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Os jogos de poder e as linhas vermelhas no Báltico/Mar Negro se intersectam em uma “estranha guerra”. Por Pepe Escobar

6 - 8 minutos de leituraModo Leitura

Artigo publicado originalmente no Brasil 247

Ninguém jamais perdeu dinheiro apostando nas “políticas” doidas de pedra dos chihuahuas do Báltico com seus ganidos ferozes

Ninguém jamais perdeu dinheiro apostando nas “políticas” doidas de pedra dos chihuahuas do Báltico com seus ganidos ferozes. Seu jogo de poder mais recente é a intenção de transformar o Mar Báltico em um lago da OTAN.  

A ideia de que um bando de subentidades russofóbicas teriam capacidade de expulsar a superpotência russa do Mar Báltico e criar uma ameaça para São Petersburgo  sequer se qualifica como história em quadrinho. No entanto, essa, de fato, é parte da reconfiguração das obsessões da OTAN, cuja “vanguarda” belicista  relocou-se para o eixo Londres-Varsóvia-chihuahuas bálticos-Ucrânia.  

Que espécie de buraco negro o que sobrou da Ucrânia se tornará ao fim da guerra – que talvez nem aconteça em 2025 – ainda não se sabe. O que é certo é que no caso de uma saída da Ucrânia – sejam quais forem as modalidades – entra em cena a Romênia. 

Toda a farsa eleitoral que ocorre na Romênia – acompanhada da total demonização do candidato que lidera as pesquisas, Calin Georgescu – gira em torno da construção da base Mihail Kogalniceanu, que será a maior base militar da OTAN na Europa. 

Mais uma vez, portanto, o que está em questão é o Mar Negro. A OTAN criando o caos no Mar Negro representa uma perspectiva muito mais saborosa do que o monopólio do Mar Báltico pela OTAN por intermédio dos chihuahuas.

Ilya Fabrichnikov, membro do Conselho de Política Externa e Defesa da Rússia, publicou um notável ensaio essencialmente focado no Mar Negro (aqui vai uma versão resumida publicada no diário Kommersant).

Fabrichnikov argumenta de forma convincente que, de um ângulo europeu – União Europeia/OTAN – o que realmente importava no caso da Ucrânia era “deslocar suas fronteiras, juntamente com suas forças armadas e infraestrutura política e econômica, para mais perto da Rússia, a fim de ter total controle sobre o estratégico corredor comercial do Mar Negro – que facilmente se estende mais ao norte ao longo da rota Odessa-Gdansk – para explorar de forma mais rápida e conveniente os espaços econômicos da Ásia e da África do Norte, e passar a ditar os termos do fornecimento de gás, petróleo e outros recursos necessários à economia europeia”. 

Como todo esse jogo de poder focado na instrumentalização da Ucrânia vem se desfazendo em tempo real, uma substituição é necessária – ao mesmo tempo em que os eurocratas belicistas insistem na sua incessante tentativa de a vender sua demência “paz é guerra”, acompanhada de um tsunami contínuo de sanções e de  promessas renovadas de envio de avalanches de armas para Kiev. 

Esse é um caso típico da vassalagem de Bruxelas – considerando que a tóxica Medusa von der Lugen na chefia da Comissão Europeia e o Rutti-Frutti na chefia da OTAN foram indicados essencialmente por Washington e Londres. Em termos coletivos, a Europa colocou muito mais verbas militares e políticas no buraco negro da Ucrânia do que os americanos.  

A razão é simples. Para a Europa, não há Plano B além da milagrosa “derrota estratégica” da Rússia. 

O jogo de poder da União Europeia/OTAN no Mar Negro tornaria ainda mais imperativo para a Rússia se conectar com a Transnístria. A única pessoa capaz de responder se isso faz parte do planejamento atual é o Presidente Putin.  

Neonazistas vão bombardear gasodutos 

Os serviços de inteligência russos têm perfeito conhecimento de que os europeus, em certa medida, já tomaram para si áreas da Ucrânia – de portos a minas. Não é de surpreender que os britânicos, por meio do MI6, estejam à frente dos continentais, principalmente a Alemanha.

Tudo isso se entrelaça com o extremamente nebuloso acordo de troca de armas por metais fechado pelo Trump 2.0 com o totalmente ilegítimo ator-que-virou-gangster vestido de camiseta de Kiev. Para Trump, a única coisa que importa é recuperar o dinheiro dos Estados Unidos – quer o total seja 500  bilhões de dólares ou menos (na verdade, muito menos).  

Na cena desse kabuki entra quem realmente detém poder em Kiev desde a proclamação da lei marcial: o Conselho de Defesa Nacional e Segurança da Ucrânia. O ator não eleito e ilegal já não vem tomando decisões importantes há algum tempo. Essas decisões são tomadas pelo antigo chefe do serviço secreto estrangeiro Oleksandr Lytvynenko.

Foi o Conselho que, em 17 de fevereiro, ordenou o bombardeio do importantíssimo oleoduto de propriedade do Consórcio do Oleoduto do Cáspio (CPC), que liga o Cazaquistão a  Novorossiysk, exportando grandes quantidades de petróleo cazaque e russo. 

É importante notar que entre os acionistas da CPC constam a ENI italiana (2%), o Consórcio do Oleoduto do Cáspio, subsidiário da Exxon Mobil (7.5%), e a Empresa do Consórcio do Oleoduto do Cáspio, subsidiária da Chevron (15%).

Bem, isso não foi muito inteligente. Os “integral-nacionalistas”, codinome dos neonazistas de Kiev, decidiram bombardear um ativo de propriedade parcialmente americana. Não apenas o Trump 2.0 irá retaliar, mas isso já vem acontecendo. 

No front igualmente nebuloso dos minerais de terras raras, a entrevista dada por Putin ao Canal Um parece ter feito muita gente perder o rumo. A Rússia, disse ele, possui muito mais terras raras do que a Ucrânia, e “está pronta para trabalhar com nossos parceiros estrangeiros, os Estados Unidos inclusive, no desenvolvimento desses depósitos. Esse é um clássico Putin Sun Tzu: os americanos não poderão explorar terras raras no que sobrou da Ucrânia – porque elas não existem. Mas podem entrar em parceria com a Rússia na Novorossiya.

Tudo o que foi dito acima, é claro, pressupõe uma sólida negociação entre os Estados Unidos e a Rússia no tocante à Ucrânia. Entretanto, a Equipe Trump 2.0 parece ainda não ter entendido as verdadeiras linhas vermelhas da Rússia:

  • 1. Não haverá cessar-fogo temporário “ao longo da linha de frente”. 
  • 2. Não haverá negociações quanto aos novos territórios adquiridos no campo de batalha. 
  • 3. Não haverá “tropas de paz” da OTAN ou da Europa nas fronteiras oeste da Rússia. 

Putin deixa Trump atordoado

Nas atuais circunstâncias, Washington e Moscou continuam separadas por um abismo.

Mr. Disco Inferno é simplesmente incapaz de fazer concessões importantes – ou de reconhecer de fato a derrota estratégica do Império do Caos. Porque isso selaria o Fim Definitivo  da Hegemonia Unilateral.

Putin, de sua parte, simplesmente não abrirá mão das duras vitórias em campo de batalha.   A opinião pública russa não espera nada menos que isso. Afinal, a Rússia detém todas as cartas que levariam a uma possível negociação. 

A União Europeia/OTAN jamais admitirá sua própria e autoinfligida derrota estratégica, daí os sonhos sobre o Báltico e o Mar Negro, que trazem consigo mais uma fantasia autoinfligida, a de prejudicar a Nova Rota da Seda chinesa, tanto quanto isolar a Rússia. 

Putin, na verdade, vem dando saltos mortais virtuais para instilar algum grau de bom-senso. Em seu Mr. Disco Inferno ele observou que, no que se refere às relações Estados Unidos/Rússia, “o primeiro passo deveria focar o aumento do nível de confiança  entre os dois países. Isso é exatamente o que vimos fazendo em Riad, e é a isso que nossos próximos contatos de alto nível serão dedicados. Sem isso, seria impossível resolver qualquer questão, inclusive uma tão complexa e aguda como a crise ucraniana”. 

A confiança está longe de ser restabelecida, principalmente face ao que Lavrov descreveu como o Império do Caos ser “incapaz de honrar acordos”, deixando em frangalhos sua credibilidade global.  Acrescente-se a isso a linguagem bombástica fabricada para controlar o ciclo de notícias 24/7: o modus operandi preferido do Trump 2.0. Nada disso conduz ao mantra maior da diplomacia: “construção de confiança”. 

E tudo ficará ainda mais turvo – e muito mais perigoso – se a opinião pública russa for confrontada com o fato de que, após 11 anos lutando uma maligna guerra por procuração contra o Império do Caos, eles talvez venham a ser parceiros em setores industriais estratégicos, que o próprio Putin definiu como essenciais para a segurança nacional russa. 

Bem assim. Ou talvez, trate-se apenas Putin deixando Trump atordoado com alguma inesperada jogada Sun Tzu.

No início desta semana, tive uma fabulosa conversa em off com Sergey Glazyev, antes ligado à União Econômica Eurasiana (UEEA) e hoje chefiando a consolidação do Estado de União  (Rússia-Belarus). Coube ao Sr. Glazyev trazer o resumo definitivo de tudo o que vem se desenrolando frente a nossos olhos: “Esta é uma guerra muito estranha”. 

Tradução de Patricia Zimbres

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

* Este é um artigo de opinião, de responsabilidade do autor.

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