Caetano Veloso. Por Claudio Guedes |
Sáb, 08 de Agosto de 2020 05:58 |
Como disse Fátima no início da entrevista: poucos povos no mundo têm o privilégio de conviver com um artista como Caetano. Uma verdade tropical? Não, muito mais, uma verdade universal. Poeta, cantor, compositor, articulista, polemista, Caetano após 60 anos de carreira e de intervenções na cena cultural brasileira é um daqueles criadores que pertencem ao pequeno clube que podemos classificar com "as antenas da raça". Sua voz única, sua afinação, sua poesia, sua concepção libertária do mundo, sua música onde intelecto, beleza e emoção caminham juntos, o tornam uma quase singularidade no universo cultural brasileiro. Fátima lhe pergunta como ele se sente aos 78 anos e Caetano responde com simplicidade tocante: eu me sinto a mesma pessoa de sempre desde que eu me lembro do que sou. A entrevista destacou o filme "Narciso em Férias", documentário sobre Caetano, recém realizado por Renato Terra, e que foi selecionado para uma das mostras do 77° Festival de Veneza (setembro). Nele o artista relembra sua prisão, quando ele e Gilberto Gil foram detidos em suas casas em São Paulo por agentes à paisana no dia 27 de dezembro de 1968, 14 dias depois de decretado o AI-5. Foram levados ao Rio de Janeiro, trancados em solitárias por uma semana e depois transferidos para celas comuns. Depois de 50 anos, ele relata no filme o período mais duro de sua vida e reflete sobre os quase dois meses que passou preso. A lembrança da sua prisão e de vê-lo como sendo a "mesma pessoa de sempre" disparou lembranças de mais de 50 anos em minha mente. Num primeiro momento fiquei em dúvida se tinha sido em 1967 ou 1968 e pedi ajuda a minha querida amiga Lais Abramo que de Santiago do Chile avivou, há poucos instantes, a minha recordação. Foi em outubro de 68, apenas dois meses antes da sua prisão: Caetano estava em Salvador e fomos Pedro Bira, Laís, Julio - meu irmão -, eu e ele à praia. Passamos a tarde em Itapuã e no final do dia fomos ao Farol, na ponta da praia, onde ficamos até o entardecer. Um lindo dia. Havia alegria e beleza naquele encontro de gerações próximas - Caetano e Pedro Bira 12 anos mais velhos do que nós adolescentes. Nunca esquecemos deste encontro pois ao deixarmos Lais em casa - no Ed. Ivete, na Pituba - Perseu Abramo, pai de Laís, deu uma bela bronca em Caetano por não ter sido avisado que chegaríamos tão tarde. Mas bronca com a marca da afetuosidade de Perseu, que mesmo zangado era um homem pleno de gentileza e bondade. E hoje, na tela da Globo, vi o mesmo Caetano. Aquele homem simples, antena de gerações, criador indispensável, ali a falar sobre a vida vivida. Percebi uma discreta melancolia - certamente provocada pelo distanciamento social e pela apreensão com o declínio do país - encoberta, entretanto, pelo brilho de um intelecto privilegiado. Viva Caetano! |
Agenda |
Aldeia Nagô |
Capa |