Por uma reforma tributária justa. Por João Stedile, Demétrio Valentini, José Moroni e Emir Sader
Defendemos que o "corte de gastos públicos" incida sobre o superávit
primário e o pagamento dos juros da dívida pública
AS CLASSES dominantes fizeram uma articulação e, por meio dos seus
parlamentares no Senado, conseguiram derrubar a CPMF (Contribuição Provisória
sobre Movimentação Financeira). Logo depois, aprovaram a continuidade da DRU
(Desvinculação de Receitas da União), que permite o desvio de 20% da receita da
União. Com isso, recursos podem ser utilizados sem controle para o pagamento de
juros, em vez de em investimentos sociais.
A questão fundamental é que a
CPMF era um imposto que taxava principalmente os mais ricos -70% da sua
arrecadação vinha de grandes empresas e bancos. Além disso, impedia sonegação,
fraudes e desvios.
Com a derrota no Senado, o governo federal tomou a
iniciativa de aumentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e a CSLL
(Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e retomou a cobrança do imposto
sobre as remessas de lucros para o exterior.
Essas propostas foram acertadas
e justas, atingindo sobretudo os bancos, o sistema financeiro e as empresas
estrangeiras, apontando para o combate à desigualdade social e para o
desenvolvimento nacional.
Mais uma vez, as forças conservadoras se
movimentaram e, tendo à frente a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo) e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), fizeram uma campanha
mentirosa contra as propostas do governo, com suporte da Globo, dos Democratas e
do PSDB.
De um lado, mentem quando afirmam que os mais pobres serão afetados
por esses impostos e, de outro, escondem que as taxas de juros exorbitantes
cobradas pelo sistema financeiro são o maior custo das compras a prazo. Calam-se
porque são beneficiados por esse instrumento.
Diante disso, organizações
populares e sindicais, intelectuais e religiosos defendemos que o "corte de
gastos públicos" exigido pelas classes dominantes incida sobre o superávit
primário e o pagamento dos juros da dívida pública, que é a maior despesa do
Orçamento da União nos últimos dez anos.
Trata-se de uma transferência de
dinheiro do povo para bancos e especuladores. Em 2007, o governo federal gastou
R$ 160,3 bilhões em juros, valor correspondente a 6,3% do PIB (Produto Interno
Bruto), que representa quatro vezes o investimento nas áreas sociais.
Precisamos de uma verdadeira reforma tributária, que seja eficaz e
progressiva, incidindo proporcionalmente à renda e à riqueza. Atualmente, 70%
dos impostos são cobrados sobre o consumo e apenas 30% sobre o patrimônio. É
preciso diminuir o peso sobre a população e aumentá-lo sobre a riqueza e a
renda. Além disso, é fundamental a redução da taxa de juros básica usada como
referência para o pagamento dos títulos da dívida pública com grupos
financeiros.
Os bancos, por sua vez, deveriam baixar as escandalosas taxas
de juros cobradas dos consumidores e das empresas, que inviabilizam o crédito
para o crescimento do país.
Poderiam eliminar as taxas de serviços, que
rendem por ano R$ 54 bilhões. Outra forma de aumentar a arrecadação sem
prejudicar o povo com cortes no Orçamento é acabar com a Lei Kandir, que isenta
do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) as exportações
agrícolas e primárias, prejudicando inclusive as contas dos Estados.
Por
fim, necessitamos de uma política permanente de distribuição de renda e, para
isso, será necessário tomar medidas que taxem o patrimônio, a renda e os
privilégios dos 10% mais ricos, que se apropriam de 75% da riqueza nacional.
Só dessa forma poderemos aumentar as oportunidades de emprego e renda e, sem
reduzir a contratação ou os salários dos servidores, ampliar os serviços
públicos de forma eficiente e gratuita para toda a população, especialmente em
saúde, educação e seguridade social.
A sociedade brasileira não pode se
calar diante das pressões dos setores conservadores e deve se manifestar,
utilizando plebiscitos e consultas como exercício do direito constitucional de
decisão do povo sobre assuntos tão importantes para a vida de todos e o futuro
do país.
JOÃO PEDRO STEDILE, 52, economista, é integrante da direção
nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). DOM
DEMÉTRIO VALENTINI, 67, bispo de Jales (SP), é membro da Comissão
Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, da CNBB. JOSÉ
ANTÔNIO MORONI, 44, filósofo, é membro do Inesc (Instituto de Estudos
Socioeconômicos) e diretor da Abong (Associação Brasileira de ONGs).
EMIR SADER, 67, sociólogo e cientista político, é
secretário-executivo da Clacso (Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais) e
professor da Uerj.