Aldeia Nagô
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O PT, a decisão do STF contra Aécio Neves e a defesa da soberania popular por Eduardo José Santos Borges

4 - 6 minutos de leituraModo Leitura
Luis_Nassif3

Muito se falou e ainda vai gerar muita contenda na semana que entra,  o fato do PT ter se posicionado a favor de que o Senado cancele a punição do STF a Aécio Neves.

Não vou perder tempo em me aprofundar em algum tipo de julgamento ao posicionamento do Partido dos Trabalhadores (isso já tem sido feito exaustivamente pela própria esquerda), mas entendo ser esse caso uma ótima oportunidade para iniciarmos (talvez já com algum atraso) um sério e efetivo debate sobre dois temas: o equilíbrio entre os poderes na atual conjuntura política brasileira e o respeito à soberania popular.

Além da questão do equilíbrio entre os poderes, a oportunidade também favorece a uma reflexão sobre o papel da justiça e, por tabela, do STF, na dinâmica da democracia brasileira. Nos últimos anos temos visto (muito por conta da omissão do legislativo) um judiciário estabelecendo, debatendo e decidindo sobre as principais pautas do país. Em termos político, o STF tem se colocado como o grande bastião da moralidade pública a definir quem presta e quem não presta no escopo politico brasileiro. A que tipo de sociedade serve um judiciário tão poderoso? Recorro a duas frases de dois pensadores que me são caros, do primeiro, o filosofo inglês Francis Bacon, retiro a ideia de que “a verdade é filha do tempo, não da autoridade”. Do segundo, o também inglês Thomas Hobbes, uso o latim para ficar mais sofisticado, disse ele:”veritas, non auctoritas, facit legem”, tradução: a verdade, não a autoridade, faz a lei.

Perceba que o tema central das duas frases é o exercício da autoridade. Em contraposição, temos a verdade como alternativa ao excesso de autoridade. No Brasil, hoje, o STF, diante de sua posição central como uma Casa que debate e decide os rumos do funcionamento da sociedade e do ordenamento jurídico que a permeia, tem se constituído como nosso maior exemplo de autoridade. Mas seria a verdade, uma filha dileta de nossa suprema corte? Ou vamos nos arrepender mais tarde quando o tempo vier reivindicar sua paternidade?

Retiro o seguinte trecho do documento petista: “Não existe a figura do afastamento do mandato por determinação judicial. A decisão de ontem é mais um sintoma da hipertrofia do Judiciário, que vem se estabelecendo como um poder acima dos demais e, em alguns casos, até mesmo acima da Constituição.” Definitivamente, tem que se fazer um exercício hercúleo para se entender que o PT está defendendo Aécio Neves. Ao defender a autonomia do legislativo para resolver problemas referentes aos seus membros, o PT está apenas dizendo à justiça, que os problemas da política, quem resolve é a própria política.

Ainda que o STF seja uma das engrenagens de nosso sistema democrático, não podemos perder de vista que o representante legítimo da vontade do povo (pelo fato de se submeter ao escrutínio popular) é a Câmara e o Senado. Se deixarmos a justiça fazer política, para que precisamos da política? A função de guardião da Constituição, não dá ao STF a prerrogativa de decidir politicamente. Recorrendo novamente a Thomas Hobbes, a autoridade representada pelo STF não pode ser tomada como verdade absoluta, pois ao admitirmos isso, estaríamos transferindo soberania a uma instituição sobre a qual não temos nenhuma possibilidade de exercermos controle.

Certamente que os críticos da posição petista partem do pressuposto de que nossa classe política não tem moral suficiente para julgar seus pares. No atacado isso é uma verdade, mas no varejo do jogo político democrático, ao concordarmos com isso, sem lutarmos por mudanças nessa dinâmica, é simplesmente abdicarmos da possibilidade de interferirmos na realidade. É desistir de termos uma utopia. É simplesmente transferir de um poder para o outro o monopólio da verdade, quando a verdade, em uma democracia, tem que estar sempre respaldada pela vontade popular.

Em 2018 teremos novas eleições e com elas a oportunidade de escolhermos melhor nossos representantes. Será que se tornando refém voluntário das decisões do STF, fortalecendo a instituição como a grande e única referencia da “verdade”, não estaríamos terceirizando nossa soberania? Para que serve o voto em alguém ou em algum projeto, se no final é ao STF que iremos sempre recorrer?

Se tomasse o caminho do revanchismo e fizesse coro com a decisão da suprema corte, onde ficaria a sustentação da narrativa petista de que o nosso judiciário atua com seletividade em suas decisões? O oportunismo é um dos grandes refúgios dos canalhas, e o PT tem sido sua vítima por algum tempo. Hoje, momentaneamente, e após chegarmos a uma condição quase que inevitável, a vítima é o senador Aécio Neves. Mas, sabemos todos, isso é um grande ponto fora da curva, amanhã, quando voltarmos à normalidade, um petista voltará a ser a bola da vez. E, nesse caso, como fica a narrativa de que devemos questionar o fato de que nosso judiciário esta agindo como agente político?

No fundo, o que o PT fez, independente de qual tenha sido a leitura estratégica do partido ao tomar essa decisão, foi defender a soberania popular. Se esse ato ajudou momentaneamente a Aécio Neves, é porque não se pode fazer um omelete sem quebrar alguns ovos. E se o Senado, amanhã, salvar a cabeça de Aécio Neves, nós, povo brasileiro, ainda teremos o poder de em 2018 cortar a cabeça de todos eles. Tudo isso respeitando a Constituição, o equilíbrio dos poderes, a democracia brasileira e, principalmente, sem abrirmos mão da soberania popular.

Eduardo José Santos Borges – Doutor em História – Professor de História Moderna na UNEB/Campus XIV
Artigo publicado originalmente em

http://jornalggn.com.br/noticia/o-pt-a-decisao-do-stf-contra-aecio-neves-e-a-defesa-da-soberania-popular-por-eduardo-borges

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