Aldeia Nagô
Facebook Facebook Instagram WhatsApp

O incrível salto do hip-hop, com todos os seus movimentos. Por Rosita Boisseau

8 - 12 minutos de leituraModo Leitura

Apesar de conquistar jovens do mundo inteiro que o
transformaram numa arte de múltiplas facetas, o estilo permaneceu em
margem lá onde ele nasceu, em Nova York, nos anos 70


É pura energia concentrada e liberada, mais forte que
uma bomba! Quem não curte a dança hip-hop, procriada pelo Movimento
surgido no final dos anos 70 nos Estados Unidos, que combinou o rap com
a arte dos "grafiteiros", a pichação de rua estilizada? Uma arte do
asfalto, do gueto, cujo parto aconteceu em Nova York, ela surge em meio
às minorias negras, as do Bronx em particular, um bairro
particularmente assolado pela pobreza, o racismo, a guerra das gangues.

A
expressão a mais exata da coragem de viver e da enorme dificuldade de
encontrar seu lugar numa sociedade que o rejeita, o hip-hop junta os
cacos de uma identidade individual que explodiu e, ao mesmo tempo,
reúne e consolida as bases de grupos sociais marginalizados. Um
fenômeno popular, urbano e também político, o hip-hop quer acreditar
que é possível reverter o destino. Esse sabor universal explica a sua
migração ultra-rápida na escala internacional, que fez com que ele
recebesse traduções muito peculiares e originais pelo mundo afora,
inclusive na França onde ele começou a se impor em meados dos anos 80.

A
expressão "hip-hop" significa ao menos duas coisas. "Hip", que vem da
gíria negra americana, se refere aos que estão "por dentro", enquanto
"hop" significa dar pulos, saltar, e também baile, dança. Uma expressão
tônica, o hip-hop faz jorrar a emoção da explosão no mesmo momento em
que o som explode nas caixas de som, nas festas da molecada.
Localizadas nas ruas, ou em casas e apartamentos sem proprietário, com
apenas um equipamento ligado no poste de energia o mais perto, as
festas hip-hop se multiplicam no Bronx e em Harlem. Formando círculos
na pista, os dançarinos executam suas figuras acompanhando as
deflagrações do ritmo visceral de "beats" tonitruantes mixados por DJs
que "scratcham" – o movimento de vai-e-vem da agulha sobre o disco de
vinil – mais rápido do que a sua própria sombra.

Emblemática, a
"break dance", um estilo de dança no solo de origem nova-iorquina, gera
façanhas físicas e malabarismos nunca vistos. Os corpos giram sobre a
cabeça, transformam-se em piões com as costas no chão, tricotam com as
pernas em todos os sentidos. O "break" (que significa "quebrar", mas
também "estourar") dá livre curso às suas acrobacias fulgurantes, nas
quais os corpos arremessados com toda velocidade e transpondo seus
limites com uma jubilação voraz. Executado em pé, o "smurf", que
consiste em fazer o corpo ondular e se contorcer tal um funâmbulo sobre
um fio de alta tensão, inspirava-se nos famosos anões azuis, heróis de
HQ, e era praticado com luvas brancas. Originário da Costa oeste, o
"locking" se caracteriza pelos dedos indicadores apontados para cima,
as rotações da bacia e os seus movimentos de cotovelos voltados para o
exterior.

Que ela seja praticada na costa oeste ou leste, a
dança hip-hop exige um treinamento rigoroso, uma grande intransigência
para alcançar os píncaros do virtuosismo. Mas ela não se limita a ser
uma exibição de perícia física. A sua mensagem positiva se desenvolve
por intermédio da influência de um líder carismático, Kevin Donovan,
mais conhecido pelo nome de Afrika Bambaataa.

Num período
particularmente conturbado em que gangues rivais se enfrentavam até a
morte no Bronx, conta a história que um dos seus melhores amigos,
Soulski, que era um integrante assim como ele da gangue dos Black
Spades, foi abatido por policiais. Chocado pelo ocorrido, Afrika
Bambaataa decide então mudar de vida e torna-se DJ. É por meio das suas
apresentações musicais que aprimora e faz circular uma mensagem
não-violenta.

Donovan resolve adotar um nove nome, o de um chefe
zulu que combateu os colonos ingleses. Em 1974, ele funda a Zulu
Nation. Uma ousada mistura de todas as nacionalidades e cores, a dança
atrai e reúne jovens de todas as origens e credos, e lembra as origens
africanas dos negros americanos. Às pulsões negativas da gangue, ela
substitui os valores positivos da paz e do respeito, que canalizam a
energia por meio de desafios coreográficos. Com os riscos físicos
assumidos que ela implica, a dança levanta-se contra a violência, a
brutalidade. No mundo inteiro, todos os aprendizes de hip-hop, entre os
quais se destaca a gangue da Rock Steady Crew, se reclamam da liderança
de Afrika Bambaataa.

Recentemente, em 2005, Afrika Bambaataa,
que continua até hoje por dentro no plano musical, esteve de passagem
por Marselha. Contudo, ele deixou frustrados muitos dos seus
admiradores franceses. "A gente achava que ele fosse falar com a turma,
para evocar o movimento, o seu espírito", lamenta o coreógrafo hip-hop
Hamid Ben Mahi. "Mas não aconteceu nada. Fiquei um pouco decepcionado.
Ao que tudo indica, para ele o passado já era e está encerrado".

Mas,
vamos voltar para os anos 80. A dança hip-hop irrompe nas periferias
francesas. Desde o início, ela cativa os jovens "Black Blanc Beur"
(negros, brancos, árabes e mestiços), conforme o nome adotado pela
companhia pioneira lançada em 1984 por Jean Djemad. Graças ao cinema,
por efeito de filmes tais como "Break Street 84" ou "Beat Street", e
aos shows televisivos, ela se desenvolve e os seus seguidores se
multiplicam.

Muitos são os atores do movimento que se lançam,
copiando as figuras vistas na telinha. Max-Laure Bourjolly, da
companhia Boogi Saï, que tinha 12 anos na época, treina na frente do
seu espelho até rasgar o carpete. O mesmo acontece com Hamid Ben Mahi
que, por sua vez, tem 11 anos quando se apaixona à primeira vista pelo
break. "Os movimentos eram tão rápidos que a gente tinha a impressão de
estar assistindo a um filme cujas imagens passavam em rotação
acelerada", recorda-se Bem Mahi, rindo.

Esta transmissão pela
imagem é típica do hip-hop: é imitando passo a passo as seqüências de
gestos, às vezes dedicando meses a treinar um único movimento, que os
dançarinos vão rivalizar com os seus colegas americanos.

Enquanto
alguns conseguem superar seus modelos, os outros, ao menos, inventam um
estilo próprio. Na França, uma das bases mais importantes dessa
evolução são os programas radiofônicos do DJ Sidney, que foi rebatizado
como "Sr. Culto do rap". Primeiro, na Rádio 7 com o programa "Rapper
Dapper Snapper" em 1982, e, dois anos mais tarde, no canal de TV TF1,
com "H.I.P H.O.P", o DJ Sidney apresenta para o grande público todos os
principais pioneiros franceses do gênero, tais como Franck II Louise,
Gabin Nuissier…

Aquele que mais tarde revelaria "eu não me
dava conta nem um pouco de tudo o que o hip-hop iria desencadear",
convida Afrika Bambaataa, e também os dançarinos do New York City
Breakers, com os quais ele treina nos corredores da muito séria Radio
France.

Desde o início dos anos 90, a dança hip-hop passou a se
exibir nos teatros. A sua institucionalização, um fenômeno tipicamente
francês que obviamente tem também muitos detratores, lhe confere uma
amplidão irreversível. Os dançarinos e os coreógrafos passaram do
número concebido para um show ou uma casa noturna para espetáculos
sofisticados, da demonstração de virtuosismo para a encenação de um
mundo.

Mas, para dar o salto, a partir da rua ou do pátio do
conjunto habitacional até a sala escura, a questão das letras torna-se
crucial. Um passo de gigante que exigiu um trabalho pesado e um
processo de criação muito tenso.

Lugares tais como o Teatro
Contemporâneo da Dança, em Paris, festivais tais como o Suresnes
Cidades Dança ou os Encontros de la Villette impulsionam o movimento.
As estrelas americanas Doug Elkins ou a Rock Steady Crew neles se
apresentam enquanto as companhias francesas começam a se estruturar –
elas têm por nomes Farid Berki, Mourad Merzouki, Kader Attou ou
Stéphanie Nataf -, injetando aos poucos nos seus espetáculos as
sementes férteis das suas origens, que elas sejam árabes, africanas ou
latinas.

Apesar de a dança hip-hop ainda enfrentar dificuldades,
sobretudo para conquistar seu status de forma de arte, ela rejeita a
armadilha social na qual muitos querem aprisioná-la, e afirma sua
legitimidade artística. Os expoentes do hip-hop querem acabar com "o
complexo do oprimido", segundo a expressão de Farid Berki, que visa a
reduzi-los a clichês. Enriquecendo a sua prática junto a coreógrafos
contemporâneos, os praticantes do hip-hop também injetaram uma
eletricidade mordaz em algumas das suas criações, mesmo que correndo o
risco, de vez em quando, de se sentir "recuperados". Os
"contemporâneos", tais como José Montalvo e Dominique Hervieu, Zaza
Disdier, Blanca Li, Dominique Rebaud, Nathalie Pernette e muitos
outros, souberam capturar o espírito generoso, a verve ofensiva de um
movimento junto ao qual a moda – no sentido amplo desta palavra – vem
abastecer.

Em contrapartida, nos Estados Unidos, os dançarinos
seguem atuando mais ou menos em margem. Quando Hamid Ben Mahi parte
para estudar na escola de Alvin Ailey em Nova York, no final dos anos
90, ele sonha encontrar as figuras míticas que deram combustível para a
sua vocação. Após ter procurado por elas durante um bom tempo, ele as
encontra em casas noturnas, em ginásios de Chinatown e do Bronx. Nas
ruas, também. Na Internet, por intermédio da qual as convocações para
as "batalhas" circulam, ele se conecta com o "B. Boy World"
nova-iorquino.

No mesmo momento, as "batalhas", esses
campeonatos de dança hip-hop, se multiplicam na França e passam a
integrar uma rede internacional. Mais underground, eles valorizam a
performance, a invenção gestual, assim como uma certa contestação.
Paralelamente, aumentam as discrepâncias entre os partidários das
"batalhas" e os da dança chamada "de criação". Alguns estilos
históricos desaparecem aos poucos. É o caso do "smurf" ou do "locking".
"Os jovens possuem um virtuosismo incrível, mas eles estão perdendo de
vista a origem do hip-hop, o seu espírito que faz dele, muito além de
uma técnica, um pensamento do corpo e do mundo", insiste Hamid Ben Mahi.

Num
sinal da irresistível ascensão e do crescente poderio da dança hip-hop,
ela se torna não só uma arte no sentido pleno da palavra, como também o
passa-tempo de centenas de praticantes que lotam os cursos de dança.
Dentre os recém-chegados do movimento, com os quais vai ser preciso
contar daqui para frente, segundo Hamid Ben Mahi, devem ser citados os
Coreanos, furiosos competidores, e os guineenses, já reunidos em
federações de dança. O combate hip-hop invadiu o planeta, tornando-se a
linguagem comum de jovens que vivem a anos-luzes uns dos outros. Uma
vitória inacreditável.

Para entender melhor a evolução do
movimento, de um ponto de vista global, vale acessar dois sites na
Internet (em inglês): www.zulunation.com e www.bboyworld.com.

Publicado originalmente no Le Monde
Tradução: Jean-Yves de Neufville

Compartilhar:

Mais lidas