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A resiliência da retórica neoliberal como evidência maior de seu caráter ideológico e os efeitos nefastos de sua hegemonia. Por Dante Lucchesi
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Qua, 01 de Fevereiro de 2023 05:34

danteA propaganda neoliberal deveria ter sofrido um forte abalo com os escândalos financeiros das últimas semanas. A maior rede varejista privada do país, dirigida por três dos maiores ícones do suposto empreendedorismo empresarial, apresentou um rombo contábil que supera os 43 bilhões de reais, que tudo indica ser fraudulento. Ao lado disso, o Banco Central independente do governo e subordinado aos banqueiros, no que a ideologia dominante denomina “autonomia”, errou o cálculo do fluxo cambial do país em “apenas” 12 bilhões de dólares, tornando positivo o rombo na balança de pagamentos do último ano do governo Bolsonaro. Tudo leva a crer que também houve dolo nesse “pequeno equívoco”.

Um mínimo de rigor lógico e metodológico nos obriga a tomar os dois casos como retumbantes contraexemplos do que apregoa a retórica neoliberal do capitalismo financeiro, que coloca a privatização como a panaceia contra os descalabros estatais, criando o mito de que a administração privada é eficaz, racional e infensa à corrupção. Da mesma forma defende a autonomia do Banco Central, para blindá-lo das ingerências políticas do governo de plantão, porque na ideologia capitalista qualquer intervenção em defesa dos interesses da população é “ingerência política”, ao passo que toda política que favorece ao grande capital não é política, é “racionalidade econômica”.

Essa retórica é patente na escandalosa paridade de preços dos combustíveis do país com a cotação em dólar. Não obstante, a dilapidação da Petrobras a partir do virulento ataque da Operação Lava Jato (apoiada e dirigida pelo Departamento de Justiça dos EUA e pelo FBI, para atender aos interesses imperialistas desse país), grande parte do combustível consumido no Brasil é produzido em real por empresas e trabalhadores brasileiros. A cotação em dólar é um artifício indecoroso para catapultar de forma absurda os lucros dos grandes acionistas da empresa, sobretudo os estrangeiros. Mas essa política de preços que foi adotada, não por coincidência, logo após o golpe de 2016, não é apresentada como uma opção política que favorece os grandes especuladores nacionais e estrangeiros e penaliza a sociedade brasileira com elevação artificial do preço dos combustíveis, o que fatalmente faz dispara a inflação. Essa política não é apresentada como política, mas como “uma lei universal do mercado”, que deve reger as empresas e toda a economia. Por outro lado, se há alguma tentativa de reverter essa política em favor do povo brasileiro, a quem uma empresa estatal brasileira deve servir antes de tudo, explodem reações histéricas e furibundas na grande mídia capitalista, vituperando contra a ingerência “política na empresa”. Resumindo, só é política a política que contraria o interesse do grande capital. A política que favorece os interesses do grande capital não é política, é “racionalidade econômica”, que deve se basear em supostas “leis objetivas e universais do mercado”.

Essa retórica dos analistas econômicos da grande mídia capitalista e do famigerado “mercado” (leia-se agentes e agências que controlam o mercado de capitais) baseia-se supostamente nos primados da ciência econômica. Ocorre que toda ciência séria se fundamenta na verificação empírica das hipóteses que suas teorias geram sobre os eventos do mundo real, ou seja, suas predições devem ser comprovadas objetivamente nos fatos. Caso contrário, as teorias e os axiomas devem ser abandonados ou reformulados.

Mas o que vemos na ortodoxia neoliberal e seu apanágio da austeridade fiscal é que, mesmo diante dos retumbantes fracassos de suas políticas e da reiterada negação de seus princípios e predições pelos fatos mais gritantes, seus arautos mantêm a mesma ladainha, repetindo os mesmos mantras, de que o estado deve ser mínimo, porque é um antro de corrupção e ineficiência, e a livre concorrência do mercado é o melhor caminho para a promoção do progresso e do bem-estar da coletividade. Não importa que as políticas de austeridade fiscal (que só servem para garantir os lucros dos especuladores da dívida pública) provoquem sempre recessão e desemprego. Não importa que o aumento dos juros pelo Banco Central não tenha qualquer eficácia para combater a inflação (já que esta não é uma inflação de demanda), mas só sirva para manter a margem de lucro dos aplicadores financeiros. Não importa que as (contra)reformas que solapam direitos sociais não aumentem a oferta de emprego, nem impulsionem o crescimento da economia. Os dados são ululantes e contradizem todas as previsões dos arautos da ortodoxia econômica, mas os “analistas” da grande mídia corporativa e os “economistas” do mercado financeiro mantêm as mesmas avaliações e repetem o mesmo receituário neoliberal: cortar gastos e investimentos públicos (penalizando a sociedade), fazer superavit fiscal (garantindo a remuneração dos banqueiros) e eliminar direitos trabalhistas (aumentando a exploração dos trabalhadores).

Qualquer análise epistemológica minimamente rigorosa vai constatar que a chamada ortodoxia econômica há muito deixou de ser ciência (no sentido comumente aceito do que seja produzir conhecimento científico) e não passa de uma seita que propaga uma ideologia com um verniz cada vez mais ralo de conhecimento técnico e que serve cada vez de forma mais desabrida, ou mesmo cínica aos interesses dos grandes conglomerados capitalistas transnacionais.

E a história das ciências tem demonstrado que a supremacia de escolas e teorias não é determinada apenas pela análise racional de seus pressupostos e pela adequação empírica de suas hipóteses. Como toda atividade humana, a ciência também sofre influxos das relações de poder determinadas pela infraestrutura econômica, que plasmam as representações ideológicas que as legitimam. Assim, a hegemonia da chamada ortodoxia econômica, longe de derivar dos seus méritos intrínsecos e de sua adequação à realidade dos fatos, deve-se, sobretudo, aos vultosos recursos que são carreados para sua produção e difusão e do apoio maciço dos grandes meios de comunicação de massa às suas premissas, gestando o fenômeno do discurso único neoliberal, com o culto de todos os seus mitos, desde o famigerado ISO-9000 até as grandes falácias do “empreendedorismo” e da “meritocracia”, sem falar das máfias que se estabeleceram em torno das chamadas regras de compliance.

E o grande problema com que se depara hoje a humanidade é que essa hegemonia do discurso único neoliberal, que já se estende por mais de 40 anos, ao contrário do propagado fim da história, com inauguração de uma era de progresso sem fim, só tem produzido uma concentração absurda da renda, com um aumento estarrecedor da miséria, a elevação da exploração desumana do trabalho, tangenciando as condições de trabalho escravo (particularmente com advento dos chamados aplicativos), a desarticulação de sindicatos, partidos, instituições e até de Estados nacionais, a destruição irracional dos recursos naturais e o fim de qualquer mecanismo de proteção ao meio ambiente, porque nada pode se contrapor à voracidade da reprodução cada vez mais vertiginosa do capital.

No plano das mentalidades, assiste-se ao império de um individualismo selvagem e desmedido, que anula o próprio indivíduo como sujeito, reduzindo à condição de mercadoria e espetáculo. A vida deixa de existir enquanto tal e se transforma em representação midiática e internética. O grande princípio moral passou a ser o sucesso a qualquer preço, e tudo que é vendável (e gera lucro) é legítimo. A negação dos princípios básicos da racionalidade, do humanismo e da própria ciência criou o terreno fértil para todo tipo de negacionismo, fundamentalismo, preconceito e sectarismo. Cada vez mais as pessoas estão sendo guiadas pelo fanatismo religioso, pelo racismo, xenofobia, ou simplesmente pelo ódio a tudo que foge ao padrão imposto pelo binômio axial de toda a ideologia do neoliberalismo: liberalismo econômico e conservadorismo comportamental.

Pode-se dizer que essa articulação seria mesmo inexorável. A exploração violenta do homem e pelo homem sempre se baseou no racismo (sendo o exemplo máximo, a escravidão africana) e em todo tipo de preconceito e moralismo hipócrita, como instrumentos ideológicos necessários à sua legitimação. Portanto, nada mais natural que o liberalismo econômico se associe simbioticamente ao conservadorismo cristão mais reacionário e preconceituoso, criando a asquerosa figura do “cidadão de bem” (obviamente no gênero masculino).

Todos esses fatos só levam a uma conclusão inescapável. A propalada grande vitória do capitalismo, cujo símbolo maior foi a queda do muro de Berlim, longe de levar a humanidade ao ápice de sua história, só produziu o caos social, ambiental e moral, e deixou o planeta diante da perspectiva concreta do apocalipse ambiental ou nuclear, como a beligerância dos EUA e da OTAN fomentando uma guerra sem fim na Ucrânia prenunciam.

Combater a ideologia capitalista, especialmente em sua versão neoliberal, mais do que uma luta política, é parte central da luta pela sobrevivência do planeta e da própria humanidade.

Dante Lucchesi é Sociolinguista e autor do livro Língua e Sociedade Partidas (Contexto, 2015).

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