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Dona Iara e o fascista. Por Edleise Mendes
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Ter, 16 de Outubro de 2018 07:29

Edleise_MendesSábado passado, eu estava em uma fila em umas das farmácias de meu bairro. À minha frente estava uma senhora, de pouco mais de 60 anos, aguardando ser atendida. Ela virou-se para trás e me disse:

- Minha filha, acredita que o médico mudou o meu remédio, que antes era barato, para um que custa mais de 50 reais?

Balançando a cabeça em desaprovação, continuou:

- Quando a gente tinha a farmácia mais barata, e os remédio de graça do governo, isso não acontecia.

- E a senhora não falou isso com ele, que era caro?

- Falei, minha filha, mas ele nem respondeu. Me deu a receita e pronto! O que eu vou fazer, eu preciso do remédio.

Eu me virei para a atendente e perguntei se havia algum medicamento similar, genérico, tentando ajudar de alguma forma Dona Iara. A atendente, também comovida, disse que não. Era aquele, infelizmente. Dona Iara, vendo a minha preocupação, tentou me tranquilizar:

- Veja, minha filha, eu vou comprar assim mesmo, fazer o quê? A filha da minha patroa me emprestou o cartão dela e eu vou comprar. Depois ela desconta do meu salário, que não é nem um salário mínimo.

- Não???! Como assim, a senhora trabalha...

Ela me interrompeu:

- Trabalho a semana toda, sem parar, e não ganho nem um salário mínimo!

-Mas por que isso? A senhora não reclama?

- Minha filha, já viu pobre reclamar e ser ouvido? Fazer o quê? Eles não paga porque não quer pagar, e pronto! Eu preciso, minha filha...

Naquele sábado, vendo aquela mulher, negra, sofrida, trabalhadora, explorada, como tantas outras mulheres nesse nosso Brasil, senti um pesar profundo em meu coração. Pensei imediatamente em comprar os remédios de Dona Iara, dar dinheiro a ela, ajudá-la de alguma forma.

A fila atrás de mim era grande, a atendente demorou em buscar o meu produto, enquanto Dona Iara, com pernas ligeiras, e com a sua grande magreza, corria para a fila do caixa, acenando para mim. Peguei o meu produto correndo e fui pagar, na esperança de ainda conseguir alcançar a mulher que me emocionou profundamente naquele dia.

Corri para a rua, olhei em volta, e não a vi. Entrei no carro com toda a pressa que podia, e comecei a dar voltas no bairro, várias vezes, em todas as direções, na esperança de encontrá-la, mas não tive sucesso. Dona Iara inundou o meu sábado. Eu não conseguia parar de pensar nela, no que eu podia ter feito para ajudá-la, para diminuir, de algum modo, o seu peso. Senti uma grande culpa por isso, por não ter sido ágil. Por que não a interpelei na fila? Senti receio de a ofender? Fiquei imóvel, como tantas vezes nós ficamos diante de uma cena como essa?

Decidi escrever este texto em reverência a Dona Iara. Eu devo isso a ela.

O Brasil já foi um país onde as pessoas pobres, os que ganham menos do que qualquer salário minimamente digno, e que trabalham muito para sustentar a esbórnia de poucos, podiam comprar medicamentos a preço de custo, subvencionados pelo governo. Um país onde os filhos da empregada doméstica e da manicure conseguiam entrar numa universidade pública e se formar em professor, médica, analista de sistemas, arquiteto. Pobres pegando avião para visitar parentes que há muito não viam e fazendo fila, não para comprar pão, mas para fazer check-in no Resort All Inclusive que foi pago em algumas prestações. Pobre comendo, pobre fazendo churrasco de final de semana, pobre indo ao cinema pela primeira vez. O Brasil olhava para as pessoas que estão do outro lado da linha abissal, como nos diz Boaventura Souza Santos. O Brasil dizia não ao Tio Sam e à sua corja, à sua legião de capachos que se instalaram em nosso país.

Essa corja de incomodados, usurpadores, que ficaram 13 anos vendo pobre ser feliz e melhorar de vida, tomaram como estratégia a criação do monstro. Usaram a mídia corrupta, vendida, lacaia e subserviente aos interesses neoliberais internacionais, sobretudo norte-americanos, para apagar tudo o que o PT, em 13 anos de governo, fez pelo Brasil. Criaram em seu lugar o fascista, que em nome da ordem, da segurança e da família, rompe com a ordem, ameaça a segurança de cidadãos, sobretudo os que pertencem às classes minoradas, ofendem o principal sustentáculo da família brasileira, a mulher. O fascista alcançou 46 milhões de votos no primeiro turno das eleições de 2018. 46 milhões de pessoas não ouvem o que dizem os pobres, espancados, humilhados, ofendidos (incluindo muitos deles). 46 milhões de pessoas não percebem que o fascista não tem qualquer plano para o Brasil, a não ser o de favorecer, a todo custo, aqueles que sempre estiveram no topo, sugando o sangue da maior parte da população brasileira.

O ódio ao PT foi lentamente sendo construído... O PT inventou a corrupção? Somente as pessoas muito pouco informadas, ou radicalmente robotizadas, podem dizer isso. O PT errou sim, sobretudo por não cortar a cabeça, desde cedo, das lacraias que se criavam dentro do partido e do governo. Mas o PT acertou muito, e isso todo mundo esquece.

Pois bem. Todas as pessoas de bem e que defendem a democracia no Brasil, de todas as raças, etnias, credos, ideologias, unem-se agora para enfrentar o candidato do atraso: Jair Messias Bolsonaro, é o nome dele. Mas ainda falta muito. Falta que o restante das pessoas igualmente de bem, mas que estão escondidas no lugar da indiferença, compreendam a urgência de que todos que acreditam na paz, na decência, na ética, no progresso, na democracia se unam contra o fascista, o defensor da violência e do extermínio das minorias. Votar em Haddad não é mais votar no PT, é votar em um homem decente, educador, comprometido com a população brasileira; é votar naquele Brasil que hoje se encontra ameaçado. É votar pelo melhor que há em nós.

Se não barrarmos o fascista que ameaça a nossa democracia, estaremos, em alto e bom som, dizendo:

EU NÃO ME IMPORTO, DONA IARA!

Edleise Mendes é Professora do Instituto de Letras da UFBA

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