Aldeia Nagô
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Não morder a isca por Emiliano José

5 - 7 minutos de leituraModo Leitura

Antes que fossem concluídos os 30 dias do governo Dilma, estabeleceu-se, em
alguns órgãos da mídia hegemônica, um curioso debate em torno da personalidade
da presidenta, descoberta agora como uma mulher decidida, capaz, com um estilo
próprio, e simultaneamente, o discurso de que ela rompia com o estilo Lula, e
que isso seria muito positivo.


Deixava sempre trair o profundo preconceito
contra Lula, pela comparação entre uma presidenta letrada (que cumprimenta em
inglês a secretária Hillary Clinton…) e o outro, com seu português, essa língua
desprezível. Não se sabe se seriam esquizofrenias da mídia hegemônica, ou
táticas confluentes destinadas a diminuir o extraordinário legado do
presidente-operário e a camuflar a continuidade de um mesmo projeto político.

Não custa tentar avaliar essa operação. Durante a campanha, a mídia seguiu a
orientação de que Dilma era uma teleguiada, incapaz de pensar por conta
própria. No governo, como era inexperiente, seria manipulada por Lula. Bem, ocorre
que foi eleita. O que fazer diante da esfinge? Nos primeiros momentos, cobra
que ela fale o tanto que Lula falava. Dilma, que tem estilo próprio, ao
contrário do que a mídia dizia, seguia adiante, sem subordinar-se às cobranças.
Toca o governo com toda firmeza, que é o que importa. Não se rende às
expectativas midiáticas, sinal de uma personalidade forte, muito distante da
figura de fácil manipulação que se tentou esculpir antes.

As coisas estão no mundo, minha nega, só é preciso entendê-las, é Paulinho
da Viola. A mídia não raramente passa batida diante das coisas que estão no
mundo. Ou tenta dar a interpretação que lhe interessa sobre a realidade já que
de há muito se superou a idéia de um jornalismo objetivo e imparcial por parte
de nossa mídia hegemônica. Todo o esforço para separar Lula e Dilma é inútil.
Parece óbvio isso. Mas, não para a mídia. Ela prossegue em sua luta para isso.
Lula e Dilma, e lá vamos nós com obviedades novamente, são diferentes.
Personalidades diversas. E o estilo de um e de outro naturalmente não são os
mesmos. O que não se pode ignorar é que Dilma dá continuidade ao projeto
político transformador iniciado com a posse de Lula em 2003. Essa é a questão
essencial.

Dilma seguirá com as políticas destinadas a superar a miséria no Brasil, tal
e qual o fez Lula nos seus oito anos de mandato, coisa que até os adversários
reconhecem, e o fazem porque as evidências são impressionantes. Mexeu-se para
melhor na vida de mais de 60 milhões de pessoas, aquelas que saíram da miséria
absoluta e as que ascenderam à classe média. Agora, a presidenta pretende
aprofundar esse caminho, ao situar como principal objetivo de seu mandato
combater a miséria absoluta que ainda afeta tantas pessoas no Brasil. Essa é a
principal marca de esquerda desse projeto: perseguir a idéia de que é possível
construir, pela ação do Estado, um país mais justo, que seja capaz de
estabelecer patamares dignos de existência para a maioria da população. O
desenvolvimento tem como centro a distribuição de renda, e o crescimento
econômico deve estar a serviço disso. Aqui se encontram Dilma e Lula. O resto é
procurar pêlo em ovo.

A terrorista cantada em prosa e verso pela mídia durante a campanha virou
agora a heroína dos direitos humanos, e nós saudamos a chegada da mídia na defesa
dos direitos humanos quando se trata de outros países. Que maravilha, do ponto
de vista de pessoas que amargaram tortura e prisão no Brasil, ver a presidenta
recebendo as Mães da Praça de Maio na Argentina e se emocionando com elas. E
condenando qualquer tipo de violação dos direitos humanos no mundo.

No caso da mídia, seria muito positivo que ela também apoiasse a instalação
da Comissão da Verdade para apurar a impressionante violação dos direitos
humanos no Brasil durante a ditadura militar. Foi Lula que encaminhou o projeto
da Comissão da Verdade, apoiando proposta do então ministro Paulo Vannuchi. As
últimas eleições consagraram o projeto político desse novo Brasil que começou
em 2003. Dilma está sabendo honrar a confiança que foi depositada nela, uma
digna sucessora de Lula.

A mídia não descansará em seus objetivos. O de agora é o de tentar
desconstruir Lula, tarefa que, cá pra nós, é pra lá de inútil pela força não
apenas do carisma extraordinário do ex-presidente operário, mas pelo
significado real das políticas que ele conseguiu levar a cabo, mudando o Brasil
pra valer. Com esse objetivo, a desconstrução de Lula, elogia Dilma e destrata
Lula. Este, naturalmente, não está nem aí. Sabe que a mídia hegemônica nunca
gostou dele, nunca vai gostar. Ele é uma afronta às classes conservadoras, às
quais a mídia hegemônica pertence. A existência dele como o mais extraordinário
presidente de nossa história afronta a consciência conservadora. Ele seguirá
seu caminho de militante político, cujos compromissos políticos sempre
estiveram vinculados ao povo brasileiro, às classes trabalhadoras de modo
especial, às multidões.

O segundo passo, mesmo que não consiga nada com o primeiro, que seria
desconstruir Lula, será o de vir pra cima da presidenta, que ninguém se engane.
Nós não temos o direito de nos iludir. As classes conservadoras mais
retrógradas não podem aceitar um projeto como este que vem sendo levado a cabo
desde 2003, quando Lula assumiu. A mídia hegemônica integra as classes
conservadoras, é a intérprete mais fiel delas. Por isso, não cabe a ninguém
morder essa isca. As diferenças de estilo entre Lula e Dilma são positivas. E é
evidente que uma nova conjuntura, inclusive no plano mundial, reclama medidas
diferentes, embora, como óbvio para quem quer enxergar as coisas, dentro de um
mesmo projeto global de mudanças do País, sobretudo com a mesma idéia central
de acabar com a miséria extrema em nossa terra. O povo brasileiro sabe o quanto
recolheu de positivo do governo Lula. E tem consciência de que estamos no mesmo
rumo sob a direção da presidenta Dilma. Viva Lula. Viva Dilma.

Emiliano José é jornalista, escritor, deputado federal (PT/BA)

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