O impeachment como remédio por Mauro Santayana
A evocação é inevitável. Quando
o nome do advogado-geral da União, Gilmar Mendes, foi encaminhado ao Senado,
para ocupar uma das cadeiras do STF, muitos manifestaram estranheza. O libelo
mais forte coube ao professor Dalmo Dallari. Em artigo publicado antes da
votação, o mestre paulista advertiu que, aprovado o nome do advogado-geral da
União, estariam "correndo sério risco a proteção aos direitos no Brasil, o
combate à corrupção e a própria normalidade constitucional". Dallari lembrou que
Gilmar, derrotado no Judiciário, "recomendou aos órgãos do Poder Executivo que
não cumprissem as decisões judiciais".
Outro caso, lembrado por Dallari, foi o
de que a Advocacia-Geral da União, cujo titular era Gilmar, havia pago R$ 32.400
ao Instituto Brasiliense de Direito Público, do qual o atual presidente do STF
era um dos proprietários, a fim de que seus subordinados ali fizessem
cursos.
Advogados, como o ex-presidente da OAB
Reginaldo de Castro, e alguns jornalistas, entre eles este colunista,
consideraram que faltavam ao indicado títulos para a alta posição. O fato de
haver freqüentado universidades estrangeiras não era recomendação suficiente.
Inúmeros ostentam este mesmo título. Há, mesmo, os que se fizeram professores em
renomados centros universitários europeus e americanos, e nem por isso foram
convocados à alta magistratura nacional. Sua carreira era relativamente curta. A
muitos incomodava o comprometimento com o governo Collor – a quem serviu, na
Secretaria da Presidência, até o impeachment – e com o de Fernando Henrique. Com
Itamar no Planalto, o senhor Gilmar Mendes se transferiu para o Poder
Legislativo.
Cabia ao advogado, no governo de
Fernando Henrique, examinar e redigir os projetos de lei e medidas provisórias.
Algumas dessas medidas foram consideradas inconstitucionais e, com ligeiras
modificações, reeditadas. O mais grave é que ele se encontrava subjudice,
processado por improbidade administrativa – conforme a denúncia de Dallari –
quando seu nome foi levado à Comissão de Justiça do Senado para ocupar a vaga no
Supremo. O fato foi comunicado à Câmara Alta, mas o rolo compressor do governo
quebrou a resistência da maioria dos senadores. Ainda assim, seu nome foi
recusado por 15 parlamentares. Normalmente não há tão expressiva manifestação
contrária às indicações presidenciais para o STF. A Associação dos Magistrados
Brasileiros também se opôs à sua nomeação. Mais ainda: o Ministério Público
questionara, antes, a presença de Gilmar, que pertencia a seus quadros, na
Advocacia-Geral da União.
Permito-me citar trecho de artigo que
publiquei no Correio Braziliense, no dia mesmo em que o nome do advogado Gilmar
Mendes foi levado à Comissão de Constituição e Justiça do
Senado:
"De um juiz se pede juízo. O
advogado-geral da União excedeu-se no desempenho de suas funções, e excedeu-se
também nas relações necessárias com o Poder Judiciário e com o Ministério
Público. A firmeza na defesa dos atos governamentais, e das teses jurídicas em
que eles possam sustentar-se, não permite o desrespeito para com os que tenham
posição diferente. O senhor Gilmar Mendes poderia criticar, com alguma razão, o
desempenho do Poder Judiciário, desde que ele atribuísse a deficiência ao
acúmulo de leis confusas e conflitantes, situação constatada por todos os
magistrados, e o fizesse em termos serenos. Mas se esqueceu o aclamado jurista
de que tais leis, em sua maioria, procedem da incompetência do próprio Poder
Executivo, a maior fonte legislativa destes últimos anos, com suas medidas
provisórias, portarias, decretos, normas – e memorandos". Até aqui o texto de
maio de 2002.
Quando Gilmar, como advogado-geral da
União, recomendou aos órgãos públicos que não cumprissem ordens judiciais,
excluiu-se eticamente do direito de pertencer ao Poder
Judiciário.
Apoio na
Constituição
Soube-se ontem à
noite que um grupo de cidadãos de São Paulo se articula para pedir ao Senado
Federal o impeachment do ministro Gilmar Mendes, de acordo com o artigo 39, item
V da Constituição Federal, combinados com os artigos 41 e 52, II, da Carta
Maior. Conforme dispõe a Constituição, qualquer cidadão, de posse de seus
direitos políticos, pode solicitar o impeachment de um membro do
Supremo.
Publicado originalmente no JB de
14.07.08