A dor física é cruel ou pior, a dor física é foda !
Não que o ato de copular seja algo terrível ou melhor, gera uma das maiores sensações de prazeres experimentadas pelo corpo.

Mas, convenhamos a dor física é sútil, traiçoeira e indelicada. Quando você se dá conta ela já está ali hospedada sem convite nem voucher. Ela começa agindo como um martelo de demolição moendo o corpo em grandes pedaços e aí vai intensificando o massacre ampliando a área de atuação, quebrando em partes menores até, se o cidadão vacilar, vê-se reduzido a pó.

Eu convivo com uma dessas visitantes indesejávéis que instalou-se na minha sala de visitas e insiste em dar ar da graça ( ou desconforto) durante todas as horas do santo dia que Deus nos concede . 
Esse martírio já dura dez anos e acho que a dor física tem um perfil atéia, porque nem aos apelos feitos ao Divino ela respeita. Está ali presente na sua fidelidade sádica gerando suplício, insônia e certas vezes um mau humor, da porra.

A dor física em determinadas ocasiões não toma conhecimento dos efeitos da dipirona, do tilex, do alginac, do paracetamol e dos declofenacos. Uso alguns métodos alternativos que incluem ungüentos caseiros, folhas, chás, às vezes recorro a doses de Caetanos, Miltons, B.B. King e exagero na profilaxia ouvindo Zeppelin, Stones, Hendrix. Tudo isso funciona como paliativos, pois a dor não tem nenhuma sensibilidade inclusive musical. Ela deixa todas as sensações para o cliente, no caso, o indivíduo aqui
Um dos sedativos com ação mais duradoura são os lovers de Marley.

Um certo dia cheguei até a elocubrar que a dor não tem pai, mãe, irmãos, nem amigos. Quando esses se ausentam ela logo aprece no formato da perda. 
Insensível que ela só, alí permanece por um bom tempo até que os viventes conseguem transformá-la nas boas lembranças e bons momentos experimentados por aqueles que se foram.
Mesmo assim, em determinadas datas ela resolve fazer uma visita trazendo na bagagem um pouco de tristeza.

A dor também se apresenta muda através das agressões conjugais acontecidas no próprio lar onde a vítima opta pela não denúncia na falsa garantia do matrimônio. Essa dor calada, bruta e ultrajante é bem maior do que os números conhecidos nas pesquisas. Na extensão mais horripilante dessas agressões estão as dores das mortes causadas por feminicídio.

Outro meio da dor se fazer presente são nos processos de angústia ou depressão, aí ela torna-se mais cruel porque o portador sabe da dor, mas desconhece a origem. Tem coisa mais absurda do que experimentar todas as dores do mundo num corpo só ?

Aqui pra nós, não seria a dor uma trama da espionagem internacional ? Essa coisa de CIA X KGB ?

Mas, taí, uma dor gostosa ! A dor de amor. O cara ou a mina sofrem pra caramba porque gosta de outra pessoa.

Tem coisa mais romântica do que se martirizar por uma perda amorosa ? Ou por um sentimento não correspondido ? 
Os efeitos positivos da dor por amor, por exemplo; o apaixonado pode perder peso sem necessidade de ir ao endocrinologista, sem academias, nem dietas vegans. Um ponto pra dor de amor.

Pode também, o (a) amante ir em busca do auxílio de um especialista em coração e receber do cardiologista, a seguinte receita :

1) Procure um bom restaurante, peça um bom jantar acompanhado de um vinho de qualidade;
2) Saia mais vezes, encontre pessoas e faça novas amizades;
3) Tire umas férias e organize uma viagem longa;
4) Leia um bom livro, escute mais músicas: pode até começar a estudar um instrumento;
5) Na viagem não leve a dor na bagagem. Deixe-a no salão do aeroporto ou da rodoviária;
6) Sorria muito, pois faz um bem danado pro coração.

Do seu cardiologista.

* Zuggi Almeida é baiano, escritor e roteirista

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