Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

O Espírito chega antes do missionário por Leonardo Boff

3 - 4 minutos de leituraModo Leitura

Um dos efeitos do processo de mundialização – que vai muito além de sua
expressão econômico-financeira – é o encontro com todo tipo de tradições
espirituais e religiosas. Instaurou-se um verdadeiro mercado de bens simbólicos
no qual os vários caminhos, doutrinas, cerimoniais, ritos e esoterismos são
oferecidos para atender à demanda de um número crescente de pessoas, geralmente,
fatigadas pelo excesso de materialimso, racionalismo, consumismo e
superficialismo de nossa cultura convencional.


 Por detrás deste fenômeno
há uma busca humana a ser entendida e também a ser atendida. O espiritual e o
místico, à revelia das predições dos mestres da suspeita como Marx, Freud e
Nietzsche, estão voltando com renovado vigor. Eles revelam uma dimensão
esquecida do ser humano, vista pelos modernos, mais como expressão de patologia
do que de sanidade. Hoje, entre os estudiosos das ciências da religião, ela está
resgatando sua cidadania. Tem seu assento na razão sensível e cordial que não
substitui mas completa a razão científico-calculatória. Nela se elaboram os
grandes sonhos e surgem as estrelas-guias que dão rumo à nossa vida. A religião
desvela o ser humano como projeto infinito e lhe brinda o objeto adequado que o
faz descansar: o Infinito.

 Os cristãos têm especial dificuldade no
diálogo com as religiões. Sustentam a crença de que são portadores de uma
revelação única e de um Salvador universal, Jesus Cristo, o Filho de Deus
encarnado. Em alguns, esta crença ganha foros de fundamentalismo, dizendo, sem
atalhos, que fora do Cristianismo não há salvação, repetindo uma versão de cariz
medieval. Outros, a partir da própria Bíblia e de uma reflexão teológica mais
profunda, sustentam que todos os seres humanos, também o cosmos, estão
permanentemente sob o arco-iris da graça de Deus. Para os primeiros onze
capítulos do Gênesis, nos quais não se fala ainda em Israel, como "povo eleito",
todos os povos da Terra, são povos de Deus. Isso permanece válido até os tempos
atuais.

 Ademais, dizem as Escrituras que o Espírito enche a face da
Terra, perpassa a história, anima as pessoas a praticarem o bem, a viverem na
verdade e a realizarem a justiça e o amor. O Espírito chega antes do
missionário. Este, antes de anunciar sua mensagem, precisa reconhecer as obras
que este Espírito fez no mundo e prolongá-las.

 O Cristo não pode ser
reduzido ao espaço palestinense. Ao assumir o homem Jesus de Nazaré, o Filho se
inseriu no processo da evolução, tocou a realidade humana e  ganhou uma dimensão
cósmica. Coube ao teólogo franciscano Duns Scotus na idade média e a Teilhard de
Chardin nos tempos modernos apontar que o Filho está presente na matéria e nas
energias originarias e que foi densificando sua presença na medida em que se
realizava a complexidade e crescia a consciência até irromper na forma de Jesus
de Nazaré. Esta individuação não diminiu seu caráter divino e cósmico, de forma
que pode irromper, sob outros nomes e sob outras figuras que revelam em suas
vidas e obras a cercania do mistério de Deus. Para evitar certa
"cristianização"do tema, podemos falar, como o fazem grandes tradições, da
Sabedoria/Sofia. Ela está presente na criação, na vida dos povos e especialmente
nas lições dos mestres e sábios. Ou se usa também a categoria Logos ou Verbo que
revela o momento de inteligibilidade e ordenação do universo. Ele não fica uma
Energia impessoal mas revela suma subjetividade e suprema
consciência.

 Estas visões ancoram nossa  vida num sentido bom que nos
permite suportar os avatares desta cansada existência.

Compartilhar:

Mais lidas