O que nos diz o ronco (sufocante) das urnas? Por Robson Sávio Reis Souza
Apurados os votos, é hora de análises. Lembrando que análises são parciais e explicitam o ponto de vista do analista. Portanto, também são eivadas de intenções e intencionalidades. Isenção é conversa para boi dormir. Se existe, deve ser no mundo das ideias, de Platão.
1. Uma guinada à direita: por mais paradoxal, o resultado das eleições é o oposto daquilo que os cidadãos mais almejam desde as manifestações de 2013, ou seja, a renovação na política. O Brasil que sai das urnas é um país de direita e conservador. O encolhimento do PT e a pouca, apesar de importante, expressividade dos demais partidos do campo à esquerda mostra que o triunfo momentâneo é do discurso e das práticas conservadores.
1.1. É óbvio que a criminalização da política em geral e do PT, em particular, contribuíram para esse resultado. A Operação Lava-Jato é questionável sob o ponto de vista jurídico, mas eficientíssima sob o ponto de vista política. Em relação à criminalização da política há que se destacar o papel da mídia que, intencionalmente e em doses cavalares, propaga a ideia segundo a qual a política é o espaço da corrupção. Com isso, consegue o afastamento de imenso contingente do eleitorado da disputa, abrindo extenso caminho para que as velhas elites políticas e econômicas possam voar em céu de brigadeiro. A campanha curtíssima e com financiamento limitado favoreceu, mais uma vez, os donos do dinheiro.
1.2. Mas é preciso reconhecer que o sistema político continuou hermético em relação às demandas por renovação da política institucional. E, certamente, quem mais perdeu com essa postura arrogante foi a esquerda que não se renovou, perdeu parte significativa da classe média e apostou nas mesmas táticas eleitoreiras.
2. A imensidão de votos nulos, brancos e abstenções país afora sinaliza, claramente, o fracasso do atual sistema político. Imagine se o voto fosse facultativo. Candidaturas como a de Bolsonoro estariam viabilizadas nesse contexto, porque os grupos que têm alto poder de vocalização (da classe média) não abrem mão das suas escolhas. Sem uma profunda reforma do sistema político, a fragilíssima e excludente democracia brasileira retrocederá aos patamares pré-Constituição de 1988 em pouquíssimo tempo.
2.1. Os votos nulos, brancos e abstenções devem ser compreendidos também como um desdém do eleitor aos mecanismos institucionais que distorcem e pervertem a vontade popular: historicamente, o chamado coeficiente eleitoral cumpre esse papel, ao priorizar as elites partidárias e os donos do dinheiro que dominam os partidos. E, nos dias atuais, o impeachment sinalizou ao eleitor que o respeito às deliberações populares nem sempre é constitutivo do nosso sistema político. Muitos questionam, com razão: para que votar nessas circunstâncias?
3. Nem toda novidade é nova: candidatos kamikaze como Dória, em São Paulo, e Kalil, em BH, mostram que a novidade pode vir travestida do que há de mais conservador e retrógrado. Os discursos apolíticos são altamente políticos. Ademais, observamos também alterações expressivas em algumas câmaras de vereadores com o incremento das bancadas evangélica, policial e de lideranças sociais com trabalho assistencialista. Ou seja, às vezes, a novidade é muito velha.
3.1. Marcelo Freixo, no Rio, não deixa de ser novidade à medida que o PSOL nunca participou ativamente do sistema político tradicional; sempre foi alijado, inclusive por setores da esquerda. Porém, na disputa com o bispo da Universal (que provavelmente aglutinará todo o segmento conservador do Rio) teremos a prova dos noves da força catalisadora em torno da aliança entre os segmentos de esquerda na Cidade Maravilhosa.
4. Os ideais da esquerda são muito maiores que os partidos de esquerda: é preciso registrar que o ideais e os militantes das esquerdas não se enquadram nos partidos que representam esse campo. Portanto, avalio que não há uma derrota das esquerdas, mas uma derrota dos partidos de esquerda. Isso significa que, ou esses partidos se reciclam e voltam às bases ou essa fragmentação e falta de representatividade institucional do campo levará ao recrudescimento da direita. Há que se reconhecer: a direita é muito mais tática e estratégica na disputa pelo poder e conta, sempre, com poderosos aliados no empresariado, na mídia, nos sistemas judicial e policial e na classe média tradicional.
5. A classe média, por mais que a critiquemos, é sempre o fiel da balança nas disputas eleitorais e, mais amplamente, nas disputas pelo poder. Além de (de)formadora da opinião pública, comparece às urnas e têm alto poder de vocalização de suas demandas. Por isso, é tão mimada pela direita tradicional. Qualquer mudança mais substantiva no sistema político (como ocorreu em 2013 com a eleição de Lula) passa pela classe média que se encontra dividida: o segmento tradicional e conservador altamente coeso foi o grande vencedor desse pleito; o segmento progressista encontra-se bastante esfacelado e sem grandes perspectivas. Se os partidos de esquerda pretendem retomar algum protagonismo político há, pelo menos, dois caminhos: refundação e diálogo com os segmentos progressistas da classe média.
6. O Texas à brasileira e as eleições 2018: nessas eleições, todos os caciques políticos – de todos os matizes, inclusos aqueles das grandes plumagens – estavam interessados à disputa que ocorrerá daqui a dois anos. Nesse sentido, o grande vitorioso é Geraldo Alckmin que não somente emplacou um playboy, transformado em mocinho, como também fragilizou por demais o PT em todo o estado, inclusive no seu berço, o ABC paulista. Assim como o Texas é um estado republicano, rico e conservador, nas suas raízes, São Paulo, guardando as devidas proporções, se transforma numa espécie de Texas à brasileira. E aquele que era chamado de “picolé de chuchu” se credencia para disputar, com força, as eleições presidenciais.
6.1. As disputas que se iniciarão dentro do PSDB, por um lado, e da base aliada do governo, por outro, com vistas às eleições de 2018 poderão aprofundar ainda mais o quadro de instabilidade institucional, apesar da aparente normalidade. Se somarmos a insatisfação dos cidadãos – devido ao aprofundamento da crise econômica e o avanço das pautas retrógradas no Congresso -, com eventuais desfechos da operação lava-jato, cada vez mais policialesca e inquisitorial, teremos ingredientes a detonarem uma crise ainda mais severa, com resultados imprevisíveis.
7. Sobre as velhas raposas: excluindo Alckmin, de uma maneira geral as elites partidárias foram solenemente apartadas do protagonismo dessas eleições. Em muitos casos, sequer apareceram nos programas eleitorais dos candidatos de seus partidos. Mas, não nos enganemos: nos bastidores, essas elites continuam dando as cartas e definindo os rumos das agremiações. As raposas sabem que a política de bastidor, em boa medida, define o processo político.
Artigo publicado originalmente em http://www.brasil247.com/pt/colunistas/robsonsavioreissouza/258504/O-que-nos-diz-o-ronco-(sufocante)-das-urnas.htm