Não vai dar em nada. Por Fernando Horta
Confesso que não estou vendo nosso teatro jurídico de perto. Leio uma coisa ou outra. Um argumento aqui e uma ofensa ali. Antes de começar o julgamento, um amigo muito querido me perguntou o que eu achava que ia dar. Eu disse que não ia dar em nada que mudasse o quadro atual do Brasil.Ele ficou inconformado e falou do “olhar da população” e da pressão da “globo”. Vamos lá: o julgamento não dará em nada. Gilmar Mendes manipula o judiciário brasileiro de uma forma vexatória a todos. Se Dilma tivesse escapado do impeachment ele a faria cair no TSE. Foi só para isso que ele desarquivou o processo com ofensas à ministra que o tinha arquivado. Agora com Temer temos apenas duas opções: ou Gilmar Mendes permite que o julgamento vá até o final, porque manterá Temer (e ele articulou isto com os ministros “dele”) ou, se as coisas saírem de controle, haverá um providencial pedido de vistas. Trava tudo sem prazo para recomeçar. Neste cenário a inelegibilidade de Dilma é a cereja do bolo. Se ele conseguir talvez lhe toquem sinos de júbilo.
Benjamin sabe disto. Por isto um voto ee mais de 500 páginas. De quebra, Gilmar manda um aviso muito claro aos pitboys de Curitiba: “não mexam com os meus”. Não sei se notaram, mas a tese de Benjamin é exatamente reconhecer integralmente as delações como provas. Se fosse Dilma na alça de mira, Gilmar já teria feito coro com esta sandice e mandado tudo pelos ares. Sendo Temer e, de revesgueio, Aécio, Gilmar agirá para podar o espaço probatório dado às delações. É a versão jurídica do brasileiríssimo ditado “aos amigos tudo, aos inimigos a lei”.
Muitos já apontaram o mal que faz ao judiciário Mendes, Moro e Dallagnol. Transformaram um poder em exercício aberto de seus feudos. Um pede condenação “por convicção” e cita a si mesmo, o outro inventa institutos de prisão-tortura medievais para sua cruzada moral e Mendes atua como representante do PSDB no STF.
O que me assombra não são estas três figuras nefastas, produzidas pelo nosso conservadorismo atávico. O que me assusta é todo o resto do judiciário como cúmplice silente destas barbaridades. O STF tem onze ministros. Certo que Moraes e Celso de Mello são da tropa de assalto de Mendes. Também é certo que Fux, Carmem Lúcia e Rosa Weber jogam um papel de conservadorismo coringa. Marco Aurélio e Lewandovski sofreram enormes desgastes nos episódios do impeachment e da retirada de Renan, estão atordoados e amedrontados. Com Barroso derretendo em cada pronunciamento e Fachin segurando nitroglicerina pura proveniente da lava a jato, não se poderia imaginar que Dias Toffoli seria o contra-balanço. É mais fácil aliar-se aos conservadores, mais fácil e seguro.
O STF é uma junção de juízes e não uma corte. O narcisismo garboso é talvez a única característica comum à toda a corte. Num momento que deveriam ser o fiel da balança em um país dividido, omitem-se e preservam seu status.
O fisiologismo e o corporativismo dos juízes joga o resto. Muitos juízes e procuradores criticam os absurdos da trindade Moro, Dallagnol e Mendes, mas os organismos coletivos só ventilam apoio. Os juízes, procuradores e desembargadores sabem três coisas: que não importa a situação econômica do pobre ou do país todo, eles continuaram a receber seus suntuosos salários e ter seus reajustes acima da inflação. Sabem que a crise passa, as leis mudam, o trabalhador empobrece, mas juízes continuam sendo juízes. Não perderão absolutamente nada, mesmo que as pragas do apocalipse caiam sobre o povo brasileiro. E que ainda podem ter aprovados mais benefícios a serem integrados na pródiga LOMAN. Vivem num outro mundo e não precisam se sujar por este aqui. Os que ousam fazer são disciplinados pelos colegas, como vimos com diversos juízes garantistas e humanos.
No fim, diante da demonstração de força de Temer, que fica no poder, sem voto, sem aprovação, com delação, mala, Cunha e Loures presos e a Globo contra, pensem se Lula teria podido em 2003 denunciar o fisiologismo do PMDB e abrir guerra a esta cloaca que é a política brasileira. Apenas pensem. O que teria ocorrido é que Lula teria sido afastado do poder e o nordeste continuaria a perder quase 38 crianças mortas a cada mil, ao nascer. E um terço das que sobrevivessem morreriam até os dez anos. De fome ou sede.