o governo novo já tá dizendo a que veio. E as pessoas têm a melhor lembrança possível do governo Lula. Se você conversar com qualquer pessoa, qualquer trabalhador, ele tem a lembrança viva do que foi o governo Lula. Então, com o passar do tempo, eu penso que essa lembrança vai ficar cada vez mais forte. É o desejo de viver aqueles tempos e não os atuais.

O sr. faz alguma autocrítica partidária em relação às acusações de corrupção recebidas pelo PT?

Fernando Haddad Faço, lógico. Eu tenho dito em entrevistas que o PT tava muito fixado na questão do desenvolvimento social, sabe. A ideia de crescer com melhor distribuição de renda. E achou que isso resolvia o Brasil. O PT achou que isso resolvia o Brasil. Quando eu digo o PT eu tô dizendo os dirigentes.

‘A maior lição que a esquerda pode ter desse período é a seguinte: não interessa qualquer Estado’

No meu caso, eu escrevi um artigo em 2003 dizendo que o maior desafio do PT seria republicanizar o Estado. E que o Estado brasileiro é patrimonialista e precisava ser republicanizado. E eu entendo que essa tarefa foi relegada a um segundo plano.

O PT imaginou que com a estrutura do Estado brasileiro historicamente cristalizada no Estado patrimonialista, ele poderia por dentro desse Estado patrimonialista promover arranjos que favorecessem as classes populares. O que de fato aconteceu. Mas a reforma do Estado que não veio acabou comprometendo o projeto.

Então a maior lição que a esquerda pode ter desse período é a seguinte: não interessa qualquer Estado, muitas vezes a gente acha que o Estado… De novo o negócio da rua: você romantiza alguns: é a rua, é o Estado. Que rua? Que Estado? Isso conta. E a gente não se perguntou que Estado que nós devíamos legar. Não basta distribuir renda e melhorar as oportunidades econômicas. Você tem que ter um compromisso com a República. E a republicanização do Estado era uma tarefa à qual… nós demos não nenhuma atenção, mas pouca.

Porque efetivamente nós criamos a Controladoria, nós fortalecemos a Polícia Federal, nós demos autonomia para o Ministério Público, tudo isso é verdade. Mas foi pouco diante do descalabro que é a organização estatal no Brasil. A interface do público com o privado, o déficit de republicanismo das instituições, isso tudo deveria também ser objeto da nossa ação.

O candidato do PT à presidência deve ser o Lula?

Fernando Haddad Se deixarem o Lula não só vai ser candidato como vai ganhar. Isso não tem a menor dúvida. O problema é qual será o desfecho de todas essas operações em curso.

Olha, eu sou formado em Direito e à distância eu acompanho os depoimentos das testemunhas de acusação, as petições, as denúncias do Ministério Público… eu vejo tudo com um grau de fragilidade nessas denúncias completamente insuficientes para condenar quem quer que seja. Não é o Lula, qualquer cidadão. Tá falando do Lula hoje, mas a gente pode estar falando de outra pessoa amanhã.

Podemos estar falando de alguém do PSDB inclusive, amanhã. Eu vou defender a condenação de alguém do PSDB com provas frágeis só porque ele é meu adversário político? Eu não vou defender. Eu não misturo esse tipo de coisa. Eu acho que as pessoas do PSDB deviam ter a coragem de repensar a denúncia contra o Lula do mesmo jeito que nós devemos ter a coragem de acusar a fragilidade quando isso recair sobre alguém do PSDB. Porque a Justiça não pode ter partido.

André Singer [cientista político, professor da USP e ex-porta-voz de Lula] disse certa vez que a Operação Lava Jato era importante, mas era uma operação manca, porque ela estava interessada em um único partido, que era o PT. Como o sr. vê isso?

Fernando Haddad Vamos aguardar os desdobramentos. Tem um caminhão de denúncias agora contra o PMDB e o PSDB. Todos os dirigentes do PSDB estão denunciados. Denunciados não, estão delatados. E aí o que vai acontecer? É o mesmo peso e a mesma medida para todo mundo? Eu tô na expectativa de que seja assim. O Brasil pode mudar muito se a Justiça vendar os olhos e julgar sem olhar para o réu. Só com base no que tá no processo. A imparcialidade é fundamental. Tem que vendar os olhos para julgar, né. Não pode olhar para quem tá julgando, senão não vai ser justo.

A crise política atual está colocando o próprio sistema político em xeque. A democracia brasileira está em risco?

Fernando Haddad Acho que existe um risco. Não considero hoje muito elevado, mas o grau de “casuísmos” no processamento da crise tem sido alarmante. Muito alarmante. Aí tem jornal de grande circulação publicando artigo de general dizendo que as Forças Armadas não vão…. As Forças Armadas o quê? As Forças Armadas têm o seu papel condicional e ponto. Nem poderia estar se manifestando da maneira como aconteceu.

Então há riscos. Mas nesse momento eu não considero elevados para a democracia. Pros direitos sim. Aí sim. Tem níveis de direitos. Tem direitos civis, políticos, sociais. Os sociais tão em risco, claramente. E isso faz parte da democracia.

De quais direitos sociais o sr. está falando?

Fernando Haddad Quando você congela o gasto público por 20 anos, você tá comprometendo a possibilidade de expandir serviços públicos por 20 anos. Imaginar que você vai fazer a expansão dos serviços públicos só pelo aumento da produtividade do setor público é não conhecer o Estado.

Isso não vai acontecer. Você pode melhorar a máquina pública, mas você não vai conseguir enfrentar o desafio de expandir e universalizar serviços básicos de saúde, educação, assistência, mobilidade urbana, moradia…

Mas então o sr. não considera que o impeachment da presidente Dilma Rousseff foi um golpe?

Fernando Haddad Considero. Mas considero um golpe parlamentar. Uma espécie de intervenção do Legislativo no Executivo. Porque quando as pessoas adjetivam e qualificam a palavra golpe não é por que elas estão querendo recusar a palavra. É que elas estão querendo fazer as pessoas entenderem melhor. Porque para uma pessoa que se informa como pode no pouco tempo que tem durante o dia você precisa ser pedagógico, didático na explicação.

‘É óbvio que a Constituição não foi observada e dessa maneira é um golpe parlamentar’

Quando você fala em golpe, as pessoas pensam em golpe militar, em supressão de direitos políticos, em não votar, as pessoas não entendem da mesma maneira como quem tem mais tempo para se informar… Então você precisa qualificar. A qualificação… Quando uma pessoa insuspeita como Noam Chomsky, por exemplo, fala em “soft coup” ou “golpe brando”, ele não tá querendo minimizar o problema, ele tá querendo esclarecer o que aconteceu no Paraguai, o que aconteceu no Brasil.

Mostrando que há uma diferença da intervenção armada e tal, são sutilezas importantes de fazer notar, então o impeachment ser um crime de responsabilidade é um golpe, porque não tá previsto na Constituição. Não existe impeachment sem crime de responsabilidade. E o que o Senado aprovou foi exatamente isso. O afastamento da presidenta considerando ela inocente e mantendo seus direitos políticos. Isso não tá na Constituição. Foi uma anomalia.

Nesse sentido, é óbvio que a Constituição não foi observada e dessa maneira é um golpe parlamentar, é uma intervenção do Legislativo no Executivo. Professor tem essa mania de querer explicar as coisas, não tenho vergonha de querer explicar as coisas…

Nesse caso, não tem um golpe contra a democracia?

Fernando Haddad Não, o que eu me referi de golpe contra a democracia é de por exemplo suprimir as eleições de 2018. Eu tô com isso na cabeça. Porque tem gente já falando disso: podemos não chegar às eleições de 2018. Existe o risco? Existir, existe. Porque tem gente defendendo.

Mas eu não considero esse risco elevado hoje. Vamos ver o desdobramento da crise, mas eu não considero elevado hoje não haver eleições em 2018, acho que tá na ordem de considerações de hoje, embora existam manifestações preocupantes nesse sentido, mas não são hegemônicas.

Acho que nem tem o apoio da Imprensa, que defender o Impeachment e que seria uma condição importante para a supressão das eleições, por exemplo. Nesse sentido que eu me referi.

   

Foto: Ricardo Monteiro/Nexo

Fernando Haddad em entrevista ao ‘Nexo’ na sede da Prefeitura de São Paulo 
Artigo publicado originalmente em https://www.nexojornal.com.br/entrevista/2016/12/28/%E2%80%98N%C3%A3o-basta-distribuir-renda%E2%80%99-diz-Haddad-sobre-projeto-do-PT-e-da-esquerda-para-o-pa%C3%ADs

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