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O perigoso avanço do fascismo no Brasil e o Leviatã de Hobbes. Por Lúcia Helena Issa

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Lucia_Helena_Issa

Recebo hoje, um pouco longe do Rio e ainda mais longe das certezas que eu costumava ter de que o fascismo, as execuções, os atentados políticos jamais voltariam a acontecer no Brasil, a notícia dos mais de 20 vinte tiros disparados no acampamento em Curitiba, onde se encontram apoiadores de Lula, os que sonham com um Brasil menos arbitrário.

Recebo hoje a notícia de que Jefferson Lima de Menezes, de 39 anos, foi ferido no pescoço e foi levado em estado grave para uma Unidade de Pronto Atendimento da cidade.

O autor do ataque seria um homem que se aproximou do acampamento de carro e realizou mais de 20 disparos, a perícia encontrou cápsulas de munição 9 milímetros no local, munição de uso exclusivo das forças armadas.

Com perplexidade, descubro que desde o dia em que houve a mudança de local de acampamento, cumprindo a ordem judicial, integrantes do acampamento haviam sido atacados na região. Sim, a coordenação da vigília já havia pedido o apoio de viaturas e isso era parte do acordo feito no local.

Os indícios de que algo grave poderia acontecer eram imensos. A caravana de Lula , onde estavam jornalistas que cobriam as travessias pelo sul do Brasil , já havia sido atacada a tiros. Mas nada foi feito para proteger as milhares de vidas humanas que se encontram em Curitiba.

Ao contrário, a cada dia, uma parte da sociedade civil, das corporações, do judiciário e até mesmo alguns membros da Igreja alimentam perigosamente o fascismo, o ódio a qualquer um que pense de forma diferente, aos movimentos sociais, aos mais pobres, aos ‘ comunistas’ que, para essas pessoas estão em todos os lugares e debaixo de todas as camas. A cada dia um rio de ódio, com diferentes afluentes, parece fluir com mais força e desaguar em um mar de cegueira, surdez, xingamentos virtuais e agora também em tiros.

A quem interessa que o fascismo, o ódio ao Estado, a intolerância religiosa e até execuções políticas nos definam como nação?

A quem interessa que o ódio e o fascismo agora sejam o rio mais caudaloso que hoje atravessa todas as cidades, até mesmo as menores do Brasil? A quem interessa que o Brasil perca seus jovens para a violência de grupos sectários que mais parecem as milícias italianas que deram origem aos Camisa Negras da década de 30? A quem interessam as injustiças do judiciário, o ódio de todos contra todos, esse clima em que todos são o lobo de todos,como no livro do inglês Thomas Hobbes?

A quem interessa o ” Leviatã”, o mosntro descrito por Hobbes, a serpente que , em meio ao caos e ao ódio de todos contra todos, descumpre o pacto feito com os homens e os devora?

Quem vem alimentando o Leviatã do fascismo no Brasil?

Por que , nas primeiras manifestações com chicotes e relhos e agressões contra mulheres no sul do Brasil , a polícia nada fez para conter o ódio e a violência? Por que assassinatos como o da missionária americana Dorothy Stang no Pará ou de Marielle Franco no Rio não envergonham a todos, ao Brasil inteiro como nação?

Por que alguns fazendeiros e até estudantes daquela região tentaram promover um evento há poucos dias denegrindo a memória da missionária assassinada?

Por que tem sido alimentado o fascismo de fundamentalistas cristãos que agridem refugiados, agridem muçulmanos e agridem até mesmo jornalistas como eu, que denunciam a intolerância?

O Fascismo italiano, como escrevi há algumas semanas, só passou a ganhar força quando as Milizie Volontarie per la Sicurezza, os grupos de jovens fascistas, que depois ficariam conhecidos como Camisas Negras, passaram a contar com a cumplicidade da sociedade civil, de uma parte do judiciário italiano da época e da polícia de Roma.

Até quando alimentaremos o Leviatã , o monstro do egoísmo, do desrespeito pelo outro, da intolerância religiosa, do ódio aos movimentos sociais e à esquerda em geral?

Até quando alimentaremos o Leviatã da indiferença à dor do outro e agora também a indiferença aos tiros que atingem nosso irmão, atingem a democracia, o Estado de Direito e esperança de milhares de pessoas?

Os nossos netos nos perguntarão um dia como o ódio político chegou a esse ponto, como pessoas atiraram num acampamento, e se nós estávamos entre os que alimentavam o ódio ou entre os que o combatiam.

Lúcia Helena Issa é Jornalista, escritora e ativista pela paz. Foi colaboradora da Folha de S.Paulo em Roma. Autora do livro “Quando amanhece na Sicília”

Artigo publicado originalmente em https://www.brasil247.com/pt/colunistas/luciahelenaissa/352989/O-perigoso-avan%C3%A7o-do-fascismo-no-Brasil-e-o-Leviat%C3%A3-de-Hobbes.htm

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