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O Álbum da Copa, um pouco de socialismo, e o futuro do teatro por Gil Vicente Tavares
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Ter, 03 de Junho de 2014 01:45

Gil_Vicente_TavaresUm chopp no Baixo Gávea. Uns chopps, na verdade, com meu amigo Francisco Bosco. Um dos melhores articulistas da atualidade perguntava-me sobre o (meu) teatro e lhe falei da ideia de um artigo.

 

Uma livre associação entre o álbum da Copa do Mundo 2014 e o teatro como a arte do futuro.

Ele se ajeitou e contou a história de um amigo, supondo, sabiamente, que ela me serviria de alguma forma. Um amigo seu descobriu que na escola do filho todos os meninos estavam acumulando as figurinhas e não queriam trocá-las em hipótese alguma; inclusive seu próprio filho. Ele marca uma reunião com os pais, apenas um apoia que se tome alguma atitude, todos os outros acham normal o comportamento dos meninos e a vida segue, cada pai e cada filho para um caminho diferente.

Pouco tempo depois, uma surpresa (surpresa?): os meninos que passaram a trocar as figurinhas completaram o álbum mais rapidamente, ou simplesmente completaram o álbum, enquanto os meninos que acumulavam suas figurinhas repetidas ficavam cada vez com mais figurinhas repetidas, e mais figurinhas repetidas, e mais figurinhas repetidas…

A primeira reação que tive à história é que eu podia ver ali uma ideia de socialismo, e, prontamente, lembrei-me de uma situação que vivi no teatro onde meu grupo apresentava nosso mais recente espetáculo, Quarteto. O porteiro, que já havia lavado meu carro, havia me interpelado para recitar uma poesia dele, ao que eu respondi que se ele gostava de poesia, que ele fosse ver a peça que estava em cartaz, no teatro. Ele me disse que se eu arranjasse convites, que iria. Pensei um segundo e respondi que poderíamos trocar um convite por uma lavagem do carro. Ele pensou o segundo dele e eu acrescentei: uma troca justa, não? Meu trabalho pelo seu. Ele aquiesceu.

Há que se pensar na praga do convite, algo antissocialista acima de tudo, visto que alguém pede para que você trabalhe para ele de graça. Geralmente, inclusive, sem que haja troca alguma. Seu dentista, advogado ou dono de bar recebe o convite para te “prestigiar” (ô, palavra asquerosa, parece favor…). Logo, ele que ganha bem mais que você, provavelmente, desfrutará de seu trabalho de graça, enquanto o contrário não acontece.

Curiosamente, a lista de profissões que elenquei, aqui, necessita da presença para que elas se efetivem. Não se extrai um dente via skype. Não se bebe um vinho por email. Não se defende uma causa pelo facebook.

Assim é, e por isso o teatro.

O mundo torna-se excessivamente virtual, inclusive nas presenças. É recorrente o compartilhamento de imagens, em redes sociais, onde pessoas estão em volta da mesa, num carro, num banco, todos focados em seus aparelhos eletrônicos, vivendo sua vida virtual, ou vivendo a vida dos outros, em busca de um relacionamento sem cheiro, toque, suor.

As crianças e adolescentes de hoje passam o dia entre tablets e dvds. Confinados em casa, estão cada vez mais sozinhos e teleguiados. A assepsia, a segurança, a letargia do virtual tranquilizam a família, satisfazem as crianças e adolescentes e… Satisfazem, mesmo? Por que diabos, com tantas opções virtuais de jogos, sites, impressoras, óculos 3D, por que diabos crianças e adolescentes estão colecionando figurinhas? Indo a bancas, comprar pacotes, buscando o zagueiro de Camarões, o volante da Alemanha, o atacante do Uruguai em papel impresso, real?

Um álbum de figurinhas é bem mais difícil. Não há site que possa baixá-las, nem tampouco trocá-las: é preciso que haja presença. E, no entanto, o álbum resiste e atrai.

Assim é, e por isso o teatro.

Sophie Taeuber, 1918

Talvez não seja nessa década. Nesse século. Mas a arte que vem sendo morta há eras e resistiu à igreja, ao rádio e ao cinema, também resistirá à internet. E ainda acredito que, em meio a tanta virtualidade, o teatro será um alívio, um respiro frente à falta da presença, do suor, da possibilidade do erro. Ao apagar as luzes na plateia, ou ao abrir-se um pacote de figurinhas, tudo pode acontecer diferente do que se pensa. É o imprevisível, o inusitado, o vivo, o momento.

Jamais cairei nas ondas do derrotismo, do boicote, do desejo do fracasso. Assim como Stefan Zweig dizia que o Brasil é o país do futuro – e acho que, aos trancos e barrancos, essa mistura, confusão e suingue podem ser ingredientes fortes para isso (basta organizar o samba sem pôr corda no bloco) –, assim penso eu do teatro.

Bertolt Brecht ansiava pelo momento em que suas peças não precisassem mais ser encenadas, pois os problemas evidenciados por ele não mais existiriam, e era um entusiasta do socialismo: via nele essa possibilidade de solução.

Mesmo num socialismo utópico, sem guerras por comida, dinheiro ou terras, haverá sempre uma guerra interna, na gente. É essa guerra que nos impele a amar, a preencher inúteis álbuns que nos satisfarão por um dia, um mês ou uma vida. O homem sabe que vai morrer. Sabe, em tese, mais ou menos, de onde veio. Sabe, em deuses ou cinzas, muito pouco pra onde vai. No meio disso tudo, existem nossos conflitos: diversos, intensos, esparsos, estranhos ou usuais.

Assim é, e por isso o teatro.

Artigo publicado originalmente em http://www.teatronu.com/cultura-e-cidade/o-album-da-copa-um-pouco-de-socialismo-e-o-futuro-do-teatro/

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Última atualização em Dom, 08 de Junho de 2014 23:50
 

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