O alegre contestar. Ou por que não há mal nenhum nisso? Por Zeca Peixoto
Aos 16, ainda infante militante da Ação Popular Marxista Leninista (APML), integrava uma geração que titubeava assumir o carnaval como momento de ludicidade, aventura e certa dose de necessário hedonismo.
Adolescente e vivendo o outono do regime militar, era quase sacrilégio me tomar momentaneamente feliz quando um sistema violento oprimia a todos.
Recordo.
Ora, isso era prática de “desbundados” e afins. Alienação. Não convinha.
Lembro ter passado um carnaval inteiro lendo e debatendo política. Enquanto meu interior gritava à consciência: vai à rua, pula, bebe, edoidece, namora, vibra…
O celibato do sorriso no período momesco se apresentava quase como uma sharia para muitos setores da esquerda.
Neste ano da graça de 2017, após o povo brasileiro ser estuprado com o mais deletério de todos os golpes aqui perpetrados pelas elites, porque dissimulado de legalidade com a alavanca da destituição gradativa dos direitos sociais, não é que o carnaval se tornou a maior das ágoras de repulsa à quartelada facistóide-midiático-jucicializada?
Sim, dá para desbundar e protestar. Por que não? Que contradição há nisso?
Li comentários de alguns amigos dizendo-se preocupados com o “Fora Temer” movido a álcool.
Aqui em Salvador e de resto em muitas capitais e cidades deste vasto Brasil o carnaval de 2017 ficará para todo e sempre marcado pelo engajamento etílico-político.
Que bom!
A cada gole de cerveja, a cada passagem de artistas e organizações carnavalescas comprometidos ou não com a luta pelos direitos sociais e a restauração democrática, onde vingou o #ForaTemer valeu demais.
Muito!
E se a euforia se resumir apenas ao carnaval? Ué, já não foi um avanço?
Claro que sim.
Ou disputas de hegemonias têm narrativas escolhidas a dedo por supostos “geniais guias dos povos”, burocratas recalcados?
Menos.
Até porque muitos dos tais “geniais guias dos povos” poderiam se purpurinizar e sorrir mais se crêem que de fato lideram alguma mudança.
Ao fim e ao cabo, a gente sabe que eles não têm certeza disso.
Portanto, o carnaval #ForaTemer2017 serve não apenas de reflexão às estratégias de luta, mas sobretudo à compreensão de que a linguagem política é também corpórea e se contrapõe com muita eficácia à férrea biopolítica dos controles orquestrados.
Certa feita, nos idos dos 70, jovens alemães do grupo de esquerda Baader Mein Half foram flagrados por dirigentes da Organização Para Libertação da Palestina (OLP) quando se encontravam em treinamento num campo da OLP, próximo à cidade do Cairo, Egito.
Estavam quase todos nus numa tremenda festa. Casais celebravam, bebiam e faziam amor. Eis que taciturnos “guias dos povos” da OLP os abordaram: “O que estão fazendo?”. Foi quando um dos jovens respondeu com assertividade: “a revolução”.
Quem sabe se lá atrás, ao invés de treinarmos sob a batuta de pequenos “geniais guias dos povos”, não fossemos às ruas levar a luta com alegria e desbunde a ditadura não tivesse sucumbido bem antes?
Talvez hoje fossemos mais pagãos, menos hipócritas e mais revolucionários.
Com certeza.