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Noves fora…, por Fernando Horta

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Fernando_Horta

 

A saída de Temer era de duvidoso ganho para os trabalhadores. A votação do relatório negando prosseguimento à denúncia feita pelo Procurador Geral da República contra Michel Temer, nesta quarta, voltou a demonstrar a vergonha que sente o brasileiro de seu

Legislativo. Deputados mal preparados, ignorantes, incapazes de pensar em outra coisa do que em seus bolsos e utilizando o tempo e o dinheiro do contribuinte de forma que – com certeza – fere o decoro parlamentar são a imensa maioria. O deputado Wladimir Costa, que já havia tatuado no corpo dizeres em homenagem a Temer, foi flagrado em fotografias de Lula Marques numa conversa profundamente ofensiva e machista durante o tempo da votação. O histriônico deputado, que havia recebido mais de sete milhões de reais em “emendas” do seu homenageado, é o símbolo da atual câmara baixa: baixa, ignóbil e argentária. Os brasileiros estamos enojados.

 

Como tinha previsto o senador Romero Jucá, Temer foi protegido pelo mesmo bando que babava ignorância na votação do afastamento de Dilma. As capacidades preditivas de Jucá deveriam já ter chamado a atenção de procuradores e policiais, no caso de estarmos com “as instituições funcionando”. De fato, Jucá disse que “Cunha está morto, esquece o Cunha”, e ele estava certo. A votação de hoje mostra uma câmara vil com ou sem liderança. Cunha é dispensável e deveria começar a se preocupar com sua situação, na prisão.

Objetivamente, o afastamento de Temer não traria nenhum benefício para as lutas dos trabalhadores. É claro que teríamos um momento de regozijo vendo Temer sendo ameaçado de prisão, eis que perderia a proteção do cargo presidencial. Contudo, o algoritmo de sorteio no STF, juntamente com Gilmar Mendes e Alexandre de Morais não deixariam nada de mal acontecer ao vice-presidente. Aliás, Morais e Mendes se candidatam à melhor dupla de zaga da história do Brasil, Aécio Neves agradece.

Temer empenha todo seu capital político e compromete o orçamento brasileiro para se manter na presidência. Isto, no médio prazo, o enfraquece. É, no mínimo, duvidoso que ele tenha mais condições de continuar as reformas depois destes desgastes. A substituição de um golpista por outro (Temer por Maia) traria melhores ares aos que querem mais ataques aos trabalhadores. Meirelles já havia afirmado que ficava no governo, demonstrando onde reside o centro político de interesse do golpe, e as reformas seguiriam com até mais ânimo. Um governo novinho em folha seria uma vitória para as elites que deram o golpe.

Michel Temer continua com as mesmas preocupações, e agora aglutina mais algumas. Afora as delações de Cunha e dos irmãos Batista (JBS) no forno, Temer parece estar envolvido em toda a maracutaia no Brasil, há muito tempo. A esta fragilidade se junta, agora, o custo de uma turba de deputados que cobrará a fatura da votação de hoje. Não há a mínima possibilidade de uma coordenação política, em um governo sem legitimidade, que hipoteca o país para salvar a própria pele. E o preço vem aumentando.

A forma com que a esquerda brasileira escolheu combater a política golpista foi – no meu entendimento – a pior possível. A resistência institucional com instituições viciadas e controladas leva a uma série interminável de pequenas derrotas que minam o ânimo da população. Não há área ou assunto em que os progressistas não estejam sendo batidos. Desde decisões estapafúrdias na justiça, até um Ministério do Trabalho que age contra o trabalhador, um Ministério da Saúde que age contra médicos e cidadãos e um Ministério da Educação que destrói qualquer plano de melhoria na educação, ataca universidades, professores e faz tudo isto com efusivas rodas de reza dentro dos ministérios.

A opção pela “resistência pacífica”, institucional e pacata começa a cobrar um preço muito alto. A desmobilização da esquerda é evidente. Ninguém estava à frente do congresso durante a opera bufa de hoje. Nas conversas pessoais e nas redes sociais impera o sentimento de impotência, de distância e de desânimo. O cansaço, por causa de tantas adversidades, é o resultado lógico da estratégia de combate elegida (racionalmente ou não) desde antes do impeachment de Dilma. José Eduardo Cardoso, incansavelmente combatendo como advogado de Dilma o monstro que ajudou a criar enquanto era ministro, me parece uma imagem muito explicativa do momento atual.

Me preocupam duas coisas. Por um lado o desânimo, a crise econômica e a percepção de toda a esquerda por estar sem nenhuma opção de participação, leva a um exacerbar de ânimos. É como uma panela de pressão em que se fecha a válvula de escape. A pressão interna sobe e atos de violência são um resultado não apenas possível, mas provável. Especialmente quando os trabalhadores mais pobres em todos os cantos deste país começarem a ser afetados pelas “reformas” trabalhista e (talvez) previdenciária. Haverá um tempo em que muitos desejarão que a violência tivesse sido dirigida às janelas e vidraças. O Rio de Janeiro já experimenta suicídios.

Minha segunda preocupação é com o discurso fascista. O fascismo se alimenta do desânimo e da desconfiança para com a democracia e as instituições. O que Temer faz, apoiado por PMDB e PSDB (entre outros) é oferecer todas – absolutamente todas – as condições materiais e subjetivas para o crescimento do fascismo no Brasil. Um congresso corrupto que protege um presidente corrupto, com senadores dando entrevistas preditivas que são um escárnio para toda a população fermentam o caldo da ignorância e violência. Não há uma figura em todo o governo Temer e seu círculo próximo que não seja mal vista pela direita e pela esquerda. Isto fica claro nas pesquisas de aprovação.

Temer se coloca na condição de troféu histórico. Quem será o grupo social a sair dos limites da civilidade e apear este governo? É uma pergunta que assusta a quem estuda as sociedades. É uma pergunta que os juízes no Brasil estão ignorando. É uma pergunta que os políticos fingem não se fazer. É bom lembrar que todo o grande pacto social depende das pequenas noções de pertencimento e coesão entre os cidadãos, individualmente. Juízes que têm sua legitimidade na toga e nada mais, políticos que têm sua legitimidade nas vidraças do parlamento e um presidente que já perdeu toda a sua deveriam estar profundamente preocupados com o caminho que estão levando o país. O Brasil não tem armas suficientes para conter o ódio da direita e o desânimo da esquerda se eles vierem a transbordar. E não está longe.

Artigo publicado originalamente em http://jornalggn.com.br/blog/blogfernando/noves-fora

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