Por que sou de esquerda? Por Othoniel Pinheiro Neto
Considero-me uma pessoa de esquerda porque entendo que, em uma sociedade como a brasileira, os investimentos públicos são importantes para a busca da autonomia das pessoas, da justiça social, da redução da pobreza e para a preservação de uma economia saudável onde não haja aniquilação injusta da concorrência.
Isso não quer dizer que sou contra a iniciativa privada, muito pelo contrário, apenas entendo que, em uma sociedade como a brasileira, o Estado – o Estado Social – é indispensável para a própria sobrevivência da iniciativa privada, especialmente o pequeno agricultor e o pequeno e médio empresário.
Sou de esquerda por que defendo o modelo de Estado Social para o Brasil, bem como as liberdades no tocante aos valores sociais que, no Brasil, foram empurrados de goela abaixo durante o Brasil-colônia, por razões de dominação e adestramento.
O Estado Social é o modelo que garante educação pública gratuita, saúde de graça, o direito do trabalho e os outros direitos sociais, que buscam conceder o mínimo de sobrevivência digna às pessoas excluídas injustamente pelo modelo social e econômico perverso do Brasil.
Também acho que esse modelo é a força motriz para o crescimento da economia brasileira, que precisa de investimentos públicos para o próprio crescimento da iniciativa privada.
Por outro lado, ser direita é defender justamente o contrário disso, apregoando que, quanto mais ausente o Estado, melhor para a sociedade. Não concordo, pois a ausência do Estado em um país como o Brasil, onde as pessoas não respeitam o espaço das outras e se brincar puxam o tapete, onde temos indivíduos que ainda precisam de incentivos estatais para sair da pobreza, levará a mais exclusão social.
Não sou de direita porque entendo que não basta trabalhar duro para ascender socialmente em uma sociedade perversa como a brasileira.
Trabalhar duro – por si só – não resolverá o problema justamente por causa do modelo de sociedade tão idealizado pela direita brasileira. Todos sabemos que são pouquíssimos os que conseguem.
É preciso também destacar que a discussão deve ser voltada para a direita e a esquerda dentro do Brasil, uma vez que debates que envolvam capitalismo e socialismo em outros países são apenas cortinas de fumaça para obscurecer o real debate que deve ser enfrentado em nosso país: ora, em uma sociedade como a brasileira, devemos nos preocupar com a economia, com a sociedade e com os modelos de exclusão dentro do Brasil. Qualquer debate sobre isso que direcionem críticas a outros países intencionam deslocar o foco do problema, que é justamente o nosso problema: o Brasil.
O Brasil, por razões históricas e sociais, é um dos únicos países que encontramos uma direita que é, ao mesmo tempo, liberal na economia e conservadora no social. Isso acontece pelo encontro histórico no início do século XX de duas categorias de elite: a) o coronelismo; e b) a elite paulista.
Ao final da década de 20 do século XX, essas duas elites uniram-se para quebrar a república do café-com-leite a fim de preterir a vez de Minas Gerais na Presidência da República e colocar outro paulista, Júlio Prestes, no lugar do também paulista Washington Luís. Isso revoltou Minas Gerais, que se uniu à Paraíba e ao Rio Grande do Sul, de Getúlio Vargas, provocando a Revolução de 30, que resultou em alguns castigos para essas duas elites que até hoje não foram bem absorvidas, como, a Justiça e o Direito do Trabalho, os sindicatos, o voto secreto, o voto das mulheres, a Justiça Eleitoral e a presença estatal na economia.
Foi aí que surgiu no Brasil o chamado Estado Social Constitucional, que carrega projetos e valores que a esquerda brasileira defende, como a presença maior do Estado nas relações econômicas e sociais – uma vez que se entende que isso é indispensável para a econômica e a sociedade de um país como o Brasil – bem como a defesa dos chamados direitos sociais, que são aqueles fornecidos de graça pelo Estado justamente buscar a autonomia de seres humanos excluídos economicamente da sociedade, como a saúde gratuita, a educação gratuita, a moradia e qualquer incentivo financeiro para que não existam pessoas vivendo abaixo do mínimo vital.
Vocês percebem claramente que as ideais de nossa direita servem justamente para desmontar todos esses direitos historicamente conquistados, com uma argumentação básica que se baseia na ausência do Estado na ajuda a essas pessoas que, mesmo trabalhando duro, não conseguem melhoria econômica justamente pelo modelo perverso de sociedade que nós temos.
Enfim, o que podemos chamar de valores defendidos pela direita brasileira possuem raízes justamente nesse contexto político, econômico, histórico e social, que levam à defesa de ideias, teorias, argumentações e formas de observar situações direcionadas ao desmonte do Estado Social construído por Vargas.
Por fim, não se esqueçam que toda a argumentação que envolve críticas à esquerda baseada em outros países faz parte da estratégia para obscurecer esse debate aqui no Brasil.
Othoniel Pinheiro Neto é Advogado e Doutor em Direito pela UFBa