Aldeia Nagô
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Ontem quatro cenas me preocuparam. Vou descrevê-las fora de ordem. Por Liana Cirne Lins

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A última delas era Lula ao lado de Renata Campos e de Paulo Câmara. Em outra, o pastor e deputado Marco Feliciano celebrava a violência extremada que uma professora sofreu por parte de um aluno que a socou por várias vezes. Marco Feliciano descobriu que a professora era de esquerda e que havia festejado um ovo que havia sido jogado em Bolsonaro.

Hipocritamente dizia que era contra a violência. Hipocritamente chamava a professora de hipócrita e dizia que se ela defendia a violência [sic] não tinha direito de denunciá-la. Em menos de 24 horas, o vídeo tinha mais de dois milhões de visualizações e as reações eram de curtir, amar e rir, nessa ordem.

Noutro vídeo, um jovem negro vestindo moletom com capuz e que aguardava na fila para comprar um sanduíche subway e olhava o celular distraidamente foi violentamente abordado por um policial branco que estava com sua esposa e filha de colo também na fila. O policial sacou a arma, levantou o moletom do jovem, fez uma revista em suas partes íntimas e liberou o jovem para voltar para fila depois do baculejo. O mais insólito se passa a seguir. O policial vai comer com sua esposa e filha. O jovem permanece na fila e faz o pedido, acho que querendo provar que tinha ido até à loja da subway apenas para comprar um sanduíche mesmo. Provavelmente acostumado a levar baculejos violentos. Crime: ser negro e haver uma constante suspeita sobre ele. O vídeo também tinha milhares de visualizações e as reações eram: curtir, rir, amar. Nos comentários, todos aprovando a atitude do policial.

Finalmente, a mais perigosa e temível de todas as cenas: Magno Malta declara que todas as forças estão unidas contra Lula. Sim: todas as forças. Bolsonaro, Doria, Ronaldo Caiado e ele, Magno Malta. Lula, declarou ele, não teria chance contra os “patriotas” [sic] unidos.
Volto à cena que descrevi em primeiro lugar.

Lula jantando com Renata Campos e com Paulo Câmara. Eu não gosto. Não gosto do PSB há muitos e muitos anos. A gestão local deles é entreguista, irresponsável, tratora os interesses populares, financiada pelo capital especulativo. Estou sendo bastante eufêmica. No plano nacional, votou com o golpe.
Não gosto.

Mas não há – repito: não há – termo de comparação com o que está se armando fora da alternativa que Lula está desenhando para tirar o Brasil da ameaça fascista de extrema direita.

Então, amigas e amigos, não me peçam para ser anti-lulista.

Eu não sou e não serei anti-lulista. Não vou endossar a ameaça fascista que sopra em nossa nuca.

Lula não é candidato a presidente de grêmio estudantil.

Ele é candidato a presidente do Brasil. E quem acha que é possível apenas unir o campo da esquerda que se manteve contra o golpe com coerência e não retomar alianças que foram rompidas e traídas – como claramente é o caso do PSB, um traidor por excelência -, lamento, mas creio estar enganado.
Lula está dialogando com o centro, sim.

Está consolidando e retomando acordos, sim.

E eu mais uma vez admiro Lula por saber como se faz política. Muito mais do que eu, ele sabe como fazer política.

E é exatamente porque Lula sabe fazer política que temos uma chance real e concreta de vencermos o avanço do fascismo no Brasil. Pois não é possível defender que a composição de forças de um projeto de retomada da democracia tem que excluir todo mundo que já não seja do nosso campo. Isso é absurdo. Não há chances de vencer assim. Lembrem de Magno Malta dizendo que ele, Bolsonaro, Caiado e Doria estão unidos.

Por último e não menos importante:
No mesmo dia em que Lula jantou com Renata Campos e Paulo Câmara, também passou a tarde inteira grudado ao lado de Marília Arraes.
Vocês acham que ele jantar com Renata Campos e Paulo Câmara tem valor político, mas passar a tarde inteira grudado com Marília Arraes não tem?
Marília foi ovacionada como GOVERNADORA pelo povo durante todo o dia. E hoje, no Pátio do Carmo, será novamente aclamada aos gritos de GOVERNADORA. Alguém tem dúvida? Eu mesma vou gritar bem alto e convido vocês a fazer o mesmo.

Se Lula não tivesse ouvidos para ouvir, vocês acham que Marília teria sido chamada a ficar ao lado dele?

O que eu interpretei dos gestos de Lula ontem:
No plano nacional, uma aliança para conter o golpe e o avanço fascista, inclusive com o PSB golpista.

No plano estadual, o reconhecimento de que teremos uma candidatura própria e que esse nome é de Marília Arraes.

Aceito, a contragosto, a primeira aliança. Mas vou apoiá-la com unhas e dentes, caso Lula a encampe, porque tenho a clara visão do que estamos combatendo.
Exijo, com o poder que vem das vozes da rua, que Marília seja nossa candidata a governadora. Até porque Marília é o nome que tem, hoje, o poder para unificar, junto ao povo pernambucano e à militância petista, um projeto nacional e estadual ao lado de Lula.

Liana Cirne Lins é professora da Faculdade de Direito na Universidade Federal de Pernambuco e colunista do Midia Livre
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