Precisamos falar sobre a 16ª Parada LGBTI de Salvador, por Laís Almeida
Precisamos falar sobre a 16ª Parada LGBTI de Salvador, precisamos falar sobre violência, cultura e diversidade nesse país, precisamos falar de intolerância e do fascismo desavergonhado, precisamos falar do encerramento da Queer Museu pelo Santander Cultural de Porto Alegre.. Precisamos parar de nos calar!
Ontem aconteceu a 16ª Parada LGBTI de Salvador, e pra quem acha que agora tudo é gay, e que entramos na ditadura gayzística, sugiro que saia de casa. Arrastões, socos e voadoras gratuitos, agressões físicas e verbais, ataques violentos em bando, assaltos..Esse foi o pano de fundo montado para a “festa” da diversidade de Salvador passar. Enquanto adolescentes, crianças, mães, jovens, quase todos pretos, quase todos favelados, insistiam em expurgar sua liberdade, gritando alto, dançando fervorosamente, rebolando a bunda até o chão, beijando na boca, dando close e fazendo o lindo carnaval, grupos de moleques pretos, de adultos misóginos, de machos fodidos, aproveitavam a vulnerabilidade daqueles para expor todas as feridas do mundo, em um só lugar, pobreza, miséria, racismo, machismo, machismo, machismo, machismo..com o aval do Estado, com a tranquilidade de boa parte da PM, com a negligência dos que não se importam. A cidade que faz a MAIOR FESTA DE RUA DO PLANETA durante 7 dias, que ano após ano vangloria-se de ter reduzido os números da violência e aumentado o de público para 2 milhões de pessoas (EU FALEI DOIS MILHÕES DE PESSOAS) em três circuitos, 2 MILHÕES DE PESSOAS em menos de 10km de ruas, e aos trancos e barrancos faz dar certo e (para muitos) ser lindo, uma cidade que tem miséria pra caralho, mas também o know how máximo da festa, das multidões.. NÃO CONSEGUIRIA FAZER UMA FESTA COM PÚBLICO ESTIMADO EM 900mil PESSOAS UM DIA NO ANO!??? Abro os jornais e nem sinal de balanço da Parada e a quem interessa a ausência de dados, a invisibilidade? A quem interessa a violência nos desfiles LGBTIs!? A quem nossas vidas importam!? Corpos pretos e “degenerados” – como a arte moderna perseguida por Hitler, como a arte contemporânea atacada pelos homens/moleques “de bem” do Movimento BRASIL LIVRE – veja só. De que liberdade estamos falando? De que forma o Brasil constitui seus discursos? De que forma atropela os processos? De que forma se constrói elite e grana sem tecitura cultural? Sem coesão, sem entendimento histórico, anistiando tudo, demolindo a memória em troca de elefantes brancos do capital na Ladeira da Barra ou na Barra da Tijuca?
A cada ano que passa o público da Parada LGBTI de Salvador me parece cada vez mais homogêneo, cada vez mais preto e pobre. Se a classe média abandona, o Estado abandona, e se o Estado abandona, a classe média abandona, num contínuo até acabar… e mais uma vez ficamos nós por nós, abandonados para que nos matemos entre si, como nas favelas, nas escolas e hospitais públicos. E de que engenhosa forma esse ciclo leva ao coerente e ponderado discurso analítico burro de que a Parada LGBTI precisa mesmo acabar, até chegar em você que – sem maldade – se questiona: “Pra quê Dia do Orgulho LGBT mesmo?”, “Pra quê Dia da Visibilidade Lésbica”, “Não deveria ser Consciência Negra, deveria ser Consciência HumanazZzZzzz.. Caralho, estão nos matando! Não percebem que está tudo relacionado? Que os fenômenos sociais, a miséria e desigualdade, os gostos, os sensos estéticos, nada disso acontece por geração espontânea da natureza!? E aí é onde mora a importância da arte e da cultura? Que arte não foi feita pra embelezar seus olhos – “como sagração do belo”, como muita gente colocou no debate sobre a Queer Museu -, mas justamente para tensionar, questionar, marcar a história e dar algum sentido a essa merda toda!? Para que tenhamos memória e não voltemos a insistir na mesma estupidez do fascismo décadas após décadas? Para que não se proliferem Bolsonaros e avancemos enquanto sociedade?
O projeto político hegemônico nunca será liberal como se vende, ele ainda é a mais espúria elite de senhores de engenho, se movimentando no lamaçal de onde orientam os rumos do país e de onde nunca saíram – não nos iludamos. Não é sobre ser coxinha ou mortadela. Não é questão de gosto, de opinião, de preferência política.. é questão de sobrevivência para todos nós que não somos eles. Marchamos pelo direito de existir.
Laís Almeida é produtora cultural
A autora fez a publicação desse texto na sua página no Facebook, e então resolvemos compartilhar com você essa reflexão. Ela nos cedeu gentilmente este texto para publicação.
Artigo publicado em http://www.doistercos.com.br/precisamos-falar-sobre-a-16a-parada-lgbti-de-salvador-por-lais-almeida/