Agora, eu falo sério, não é vadiagem: Pindorama é tão vocacionada ao paradoxo que um dos nossos melhores e mais atuais artistas, Elomar, tem como inspiração e temática o medievalismo do Sertão. O moderno aqui é a Idade Média.

É vero que a obra elomariana vai muito além da, digamos assim, exploração do linguajar ancestral. Ele, de modo desconcertante, deu um verniz erudito à cultura popular e ainda meteu uma magia lúdica, seja lá que porra isso signifique.

Porém, se sabendo ou não as significações, o fato é que os concertos de Elomar parecem conter substâncias alucinógenas, hipnóticas. Ele compõe e escreve “mirando sua plantação particular de estrelas”, como bem disse o menino Vinicius de Moraes na contracapa de Nas Barrancas do Rio Gavião, obra-prima do Bode Velho, lançada em 1973.

Aliás, poeta, permita-me, um acréscimo: o conquistense cria também, e talvez principalmente, com o juízo derretido pelo sol sertânico. Inclusive não foi à toa que o indigitado nasceu no exato dia em que o verão se inicia. Data é destino. 
E, já que entramos na seara das simbologias dos calendários, lembro que há exatos 946 dias (ou seria 712? Não me recuerdo bem agora) dividi os seres da seguinte forma:

FANTASMAS: Gênios que morrem antes do tempo, como convém aos de boa cepa, e ficam perturbando mentes, corações e provocando desmantelos nos nossos intestinos.

CANALHAS: Nós outros, gênios ou imbecis, que permanecemos vivos.

Agora, analisando com mais vagar, percebo que, desta acurada classificação acima, acabei deixando de fora um terceiro tipo de ser: os artistas que desafiam o impossível, que conseguem passar da meia idade sem se tornar uma caricatura de si mesmo. Sim, minha comadre, nesta categoria extra, quase que extraterrestre, está Elomar. Hoje ele completa apenas 80 anos, mas de há muito já se tornar imortal.

E, creiam, não há perigo maior para os comuns do que se aproximar dos imortais. Acabamos descobrindo as suas fraquezas e manias, o que é imperdoável.

Por isso, para evitar constrangimentos, decepções e outros dissabores, sempre mantenho certa distância dos ídolos. Nas poucas vezes que quebro esta regra, quebro a cara.

Um exemplo? Recebam. Por conta de toda a mitologia, sempre tive Elomar na conta de um antiamericano de quatro costados (o que, registro logo, não é mérito algum, mas também não é demérito, nem muito pelo contrário). Porém, numa manhã de setembro de 1994, meu mundo caiu.

Seguinte foi este.

Estava sentado no sofá de seu (lá dele) apartamento, no Edifício Porto Fino, no Campo Grande, quando o Bode Velho apareceu, colocou óculos Ray Ban e largou a seguinte: “Não estou parecendo um Superstar?”.

Estupefato, silenciei. E, contrariado, dei razão à vedete santamarense: Realmente, de perto, ninguém é normal. Nem os mitos. Aliás, muitos menos eles.

E, por mais paradoxal que possa parecer, depois deste episódio passei a admirar ainda mais a criatura. À distância, óbvio, cada vez mais à distância, pois desmantelos mitológicos não podem nem devem ser desfeitos assim.

Então, resta-me, daqui do genuflexório, enviar um muito obrigado a esta entidade que me permite a inconsequente delícia de, mesmo morando tão perto do mar, manter o elo com o sertão.

P.S Esta homilia vai para a menina Luiza Meira e pra Adriano Botura, que gostam do sujeito dicunforça.

Franciel Cruz é Jornalista

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