A voz e a viola de Moraes eram das que mais ecoavam na vitrola da casa da minha infância. Cresci entre "O Mistério do Planeta", "Três Meninas do Brasil" e "Acabou Chorare", sabendo desde pequena que "Atrás do Trio Elétrico só não vai que já morreu".

E eu fui... Conheci Moraes ainda menina. Passei a ouvir os acordes que vibravam na vitrola, direto da sua viola. Uma lindeza... Amigo e parceiro poético-musical de meu tio Fred Góes, virou também amigo nosso e parceiro de meu pai em muitas das suas aventuras de produções artísticas que fizeram história na vida cultural soteropolitana. Virou tudo "família", coisa típica de baiano quando encontra os seus. Lembro que em um dos muitos anos em que meus tios Graça e Fred vieram com as filhas – Mica e Jô – passar mais um verão conosco, na Bahia, a música "Sintonia" tinha acabado de ser composta por Moraes e Fred. Passávamos horas escutando a música e coreografando. Até hoje, quando a escuto, não resisto e danço aquela coreografia, me balançando no mesmo "vai e vem" de outrora. A primeira vez que subi em um trio elétrico, foi com Moraes. Erámos cerca de dez adolescentes enlouquecidos no trio de Moraes e Armandinho. Neste ano eles lançaram "Chame Gente". Eu estava lá! Ciente do quão sagrado e profano era aquele momento. Sabendo que erámos o mais puro carnaval. "Ah, imagina só, que loucura...". Nunca esqueci.... Jamais deixei de amar o carnaval! O carnaval onde Moraes reinava absoluto! Anos depois, acompanhei por quase uma década a feitura do filme "Filhos de João – o Admirável Mundo Novo Baiano", concebido e dirigido por meu companheiro Henrique Dantas. Moraes foi fundamental para que a história dos Novos Baianos fosse contada pelos olhos e lentes de Henrique. O filme rodou o mundo, ganhou muitos prêmios e Henrique e Moraes se tornaram grandes amigos. A família afetiva aumentava. Estávamos lá – meu pai, minha mãe, eu e Henrique – atrás do trio elétrico, quando, depois de dez anos sem tocar no carnaval da Bahia, Moraes retornou triunfante. Foi lindo! Sempre era... Foram muitos encontros, shows, papos. Em 2018, desta vez após eu estar alguns anos longe dos carnavais, fui ver Moraes e Davi tocarem na Praça Castro Alves. Ali senti, pulsando e dançando, que minha carne era e seria eternamente "de carnaval" e o "meu coração" – forjado no trio de Moraes – era igual. Foram quase três horas de show levando todos ao delírio. Uma das noites mais memoráveis da minha existência carnavalesca. Moraes nos telefonou empolgado logo após o show, querendo saber o que tínhamos achado. Estávamos em nível de excitação máxima! Em êxtase, dissemos a Moraes que o show havia sido o mais puro deleite! Moraes é a minha referência de musicalidade e poesia. Desde sempre... No novo filme de Henrique – "Dorivando Saravá: o preto que virou mar" – Moraes fala sobre Caymmi. Sobre a música e a Bahia. Ele não chegou a ver o filme pronto. Não deu tempo. Certamente, adoraria... Ontem, escutando Moraes na domingueira de Páscoa, comentei que era a sua música a que mais despertava a minha memória afetiva. Memória de uma vida toda. Memória de afetos, de tantos carnavais, de infância festiva, de arroubos adolescentes, de dança solta nas ruas... Hoje, assim sem aviso prévio, recebemos a notícia da partida do velho Moreira. Foi poetizar outras paragens. Carnavalizar o além-nuvem, fazer dançar o lado de lá. Inevitavelmente a tristeza nos invade. Meu coração se recolhe enquanto escuto, em reverência, a sua canção. ????

* O meu abraço fraterno a Ciça, Davi e Ary.

* As fotos abaixo mostram a premiação do filme "Filhos de João – o admirável mundo novo baiano" no Festival de Cinema de Brasília, e a minha cara de alegria no último carnaval que me esbaldei ao som de Moraes Moreira.

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