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O que está em jogo na resolução da ONU que condena os assentamentos israelenses. Por João Paulo Charleaux

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O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou nesta sexta-feira (23) uma resolução que condena a construção de assentamentos israelenses em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia, ambos territórios reivindicados por palestinos numa das mais antigas e intrincadas disputas territoriais do mundo.

A resolução não tem efeito prático imediato. Ela não obriga os israelenses a entregarem terras aos palestinos ou a recuarem dos assentamentos já construídos. Ela tampouco prevê a aplicação de sanções, congelamento de bens ou uso da força, como acontece nas resoluções mais fortes adotadas pelo Conselho de Segurança – que é o único órgão das Nações Unidas autorizado a adotar essas medidas.

Mesmo assim, a adoção da resolução foi considerada um dos eventos mais relevantes da disputa entre palestinos e israelenses nos últimos anos, pois:

  • marcou uma mudança de postura dos EUA, que é o principal aliado de Israel, mas se absteve na votação, em vez de vetar a resolução, como vinha fazendo desde 1979
  • declarou os assentamentos israelenses em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia ilegais de acordo com as normas do direito internacional
  • determinou que a construção de novos assentamentos deve parar imediatamente
  • afirmou que a construção dos assentamentos ameaça a possibilidade da criação de um futuro Estado palestino

Os assentamentos são polêmicos, pois efetivam, na prática, a posse israelense sobre territórios reivindicados há décadas pelos palestinos. O entendimento de que os israelenses ocupam uma terra que não lhes pertence já havia sido manifestado por outros órgãos e relatores das Nações Unidas, e até pela Corte de Haia, tribunal internacional responsável por dirimir disputas entre países, numa decisão de 2004.

Mesmo assim, parte da sociedade israelense, incluindo o partido que agora está no poder, o Likud, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, de direita, apoia a construção de assentamentos e a ocupação dos territórios em disputa.

Disputas já levam mais de 70 anos

FOTO: JIM HOLLANDER/REUTERS – 29.02.1988

Protestos e confrontos na Faixa de Gaza

MULHER PALESTINA ERGUE PEDRA CONTRA MILITAR ISRAELENSE QUE APONTA FUZIL

O impasse teve origem em 1947, quando as Nações Unidas determinaram a criação de um Estado árabe e outro judaico na região hoje disputada por palestinos e israelenses. Na época, Israel aceitou a resolução, mas os países árabes, se opuseram a ela.

Em 1948, depois de um conflito entre os dois lados, Israel expandiu militarmente seu domínio na região. Esse movimento se repetiria em 1967, na Guerra dos Seis Dias, quando os israelenses estenderam os limites de sua fronteira sobre territórios reivindicados por países árabes e pelos palestinos, incluindo os territórios mencionados agora na resolução.

Apenas 25 anos depois, em 1993, o governo israelense se comprometeria a recuar – em parte – aos limites de fronteira pré-1967, nos termos de um processo que ficou conhecido como Acordo de Oslo.

Outras negociações se seguiriam entre as duas partes, em 2000 e 2007, mas com impasses intransponíveis sobre o retorno de 3,5 milhões de refugiados palestinos a seus locais de origem, a desocupação dos assentamentos construídos sobre terras reivindicadas pelos palestinos, onde hoje vivem mais de 150 mil judeus, e a partilha de Jerusalém, considerada ao mesmo tempo capital de um futuro Estado palestino e capital “eterna e indivisível” de Israel.

Resolução teve aplausos e revolta

FOTO: DAN BALILTY/REUTERS – 25.12.2016

Netanyahu em reunião em Jerusalém

PREMIÊ ISRAELENSE, BENJAMIN NETANYAHU, PARTICIPA DE REUNIÃO DE GABINETE

Após a aprovação do texto, diplomatas puxaram uma salva de palmas no Conselho de Segurança. A euforia contrastou com os protestos das autoridades israelenses e com críticas de políticos americanos que se opõem à política externa do atual presidente americano, Barack Obama, que ordenou que o país se abstivesse na votação.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu classificou a resolução de sexta-feira (23) como “vergonhosa”. Ele chamou de volta os embaixadores israelenses lotados nas embaixadas dos países que apoiaram a resolução, num gesto que, na diplomacia, indica grave descontentamento.

A fala do embaixador israelense no Conselho de Segurança, Danny Danon, mostrou que o atual governo não vê os territórios em questão como “territórios ocupados”, mas como posse efetiva de Israel:

“Vocês proibiriam a França de construir em Paris?”

Danny Danon

Embaixador israelense no Conselho de Segurança das Nações Unidas

A abstenção americana foi justificada assim pela representante do país no órgão:

“Os EUA têm enviado a mensagem de que os assentamentos precisam ter fim por quase cinco décadas”

Samantha Power

Embaixadora americana no Conselho de Segurança das Nações Unidas

As 2 razões para a mudança de postura dos EUA

O Conselho de Segurança das Nações Unidas só aprova resoluções por unanimidade. Se algum dos cinco membros permanentes – EUA, Rússia, China, França e Reino Unido – vetar uma proposta de resolução, ela cai.

Por isso, a abstenção americana foi decisiva. Todos os cinco membros permanentes, além dos dez membros rotativos, apoiaram a resolução que proíbe a construção de novos assentamentos. Só os EUA se abstiveram, abrindo caminho para que a resolução passasse. A mudança de postura pode estar ligada a duas questões:

Fim de mandato

O atual presidente americano, Barack Obama, está no fim de seu segundo e último mandato na Casa Branca e às vésperas de passar o poder para o adversário republicano Donald Trump. Nesse cenário, é mais fácil defender uma posição impopular, pois as consequências políticas recairão sobre o governo seguinte. O que fica para Obama é o legado biográfico de ter defendido uma medida que é tida como ética pela maioria dos países do mundo.

Descolamento da agenda

Obama já havia dado sinais de que não aceitaria um alinhamento automático com a agenda israelense no Oriente Médio. A maior prova disso foi o fato de ele ter assinado em julho de 2015 um acordo nuclear com o Irã, cujo governo é considerado rival de Israel. A decisão foi tomada a despeito das duras críticas recebidas não apenas dos parceiros israelenses, mas também da comunidade judaica nos EUA.

A importância de Israel para os EUA

A política no Oriente Médio tem sido marcada pelo uso da força nas relações entre os diferentes países e as diferentes correntes religiosas, sobretudo depois da descolonização, na primeira metade do século 20.

Nesse cenário instável, Israel é visto pelos EUA como um parceiro confiável. Os dois países têm em comum a solidez de elementos da democracia como voto livre, alternância dos governantes, eleições representativas e independência dos Poderes, além da economia de mercado e uma aspiração cosmopolita.

Essa realidade contrasta com a de vizinhos árabes que são vistos por israelenses e por americanos como povos em luta constante para se verem livres de ditaduras longevas, disputas entre facções, militarismo e a influência do clero na gestão dos assuntos de governo.

A aliança com Israel também atende a interesses domésticos dos EUA, uma vez que a comunidade judaica é influente na cultura, na economia e na política, tendo peso decisivo, por exemplo, na definição de todas as eleições americanas.

Portanto, seja pelo lado da política internacional, seja pelo lado dos assuntos internos, a relação com os israelenses é estratégica para os americanos. Isso tem levado sucessivos governos a se equilibrarem entre a defesa de princípios e a conveniência de criticar um aliado tão importante numa região tão conflitiva.

A importância dos EUA para Israel

Os americanos são fiadores da capacidade política e militar de Israel se impor numa região na qual a convivência com os vizinhos árabes é hostil.

A própria existência do Estado de Israel chega a ser posta em questão por adversários. Em 2005, por exemplo, o então presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, disse que Israel deveria ser “apagado do mapa”.

Nesse jogo extremo, é fundamental para os israelenses contarem com o respaldo da maior potência militar do mundo, mesmo que essa associação passe por solavancos, como acontece agora.

Artigo publicado originalmente em https://www.nexojornal.com.br/expresso/2016/12/26/O-que-est%C3%A1-em-jogo-na-resolu%C3%A7%C3%A3o-da-ONU-que-condena-os-assentamentos-israelenses

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